As três indicações de Ainda Estou Cá ao Oscar – melhor filme, melhor filme estrangeiro e melhor atriz – foram muito celebradas no Brasil. De atrizes consagradas a críticos de cinema, de famosos a anônimos, não faltou quem ficasse feliz com o grande feito deste filme brasílico, dirigido por Walter Salles.
Uma delas foi a atriz Fernanda Montenegro, que já foi indicada ao Oscar de melhor atriz em 1999, por Meão do Brasil, filme que também teve direção de Salles. Desta vez, ela tem uma razão ainda mais próprio para festejar: a indicada ao Oscar de melhor atriz neste ano de 2025 foi sua filha Fernanda Torres, que interpretou a protagonista Eunice Paiva em Ainda Estou Cá.
“Eu, Fernanda Montenegro e Fernando Torres – onde quer que ele esteja – estamos felizes e realizados, em estado de aleluia, pelas indicações de Fernanda Torres e Walter Salles ao importante prêmio do Oscar. Um proveito cultural para o Brasil. Meu coração de mãe em estado de perdão”, escreveu nas redes sociais.
Feito inédito
Em entrevista à Sucursal Brasil, o crítico de cinema Chico Fireman, sócio na distribuidora Michiko Filmes, responsável pelo lançamento no Brasil do filme Sol de Inverno, destacou o traje de Ainda Estou Cá ter conquistado um feito inédito: foi a primeira vez que um filme brasílico conquistou indicação na categoria de melhor filme, em 97 anos do prêmio.
“É imenso para o Brasil e para o cinema brasílico. Joga os holofotes para nossa arte uma vez que nunca aconteceu. Estamos falando de visibilidade e não de preço em si. O cinema brasílico não precisa do aval internacional, mas quando ele vem ajuda e muito. As pessoas vão se interessar mais pelo filme, pelo diretor, pela atriz e pelos filmes brasileiros uma vez que um todo. Coloca a gente no planta de uma outra forma, com uma outra projeção”, defende.
O crítico ressaltou que a conquista se torna ainda mais impactante porque o enredo ajuda a trazer reflexões sobre as violências provocadas pela ditadura militar brasileira. “As indicações, de uma certa maneira, também são por motivo disso. O tema político, tão universal neste momento da história do mundo, tem tocado muito as pessoas, inclusive fora do país”.
Para Fireman, também foi muito simbólica a indicação de Fernanda Torres ao Oscar de melhor atriz, feito que já havia sido conquistado por sua mãe. “É um ciclo completo fechado”.
Um marco
Já para Sérgio Machado, diretor e roteirista de filmes uma vez que Cidade Baixa e Abril Despedaçado, o filme representa um marco para a cultura brasileira.
“Vi o Ainda Estou Cá nascer. É um marco no cinema e na cultura brasileira. Não exclusivamente pelas indicações, que são importantíssimas, nem pelos prêmios que estão vindo e virão muito mais. Mas porque marca um reencontro dos brasileiros com os nossos filmes. E que lindo ver isso suceder com uma obra que trata de assuntos tão fundamentais e que revisita o nosso pretérito sombrio. Ver o Waltinho, a Nanda e a equipe maravilhosa que fez o filme – amigos tão queridos – tendo o reconhecimento que merecem me traz uma felicidade que não consigo nem descrever”, comemora.
“Essas indicações e a marca histórica de o Brasil integrar a categoria de melhor filme no Oscar são de valor da obra e atuação de Walter Salles e Fernanda Torres, grandes representantes da riqueza cultural do Brasil na cinematografia mundial e devem ser celebrados por toda a indústria audiovisual brasileira. É um marco de valorização da nossa indústria e reconhecimento da qualidade de nosso cinema. Viva Ainda Estou Cá e viva o cinema brasílico!”, celebra Joana Henning, CEO do Estúdio Escarlate, responsáveis por filmes uma vez que Monica e Sequestro do Voo 375.
Despensa do Mundo
Em entrevista à Sucursal Brasil, Renata de Almeida, diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, lembrou que a primeira apresentação do filme no Brasil aconteceu dentro do festival, ocorrido em outubro do ano pretérito.
