A cineasta Dainara Toffoli, 55, tem uma relação de vida com o lixo. A primeira vez em um set de filmagem foi em um lixão a firmamento franco durante a produção do filme “Ilhota das Flores”, em 1989. O cenário do curta-metragem emblemático dirigido por Jorge Furtado a comoveu pela brutalidade daquele contexto.
Trinta e cinco anos depois, ela rejeita uma postura niilista, mas expressa desânimo com a falta de avanços para a redução da geração de resíduos no Brasil e no mundo. “Porquê posso ser otimista com ilhas de plástico nos oceanos e praias cheias de lixo?”, explica.
Conhecida pelo trabalho em “As Five”, “Manhãs de Setembro” e “De Volta aos 15”, a gaúcha foi estagiária na produção do “Ilhota das Flores”. Cursava jornalismo em Porto Satisfeito quando integrou a equipe do curta-metragem de Furtado. O filme foi a sua estreia em um set de filmagem, e a experiência a chocou. Nunca havia tido contato com pessoas que sobreviviam em meio ao lixo. “Foi uma vez que se eu estivesse chegando em Marte”, conta.
O filme segue a jornada de um tomate desde a colheita até o orientação final, em um lixão. Durante o trajectória, ele passa por um supermercado e pela moradia de uma vendedora, que o descarta por julgá-lo inoportuno para consumo. A história, narrada uma vez que documentário, destaca a irracionalidade do ciclo de produção. No sítio, o tomate se junta a sobras de comida oferecidos a porcos. O que é rejeitado pelos animais vira iguaria a quem vive ali.
Toffoli lembra da indiferença com que as máquinas atuam naquele território, revolvendo e empilhando os resíduos. Quem quisesse que saísse da frente. “As pessoas que andavam pelo lixão. Tinha até barraquinha de venda de refrigerante. Zero era encenado. Tudo estava acontecendo. Foi muito impressionante”, lembra.
Depois de “Ilhota das Flores”, a cineasta dirigiu um incidente da série “Somos Um Só” que explora a outra ponta da temática do curta de sua estreia ao tratar de padrões de consumo e desenvolvimento sustentável. Ela cita uma vez que referências no debate da gestão de resíduos filmes uma vez que o documentário “Lixo Imprevisto”, de Vik Muniz, e a animação “Wall-E”, dos quais não participou.
Segundo ela, o audiovisual consegue mobilizar e conscientizar telespectadores, mas sem vontade política e o engajamento das empresas não há saída. Toffoli diz não ver uma solução de pequeno nem de longo prazo para a crise do lixo. Ela diz faltar vontade das indústrias em reduzir o ritmo de produção, desenvolver produtos mais duráveis e aumentar a reciclabilidade dos materiais.
“Esse setor [industrial] da sociedade responsabiliza o consumidor, mas se ele não está trabalhando para reduzir a produção de lixo, uma vez que resolver?”, questiona, negando que tenha havido uma melhora na problemática desde o lançamento do curta. “Individualmente, as pessoas tentam fazer, se angustiam, contribuem com a reciclagem, com a compostagem, mas não adianta. É assim: produz, produz, produz.”
A Política Vernáculo de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece uma graduação de prioridades de gestão, em que a prioridade é a não-geração de resíduos, seguida de sua redução, reutilização e reciclagem. Tratamento e disposição adequada vêm por último.
Estimativa da Abrema (Associação Brasileira de Resíduos e Meio Envolvente) mostra que o Brasil gerou murado de 77 milhões de toneladas de RSU (resíduos sólidos urbanos) em 2022. Nessa conta, a média de resíduos gerados por dia por cada pessoa foi de quase 1 kg naquele ano.
Na moradia onde mora, na região oeste de São Paulo, Dainara Toffoli separa orgânicos de metais e plásticos, faz o descarte de resíduos em pontos de entrega voluntária, ou ecopontos, e tem até uma composteira doméstica. Ela reconhece o papel individual de consumidores, mas diz que permanecer só nisso é inviável.
“Não estou dizendo que eu não tenho a responsabilidade, mas é um pequeno gavinha da ergástulo”, afirma a cineasta. “Individualmente, é enxugar gelo. É preciso uma mudança de mentalidade na forma de produção.”
No próprio cinema, a gestão de resíduos é um repto. Porquê define a diretora, não faz sentido discutir um ponto ao mesmo tempo em que se caminha no sentido oposto a ele, gerando uma “uma quantidade absurda de lixo”.
Dados da consultoria ambiental Cinema Verdejante indicam que um projeto de 120 pessoas gera em um mês seis toneladas de resíduos sólidos. Descartáveis plásticos —copos, talheres, pratos— podem chegar a 26 milénio itens, e impressões em papel, 6.000 folhas.
A empresa, fundada por Ariene Ferreira, produtora que atuou em projetos uma vez que “Bicho de Sete Cabeças” e “3%”, visa resolver esse problema. O negócio oferece soluções para a ergástulo de produção cinematográfica na tentativa de minimizar o impacto socioambiental. As principais ações incluem a substituição de descartáveis por materiais reutilizáveis e a realização de palestras para orientar equipes sobre gestão de resíduos.
“A gestão de resíduos é um tanto muito sério. É uma ação importante”, diz Ferreira. “Não adianta somente pôr coletores nos locais e expressar qual é o de recicláveis, de rejeitos, de orgânicos. É preciso orientar e preparar as pessoas. Isso compromete todo o processo. Portanto, é uma ação que parece simples, mas não é.”