De um lado, grandes clubes do futebol brasílico, uma vez que Palmeiras e Vitória. Do outro, boleiras, artesãos e pequenos comerciantes que trabalham com personalização de doces e objetos.
Os microempreendedores são intuito de uma ofensiva de times de futebol por usarem o símbolo dos clubes sem autorização. Os grandes do futebol cobraram indenizações de até R$ 2.000. Caso não pagassem, poderiam ser processados e até terem sua principal vitrine, as redes sociais, derrubadas.
Trabalhando em mansão, Natália Cristine Dias, de 26 anos, recebe diariamente pedidos de personalização. São pessoas que desejam provar sua assombro, paixão e paixão pelo time de coração em alguns objetos, que vão desde topos de bolos a canecas e bonés.
Há dois meses, no entanto, ela recebeu uma missiva da empresa Nofake, que se dizia representante do Palmeiras, cobrando uma indenização de R$ 1.800. O motivo é que Natália vendia por R$ 28 uma caneca com o símbolo de um dos maiores clubes da capital paulista, sem autorização.
Inicialmente, segundo ela, os representantes da empresa perguntaram se ela vendia o resultado personalizado. Ela achou suspeito e, tempos depois, recebeu a notificação extrajudicial pedindo indenização com um prazo de 48 horas para resposta.
Além do valor, permanecer sem as redes sociais para promover seu trabalho poderia valer o termo da risco para a microempresária individual, que trabalha para fabricar os dois filhos com o marido.
“Apaguei a postagem na hora, entrei em contato com eles por e-mail e realizei o pagamento, em quatro vezes de R$ 450. Depois disso, não falaram mais zero. Por um momento, cheguei a encontrar que fosse golpe, mas vi na internet relatos de várias confeiteiras contando o mesmo, portanto achei melhor remunerar para não ter mais problema”, conta.
“Achei desproporcional pelo que eles ganham por desculpa de uma caneca. Para eu remunerar esse valor contraditório de R$ 1.800, eu teria que vender sei lá quantas canecas. É muito quantia para fazer isso com as confeiteiras e artesãs. É triste”.
“Sou MEI e trabalho em mansão para sustentar os meus dois filhos. Fazer personalizados foi a forma que encontrei para sustentá-los. (A proibição dos times) acaba dificultando nosso trabalho, nosso ganha-pão”, diz Natália.
Procurado, o Palmeiras informou por meio de nota que suas marcas são registradas e que “conta com uma superfície destinada ao combate à pirataria, da qual fazem segmento empresas especializadas em identificar produtos e serviços comercializados sem a devida autorização do clube”.
Questionado, o clube não informou quantas notificações foram emitidas por uso indevido de sua marca nem quanto arrecadou com essa ação.
A Nofake foi procurada para comentar nascente e outros casos citados na reportagem, mas não respondeu até a publicação deste texto.
A reportagem identificou dezenas de casos semelhantes nas redes sociais, envolvendo principalmente times de futebol. A maioria das reclamações são feitas contra boleiras ou artesãos que disseram ter usado a imagem do clube a pedido de fãs para fazer homenagens ao time do coração, seja num bolo de natalício ou outro item para comemorar uma data próprio.
A artesã Patrícia França foi multada em R$ 1.600 por usar o escudo do Vitória em itens para uma sarau de natalício. Depois a repercussão do caso, o clube informou que reformularia suas diretrizes e que passaria a pedir indenização somente de grandes empresas que usarem o emblema do clube sem autorização.
As “novas diretrizes” do clube preveem que os microempreendedores serão somente notificados.
A reportagem procurou o Vitória para comentar o caso, mas não obteve um retorno até a publicação desta reportagem.
Proteção de parceiros
Clubes ouvidos pela BBC News Brasil disseram que essa ofensiva contra os pequenos comerciantes visa proteger as empresas que possuem contratos de licenciamento com os times. O argumento é o de que os torcedores desistem de comprar os produtos originais, caso saibam que existem no mercado réplicas por um preço menor.
Clubes também disseram que o contrato com a Nofake está sendo medido depois dois sócios da empresa serem presos investigados por roubo, lavagem de quantia e organização.
A Nofake também não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre esse caso.
A advogada Luiza Wanderley, pós-graduada em recta do dedo pela Instauração Getúlio Vargas, diz que a logomarca e toda a propriedade intelectual dos times de futebol não são protegidos somente pelo Inpi (Instituto Pátrio da Propriedade Industrial), mas também pela Lei Pelé, específica para o futebol.