“Isso [a indicação ao Oscar] é uma maravilha não só para o filme, mas para todo o cinema brasílico, até para o cinema latino-americano. Quando eu vi o filme, achei que ele ia fazer história mesmo. Conversei com o Walter e falei a ele sobre a dificuldade dos personagens. São muitos personagens e esse não é um filme simples de se fazer. A gente está fazendo história e ele ter escolhido a Mostra para a estreia do filme foi muito bacana. A gente ficou muito emocionada. Era um filme que precisava ser feito”, destaca.
“Além da primazia do filme – porque o Walter é um diretor que procura sempre a primazia e que é perfeccionista – tem esse traje que é histórico: um filme que traz temas que ainda são muito sobre o pretérito, mas que são temas que são também sobre o nosso presente e o nosso horizonte”, acrescentou.
Para a diretora da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme também teve o poder de resgatar o orgulho brasílico e aquele clima de torcida, com as pessoas comemorando uma vez que se fosse uma vitória da seleção brasileira em Despensa do Mundo.
“Essas indicações provocaram essa emoção toda e a gente vê a cultura e o cinema nesse lugar do esporte, que tem muito esse lugar da torcida. O filme conquistou esse lugar de orgulho, ainda mais por tudo o que o Brasil passou recentemente, com as perseguições contra o cinema e a cultura brasileira. Agora vemos o cinema transpor desse lugar e ir para um lugar onde as pessoas têm orgulho. É muito bonito a gente colocar a nossa cultura, o nosso cinema, nesse lugar também”.
Indicado
Ainda Estou Cá é um filme fundamentado em uma autobiografia, de mesmo nome, escrita por Marcelo Rubens Paiva. A trama retrata o desaparecimento do político Rubens Paiva, pai de Marcelo Rubens Paiva, durante a ditadura militar brasileira.
O foco da trama é Eunice Paiva. Casada com Rubens Paiva e mãe de cinco filhos, ela passou a criá-los sozinha quando, em 1971, o marido foi recluso, torturado e assassinado por agentes da ditadura.
Na manhã desta quinta-feira (23), o filme recebeu três indicações. A primeira delas foi ao Oscar de melhor filme estrangeiro, repetindo o feito de O Pagador de Promessas (1963), O Quatrilho (1996), O que é Isso, Companheiro? (1998) e Meão do Brasil (1999). Neste ano, o filme concorre com A Pequena da Agulha (Dinamarca), Emilia Pérez (França), A Semente do Fruto Sagrado (Alemanha) e Flow (Letônia).
Na indicação de melhor atriz, Fernanda Torres concorre com Cynthia Erivo, Karla Sofía Gascón, Mikey Madison e Demi Moore. Já na categoria de melhor filme, os concorrentes são Anora, O Brutalista, Um Completo Incógnito, Conclave, Duna: Segmento 2, Emilia Pérez, Nickel Boys, A Substância e Wicked.
“Agora, tudo é guerra. Em filme internacional, Emilia Pérez é o franco predilecto. Teve 13 indicações, quase um recorde universal – e um recorde para filmes estrangeiros. Logo é meio complicado enfrentar esse nepotismo. Tem uma reação contrária a leste filme pela comunidade LGBT e dos mexicanos, o que pode nos proporcionar se o negócio permanecer muito grande. Mas é difícil mensurar isso”, explicou o crítico Chico Fireman.
“Em melhor atriz, a Demi Moore tem uma narrativa de comeback muito potente e o filme é popular mas, ao mesmo tempo, estar num body horror (A Substância) não deixa o caminho tão fácil assim. Nisso, a Fernanda, uma tradução mais clássica, sóbria, unanimemente elogiada, pode surpreender. Mas é raríssimo suceder um prêmio para uma estrangeira nesta categoria. Foram exclusivamente duas em 97 anos de Oscar. Em melhor filme, a indicação acho que já é um grande prêmio. Mas, enfim, agora é uma novidade votação. As coisas ficam meio zeradas”, acrescentou.
Para Renata de Almeida, o filme tem chances de ocupar o primeiro Oscar brasílico.
“Se está aí concorrendo é porque tem chance. Acho que tem chance uma vez que filme estrangeiro. Na categoria de melhor filme, acho que é mais difícil. Mas a Fernanda também tem chance. Ela está fantástica no filme, e outrossim, ela tem esse carisma todo. E eles estão se dedicando muito, muito, para a promoção do filme [no exterior]. Mas eu acho que a gente já tem que comemorar desde hoje porque eles fizeram um filme lindo”.
*Colaborou Eduardo Correia