Claudia andujar tem mostras sobre seu ativismo na ditadura

Claudia Andujar tem mostras sobre seu ativismo na ditadura – 06/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Em 1972, Claudia Andujar teve uma epifania. À era, a fotógrafa navegava entre o Pará e o Amapá quando percebeu na natureza uma conexão com o divino. Ao olhar em volta, sentiu que Deus estava nas águas do rio Jari e na vegetação da floresta Amazônica.

Essa experiência metafísica deu origem à série “Flora”, projeto em que fotografou as paisagens do bioma durante dois anos. Agora, secção desse trabalho está exposto na Morada Seva, localizada nos Jardins, na capital paulista.

A mostra leva ao público um conjunto de dez imagens pouco conhecidas da fotógrafa, nascida na Suíça e naturalizada brasileira. “Nessas fotos, a gente vê a linguagem dela, que é muito artística e cinematográfica”, diz Ana Carolina Ralston, curadora da exposição.

Essas características podem ser observadas em um tríptico em que Andujar registrou a vegetal mourera áspera em diferentes ângulos. É uma vez que se as três imagens formassem um fotograma, criando a sensação de movimento. “A gente vê a vontade dela de produzir uma experiência, o que era uma coisa muito rara no fotojornalismo.”

Na exposição, esse libido ganha materialidade em uma sala onde imagens da Catarata de Santo Antônio foram projetadas sobre cortinas. O movimento sinuoso dos tecidos cria um envolvente um tanto etéreo, quase uma vez que se estivéssemos num sonho. Aliás, aspectos oníricos permeiam muitos dos trabalhos de Andujar.

Na exposição, isso se faz sentir em obras em que ela promoveu experimentações cromáticas. Em algumas delas, a fotógrafa usou filtros que alteraram a cor da ramaria, transformando em rosa o que era virente. São intervenções que atribuem um caráter lisérgico às fotografias.

“Mudar a cor da veras era muito característico dela desde o início. É uma vez que se colocasse óculos coloridos para ver a veras”, diz Ralston, acrescentando que Andujar desempenha papel fundamental na arte brasileira.

“Ela é revolucionária por ter trabalhado com essa promiscuidade de arte e sustentabilidade. Tudo isso com um toque de jornalismo, ativismo e denúncia.”

Durante o regime militar, Andujar voltou as lentes para os yanomami, povo indígena ainda hoje mira de ataques. “A Cláudia foi uma das primeiras a conseguir fazer denúncias pela formosura de suas imagens. A gente pode denunciar mostrando a tragédia, o que é importante, mas é verosímil fazer isso também por meio da poética.”

Entre 1981 e 1983, ela registrou essa população durante uma expedição para levar assistência médica à comunidade. À era, eles estavam ameaçados por epidemias causadas pelo mina proibido e pela construção da Transamazônica.

O resultado desse projeto foi a série “Marcados”, um de seus trabalhos mais emblemáticos. Nas fotografias, vemos os indígenas segurando placas numeradas, daí o nome da série.

Outro projeto importante é “Sonhos Yanomami”, em que registrou esse povo durante a realização de rituais. Nas imagens, a artista fez sobreposições que dão ares oníricos e espirituais às obras. Porquê ela já disse em entrevistas, é uma visão “mais interna dos pensamentos deles”.

Essa série compõe outra mostra sobre a artista, em edital na Pinacoteca do Ceará, em Fortaleza. “Claudia Andujar: Minha Vida em Dois Mundos” traz 200 obras que evidenciam a versatilidade de estilos e temáticas de seu trabalho.

A mostra apresenta, por exemplo, fotografias de caráter mais etnográfico, a exemplo do projeto “Famílias Brasileiras”. Para esse experimento, ela morou com diferentes núcleos familiares em São Paulo, Minas e Bahia para conquistar suas rotinas. Já em “Trem Baiano”, registrou migrantes enviados de volta para suas terras natais pelo Departamento de Imigração e Colonização de São Paulo.

Curador da mostra, Eduardo Brandão diz que a retrato de Andujar era voltada ao ativismo e para a valorização do ser humano. Essa atuação, inclusive, incomodou o regime militar, motivo pelo qual ela foi enquadrada na lei de segurança pátrio e expulsa do território yanomami.

“Quando acabou o regime militar, o extrativismo e o esquecimento daquela cultura continuaram. Ela deixa muito evidente que essa violência não aconteceu só no contexto da ditadura.”

Já na série “A Sônia”, a artista aposta numa linguagem mais experimental para retratar as formas do corpo feminino. “O interessante para mim foi mostrar a complicação do trabalho dela”, diz Brandão. “Queria patentear não só o lado ativista, mas o trabalho de uma fotógrafa experimental. A Claudia é uma criadora de linguagens.”

Folha

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