Em sua 38ª edição, o Cinema Ritrovato começa neste sábado (22) um tanto caótico. Tendo estabelecido o método de suplente antecipada nos filmes, em vista do número cada vez maior de interessados, o festival em Bolonha, na Itália, ressente-se de alguma desorganização.
Alguma, mas importante —uma segmento das reservas feitas perdeu-se nos computadores da empresa Boxer Ticket, responsável por elas. Obviamente, a grita foi grande e o pasmo da organização maior ainda —mesmo no escritório do festival não se obtinha informação sobre o sorte das reservas perdidas, maneiras e esperanças de os técnicos recuperarem o material.
O setor artístico, no entanto, continua possante. Da Itália vêm alguns filmes que ajudaram a gerar a glória do cinema italiano na era muda, porquê “Sangue d’Eroi”, feito em 2014 por Matteo Pavesi. Da era fascista virá “Quo Vadis”, de 1923, codirigido por Gabriellino D’Annunzio e Georg Jacoby. Gabriellino era fruto do plumitivo fascista Gabriele D’Annunzio e durante um período pequeno trabalhou no cinema italiano, cá, aliás, uma grande coprodução com a Alemanha, com Emil Jannings no papel principal.
O eixo de Hollywood e Europa será defendido por nomes centrais: Marlene Dietrich e Anatole Litvak. A estrela alemã aparece em “Moca Electric”, um mudo de 1927 de Gustav Uciky. Importa cá pela oportunidade de ver Dietrich antes de se tornar o mito que se tornou pela parceria com Josef von Sternberg.
O que se segue —de “Criancinha Azul”, de Sternberg, de 1932, a “Testemunha de Arguição”, de Billy Wilder, de 1957 —são filmes entre ótimos e excelentes, porém já muito conhecidos. Resta a oportunidade, para muitos cinéfilos, de vê-los em tela grande.
Anatole Litvak é o mistério da temporada. O ucraniano com vasta curso americana tem por filme mais famoso o meloso “Anastasia”, que passará no festival. Mas virão também filmes que fez na França, antes de se instalar em Hollywood, e trabalhos nos EUA.
Será preciso ver para crer que Litvak é mesmo um cineasta à profundidade dos que já foram objeto de retrospectivas no Ritrovato. Em todo caso, há “Coeur de Lilas” e “L’Equipage”, dois filmes feitos na França, antes de ir para os EUA e que despertam curiosidade.
Da Suécia vem o clássico integral do cinema mudo, “A Saga de Gosta Berling”, de 1923, que motivou o invitação para o diretor Mauritz Stiller ir a Hollywood, contratado pela Metro. Consta que a recém-descoberta Greta Garbo foi porquê contrapeso exigido por Stiller.
O que veio depois, sabe-se: Garbo tornou-se Garbo, a maior estrela talvez de todo o cinema, e Stiller nunca filmou um metro de negativo nos EUA. Para completar, será exibido “O Vento”, de 1927, de Victor Sjostrom, também sueco, também um clássico imenso, mas que emplacou em Hollywood.
Do Japão virá nascente ano uma versão restaurada de “Tóquio Violenta”, de 1966, clássico de Seijun Suzuki, um Ozu da era silenciosa, “Eu Nasci, Mas…”, de 1932, e mais uma série de filmes de Kosaku Yamashita, profissional em filmes de gangues criminais da geração do pós-guerra. Pouco espargido no Brasil, sem grande portfólio crítico internacional, pode ser um cineasta a deslindar.
Entre os salteados, destaque para alguns restauros recentes que chegam dos EUA: “Carrie, a Estranha”, de Brian de Palma, de 1976, e “Intriga Internacional”, de 1959, de Alfred Hitchcock. Dois filmes maiores, sem incerteza. Mas cá também vale sobresair alguns franceses, porquê “Surcouf”, de 1924, com Antonin Artaud, “Pension Mimosas”, de Jacques Feyder, de 1935 e, sobretudo, “Pepé Le Moko”, de Julien Duvivier, de 1937.
O ano de 1924 é muito representado pela Alemanha, mais precisamente por “O Último Varão”, de F.W. Murnau, filme que ensinou o mundo a movimentar a câmera e mudou a rosto do cinema. Também de lá chega “Ordet”, de Gustav Molander, de 1943, que precede em 12 anos o clássico integral de Carl Dreyer.
Faltou manifestar que talvez o principal evento do festival, um restauro do clássico “Napoleão” de Abel Gance será exibido exclusivamente uma vez e somente a primeira segmento.
Na verdade, o 38º Cinema Ritrovato ressente-se de alguma coisa que dê unidade às propostas dos vários organizadores. O problema vem desde a morte de seu diretor artístico, Peter van Bagh, ocorrida em 2014.
O número de salas cresce —são duas acrescentadas nos últimos anos—, o de público cresce ainda mais e exige um maior número de filmes e sessões. São problemas que vêm junto com a credibilidade do festival da Cinemateca de Bolonha.
Já o caos criado pela empresa encarregada de fazer as reservas é um golpe pesado na credibilidade da organização do festival.