No entanto, ela afirma que é necessário calcular a proporcionalidade dessa ação quando se trata de pequenos comerciantes.
“Os clubes têm esse recta de notificar o uso indevido da marca. Mas a gente tem que usar o primeiro princípio da proporcionalidade. É razoável você notificar um bolo do seu próprio torcedor? É praticamente uma homenagem. Você usar essa proteção de modo razoável também é uma construção de marca”, diz.
“Essa é uma relação que você quer ter com o seu consumidor? Apesar de eles (clubes) terem o recta de notificar e irem detrás de quem está usando indevidamente a marca, é também uma questão de boa-fé e construção dessa marca”, afirma a advogada.
Luiza afirma que, além da Nofake, há outros escritórios que fazem ofensivas em procura de pessoas e empresas que usam marcas de maneira indevida. A finalidade dessa operação, segundo ela explica, é o combate à pirataria de acessórios, camisetas, bolas e outros itens fabricados com o logo dos times sem autorização.
Para a advogada, no entanto, notificar confeiteiras e pequenos empreendedores, foge da finalidade dessas operações.
“Embora eles (clubes) tenham todo o recta de identificar e proteger a marca deles, seria interessante que eles fizessem isso para reprimir a pirataria e não o próprio torcedor que deseja comprar o bolo uma vez que uma homenagem”, afirma Luiza Wanderley.
Ageu Camargo, jurisconsulto profissional em recta social e empresarial, afirma que esses casos envolvem diversas áreas jurídicas.
“Ela acaba passando um pouco por recta social, recta do consumidor e um pouco por recta empresarial. O motivo dessas ofensivas por segmento clubes é evitar a geração de precedentes”, diz.
Ageu Camargo diz que os pequenos comerciantes não causam um grande prejuízo ao clube, mas evita que os casos aumentem até que virem uma globo de neve “e grandes produtores comecem a vender, por exemplo, em plataformas online”.
“Isso, sim, causaria prejuízo porque o cliente deixaria de comprar o original. Só que a própria lei diz que existe uma liberdade de sentença. Uma paródia ou homenagem, por exemplo, é uma livre sintoma de pensamento”, explica o jurisconsulto.
Bolo sem time
Segundo a mercante Natália Cristine Dias, o impacto do veto aos brasões de times de futebol causou uma queda nas vendas. Segundo ela, isso ocorre porque principalmente as crianças têm uma preferência por festas com temática dos clubes do coração.
Ela estima que a queda nas vendas causada pela proibição foi de muro de 30%. A saída foi produzir artigos que lembrem, mas não mencionem os times.
“Faço alguma coisa que lembre o time, uma vez que uma camiseta verdejante e branca ou o mascote, uma vez que um porco. Mas não faço mais zero com o brasão”, conta.
A advogada Luiza Wanderley diz que o uso indevido de marca pode ter duas consequências legais.
A primeira delas é o transgressão de concorrência desleal. Caso o clube interprete dessa forma, ele deve registrar um boletim de ocorrência para a polícia investigar esse tipo de transgressão.
Luiza, no entanto, diz que não conhece nenhum clube que tenha tomado essa medida na superfície criminal.
“O que eles normalmente vão detrás é na superfície cível. Entram com uma ação judicial por perdas e danos”, diz.
A intenção é solicitar na Justiça o valor que eles costumam combinar em contratos de licenciamento de marca. Alguns deles partem dos milhares de reais, mas podem chegar à zero de milhões.
A advogada diz que não tem conhecimento de decisões de processos relacionados a confeiteiras. No entanto, ela afirma que a Justiça entende ter um uso indevido de marca quando a empresa fabrica camisetas, canecas e bolas de futebol em larga graduação.
Por esse motivo, Luiza Wanderley afirma que a Justiça deve considerar a proporcionalidade do caso. Se o uso indevido foi cometido por um pequeno empreendedor, ele pode não ter condições de arcar com a indenização e até falir.
Uma doceira entrevistada pela BBC News Brasil notificada por fazer um bolo sem autorização disse que adotou uma tática para evitar novos pedidos de indenização.
“Continuo fazendo bolo de time. A diferença é que agora eu não anuncio nem posto nas redes sociais”, diz sorrindo.
Nascente texto foi publicado originalmente cá.