A peça “Magma-Jagunço”, encenada pelo Grupo Tablado SP e dirigida por Clayton Mariano, é uma obra que se destaca pela ousadia estética e pela forma porquê aborda temas complexos e enraizados na cultura e na história brasileira. A montagem mergulha em questões porquê violência, identidade pátrio e estruturas de poder, utilizando uma linguagem cênica que promiscuidade elementos do teatro físico, da performance e da dramaturgia contemporânea.
O título da peça sugere uma dualidade: “Magma”, que remete a alguma coisa primordial, em ebulição, em uniforme transformação, e “Jagunço”, termo que evoca figuras históricas e literárias associadas à violência e ao sertão brasiliano, porquê os personagens de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, ou mesmo os cangaceiros do Nordeste. O texto parece dialogar com essa tradição, mas ao mesmo tempo a subverte, trazendo-a para um envolvente contemporâneo e universal.
Mariano, divulgado por seu trabalho experimental e engajado, imprime em “Magma-Jagunço” uma direção que valoriza a fisicalidade dos atores e a geração de imagens potentes no palco. A encenação é marcada por um ritmo intenso, quase febril, que reflete o próprio tema da obra. O uso do corpo porquê instrumento narrativo é notável, com os atores transitando entre personagens e situações de forma fluida, quase coreográfica.
Uma das grandes virtudes do espetáculo é sua capacidade de provocar o testemunha, levantando uma discussão sobre as raízes da violência e da desigualdade no Brasil. A peça não oferece respostas prontas, mas sim questionamentos incômodos. Outro ponto que merece atenção é o risco de romantização da figura do jagunço, que, apesar de ser uma metáfora poderosa, pode findar sendo interpretada de forma simplista, porquê um símbolo de resistência sem nuances. O diretor, no entanto, parece consciente desse risco, buscando complexificar a figura e mostrando suas contradições e ambiguidades.
Três perguntas para…
…Clayton Mariano
O teatro político do grupo Tablado SP — que tem as peças “Mateus,10”, “Desinteresse” e “Verdade”— encontrou um espaço bastante adequado para a estreia, o TUSP, cuja sala fica em um porão. A escolha da sala foi propositado ou uma causalidade?
Para essa peça, mormente a escolha foi bastante propositado. Por mais de uma razão. A primeira é que o TUSP tem essa sala, no porão, que poderia ser usada integralmente, e por conta da própria arquitetura se assemelha a teoria de um estúdio de cinema. Portanto é quase um site-specific. O espaço é por si só secção da cenografia.
A segunda razão é o valor histórico deste prédio. Trata-se de um lugar que se tornou símbolo da resistência à ditadura, por conta da guerra ocorrida em 1968 entre os estudantes e os agentes de vexação. Nesse sentido, o espaço está muito conectado com nossas peças que apesar de falarem de questões políticas atuais, entende que muito das questões que estamos passando tem origem justamente nesse regime de exceção.
Me pareceu em alguns momentos da peça que havia uma certa improvisação na atuação dos atores, em peculiar no diálogo entre André Capuano e Vinícius Meloni no segundo ato. Isso aconteceu ou estava tudo no texto? Há espaço para improvisos no seus espetáculos?
Pelo muito e pelo mal tudo que é dito na peça, foi escrito. Faz secção do texto. O que não significa que os atores não improvisam. Há sim bastante coisa improvisada, na forma de manifestar o texto, nas transições de cenas e há evidente os famosos cacos dos atores. Nessa cena específica que você cita, aquilo é texto, tem muito improviso no jeito de atuar esses textos e eu tento dar liberdade completa para os atores, para criarem em cima disso.
Acho bacana poder manifestar que nos nossos trabalhos, de maneira universal, a estreia nunca é o ponto de chegada da peça. O teatro que a gente procura não segue muito a lógica de um resultado feito, pronto para o consumo. A estreia, nesse caso, é mais uma lanço da pesquisa de linguagem, tanto de dramaturgia, quanto de atuação, encenação, etc. Uma lanço onde o público passa a fazer secção da pesquisa.
A peça está mudando bastante a cada dia. Nesse sentido, incentivo os atores a testar coisas novas a cada apresentação, enfim é a oportunidade que temos para radicalizar a pesquisa. Infelizmente, o teatro e as artes em universal têm tido cada vez menos espaço para esse tipo de experimentação, o que considero uma pena, pois sem isso as artes tendem a uma padronização pasteurizada, meramente funcional.
Você enxerga o teatro engajado porquê sendo o “santo guerreiro” e único meio capaz de enfrentar o “dragão da malvadeza” do agronegócio? O teatro ainda é uma instrumento de transformação social?
Sendo honesto, eu não acredito que o teatro — ou mesmo as artes em universal — seja capaz de enfrentar zero hoje em dia. Muito menos a indústria cultural do agronegócio, que é uma das maiores do país. Isso porque o agronegócio é de indumento detentor de todos os meios para implantar sua cultura, sua propaganda, melhor dizendo. Esses recursos a arte e os artistas nunca sonharam em ter.
Também acho particularmente uma embuste pensar na arte enquanto instrumento direta de transformação social. Na maioria dos casos isso acaba gerando uma arte menor, instrumentalizada. Salvo em raríssimas exceções e contextos muito particulares, a teoria da arte porquê uma instrumento de qualquer coisa, seja de transformação social, seja pedagógica, seja de propaganda, tende a reduzi-la. A teoria de arte porquê puro ativismo me parece uma embuste ainda mais perigosa.
Acredito que há muita coisa a ser inventada no campo da linguagem e, sobretudo no teatro, há espaço para que novas formas de dramaturgia, encenação e atuação surjam. Mas para isso é necessário que a arte tenha espaço para experimentações e não esteja presa nem aos modismos, nem à instrumentalização, seja ela de que ordem for.
Essa é uma diferença radical entre a arte engajada das décadas de 1960 e 1970 e a nossa, sobretudo se pensarmos em Glauber [Rocha], [Rogério] Sganzerla, enfim nos grandes artistas dessa geração. Era impensável falar de revolução (política), sem pensar também em uma poética revolucionária. Por isso o Glauber praticamente se reinventava a cada filme. O mesmo vale para [Hélio] Oiticica, Teatro Oficina, Teatro de Estádio, Eduardo Coutinho, a música, a literatura, etc. Havia um uniforme questionamento da própria linguagem. Acho que essa é a única transformação que a arte pode reivindicar para si.
TUSP Maria Antonia – r. Maria Antônia, 294 e 258, Vila Buarque, região mediano. Qui. a sáb., às 20h. Dom., 18h. Até 23/2. Ingressos: gratuitos, retirada na bilheteria com 1 hora de antecedência. Duração: 120 min. Classificação Livre