A Cinemateca Brasileira concluiu recentemente a restauração de dois documentários que retratam segmento da história sindical do país, “Greve” (1979), de João Batista Andrade, e “A Luta do Povo” (1980), de Renato Tapajós.
Os filmes, médias metragens, acompanham a greve dos metalúrgicos do ABC, em 1979, liderada pelo logo sindicalista Lula, em plena ditadura militar. Nos anos de chumbo, foram exibidos clandestinamente pelo movimento operário, e, por esta razão, as matrizes estavam danificadas, segundo a Cinemateca.
A recuperação das obras, realizada a partir das matrizes em película 16 mm, foi provável graças a uma parceria com a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. A Cinemateca sugeriu títulos, e a instituição escolheu dois a serem restaurados, levando em consideração a relevância histórica e a urgência de preservação dos filmes.
O repto foi grande e contou com a consultoria técnica do cineasta e diretor de retrato Lauro Escorel. “Esses não eram filmes de indústria, têm instabilidade nas imagens pela forma porquê foram feitos. E não havia muitas cópias para fazer a verificação”, diz Gabriela Queiroz, diretora técnica da Cinemateca.
No restauro, a limpeza do filme é feita frame a frame, e obras de referência são pesquisadas. Muitas vezes, cópias encontradas até no exterior ajudam na recuperação. “Quanto mais materiais para confrontar, mais fácil fica o trabalho”, afirma Gabriela. Nestas duas obras, o processo envolveu pesquisa, estudo de materiais, escaneamento e marcação de luz.
Agora, os documentários vão integrar uma mostra em fevereiro de 2025, na Cinemateca, que reunirá filmes da América Latina restaurados, uma parceria da instituição brasileira com seus pares do México, de Bogotá, na Colômbia, do Peru e da República Dominicana.
Vocação da Cinemateca
O término das duas restaurações representa mais um passo da Cinemateca na retomada de uma de suas vocações. Seu laboratório de imagem e som foi criado em 1977 para restaurar o ror da instituição. “Os primeiros a passar pela recuperação foram ‘Rio, 40 Graus’ (1955) e ‘Agulha no Palheiro’ (1953), que estavam à extremo da morte”, conta Gabriela.
Nos anos 2000, com a chegada do cinema do dedo, laboratórios parceiros da Cinemateca passaram a recontar com núcleos digitais, e foi proveniente que a instituição também desenvolvesse projetos nessa plataforma. Um dos primeiros incluiu obras de Glauber Rocha.
A crise iniciada em 2013 interrompeu os trabalhos de restauração, retomados em 2022. “Inicialmente, tivemos de contabilizar os prejuízos dos anos parados. Tínhamos, por exemplo, um scanner quebrado. Neste primeiro ano de recomeço, fizemos o restauro de cinco curtas dirigidos por Claude Levi-Strauss”, afirma a diretora técnica.
De lá para cá, foram recuperadas obras que completavam 50 anos, para integrar mostra da Cinemateca, “Também Somos Irmãos” (1949), dirigido por José Carlos Burle e estrelado por Grande Otelo, e “Mulher de Verdade” (1954), de Alberto Cavalcanti, nascente último por meio de prêmio do Festival de Locarno, na Suíça , talhado à restauração de obras cinematográficas.
Também foi concluída a catalogação e digitalização de 1.785 filmes raros, produzidos entre as décadas de 1900 e 1950, alguns os mais antigos da cinematografia do país
Parcerias para restaurar
Historicamente, diz Gabriela, a Cinemateca sempre buscou parcerias para realizar as restaurações, seja com herdeiros, empresas e outras instituições, porquê no caso de Locarno e dos longas recuperados com a ajuda de Stanford. “A Cinemateca nunca será autossuficiente”, afirma.
Não que esta asserção revele um problema. “As parcerias são saudáveis. Elas possibilitam troca técnica e a chancela de mais de uma instituição e mobilizam outros setores da Cinemateca, porquê as áreas de pesquisa e espalhamento. O legado é a obra restaurada e uma equipe formada”, diz a diretora técnica.
Nos anos 2000, a digitalização criou uma geração de técnicos, conta. “Em dez anos de crise, perdemos outra. Hoje, estamos sempre começando do zero, pois há dificuldade de encontrar profissionais.”
Para o ano que vem, a perspectiva é manter o ritmo de restauros, assim porquê de todo o trabalho da Cinemateca desde o retorno das atividades, em 2022. “Tomamos a decisão de que todas as áreas seriam retomadas, pesquisa, espalhamento e preservação. Foi uma aposta certa. Todas estão trabalhando e o público está vindo para a Cinemateca”, finaliza Gabriela.
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