Leitora insaciável desde a juventude, a escritora, cordelista e poeta Jarid Arraes quis ir além da leitura e da escrita em sua relação com os livros. O libido de compartilhar seu interesse pela literatura de horror foi o que a levou, no início deste ano, a fundar o Encruzilhada, um clube de leitura devotado a discutir os mais diversos aspectos que uma boa história de terror pode abordar.
“Queria mostrar para as pessoas que muitas questões complexas, questões sociais e discussões sobre a nossa existência, foram representadas na literatura de horror. Logo, criei o clube para me aproximar de outras pessoas que também gostam de horror, mas não só. No clube existem muitas pessoas que até portanto nunca tinham lido zero de horror”.
Nascida em Juazeiro do Setentrião, no Ceará, a autora de Sorvedouro em dia quente, Heroínas Negras Brasileiras em 15 cordéis e Corpo dissoluto compartilha que o cordel, a escola e a internet foram importantes para o seu chegada à literatura. “Fui usando a internet para ter mais chegada, porque na minha cidade não tinha livraria onde eu pudesse comprar livros”.
Os clubes de leitura, para a escritora, são importantes porque criam comunidades de leitores que conseguem ampliar o seu alcance e atrair novas pessoas. Isso porque quem não se interessa na mesma medida pela leitura, ao ver pessoas conhecidas participando de reuniões com outros leitores, pode se interessar e querer fazer segmento. “Para mim, portanto, a coisa mais importante dos clubes de leitura é o fator da comunidade”, afirma.
Clubes de leitura
Segundo a professora do Departamento de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Marcia Lisbôa Costa de Oliveira, os clubes são historicamente espaços de encontro. Eles ocorrem de forma coletiva e dialógica, mesmo quando são organizados por instituições públicas ou privadas.
“Os clubes de leitura podem aproximar dos livros aqueles que atualmente se posicionam porquê não-leitores. Ler com um grupo que se reúne a partir de certas afinidades é um grande fomento também ao desenvolvimento de uma postura sátira diante dos textos e do mundo, pelo contato com diferentes conhecimentos e múltiplos pontos de vista”, ressalta.
Um exemplo é o Clube de Leitura do Meio Cultural do Banco do Brasil (CCBB), no Rio de Janeiro. O clube, criado durante a pandemia, começou com um pequeno grupo de leitores em 2022. No ano seguinte, de concordância com informações do CCBB, a quantidade de público cresceu 163%, chegando a 1.243 pessoas. Entre março e novembro deste ano, foram aproximadamente 1.100 pessoas participando dos encontros.
As reuniões ocorrem com mediação e curadoria de Suzana Vargas, autora de Leitura: Uma Aprendizagem de Prazer, que ressalta o potencial dos encontros porquê atividade cultural.
“O objetivo é despertar as pessoas para o prazer da leitura. Sempre defendi a tese que não importa o suporte da leitura, o importante é que o leitor perceba que ler é prazeroso, que ler é uma questão de formação e aprendizagem”, destaca.
Ao longo de 2024, vários escritores passaram pelo CCBB, sendo os últimos autores Itamar Vieira Junior, de Torto Arado, Salvar o Incêndio e Doramar ou a odisseia: Histórias;, Jefferson Tenório, de Estela sem Deus, O Avesso da Pele e De onde eles vêm; e Frei Betto, de Jesus militante: Evangelho e projeto político no Reino de Deus e Jesus rebelde: Mateus, o Evangelho da ruptura.
“Acredito muito na leitura porquê prazer, portanto, quando colocamos a leitura no CCBB, tanto na forma de roda de leitura porquê na forma de clube, estamos colocando a leitura porquê forma de lazer dentro de um meio cultural”, destaca Vargas.
Desafios
Conforme a 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o país teve uma redução de 6,7 milhões de leitores. Divulgado em 2024, o levantamento realizado pelo Instituto Pró-Livro também trouxe que a proporção de não-leitores foi maior que a de leitores, pela primeira vez na série histórica. Nos três meses anteriores à pesquisa, 53% das pessoas não leram nem segmento de um livro — seja impresso ou do dedo — de qualquer gênero, incluindo livros didáticos e religiosos. Considerando unicamente livros inteiros lidos no mesmo período, o percentual foi de 27%.
Um dos principais desafios para a formação de leitores, segundo Jarrid Arraes, é justamente o chegada ao livro. “É conseguirmos transformar a literatura em um tanto interessante e conseguível para todas as pessoas, porque muitas têm teoria que os livros e a literatura são coisas muito intelectuais, muito inalcançáveis e só pessoas de determinada classe podem se relacionar com a literatura”, diz. “Na verdade, acho que já temos muitos exemplos de pessoas que criam literatura que pode ser mais relacionável com as pessoas”, completa.
A cordelista enfatiza a premência de provar às pessoas que elas podem se identificar com a literatura, que também pode atuar porquê entretenimento e divertimento.
“Precisamos tirar a literatura de um pedestal e publicar mais pessoas com mais variedade, de diferentes regiões do Brasil e que escrevem de maneiras diferentes para subsistir uma democratização da literatura, começando pelo próprio mercado editorial. Se não conseguimos fazer com que a literatura seja geral e de todos no mercado editorial, porquê vamos conseguir fazer isso em sociedade?”.
Além da identificação com a literatura, Márcia Oliveira aponta para fatores socioeconômicos, ressaltando características do cotidiano da maioria dos brasileiros. De concordância com a professora, “quem trabalha muito, ganha pouco, passa horas no deslocamento entre lar e trabalho, tem pouco chegada à ensino de qualidade e a livros sem dispêndio ou a plebeu dispêndio, sejam impressos ou digitais, dificilmente se apropriará da leitura, quando sequer lhe sobra tempo para viver”.
Outro ponto relevante para Márcia é o chegada à renda: apesar de existirem clubes de leitura em espaços que não exigem a compra de livros ou o pagamento de mensalidades para participar, fazer segmento deles ainda demanda tempo dos leitores, nem sempre profuso.
“No Brasil, os livros sempre foram e ainda são para poucos. Erigir uma cultura de leitura poderia ser uma grande transformação, mas isso leva tempo. Precisamos de políticas de estado que fomentem o chegada à leitura e garantam a disponibilidade de materiais, para além da leitura escolar, assim porquê da mobilização da sociedade social organizada para tentar mudar o cenário atual, em que quase metade da população brasileira não tem o recta à leitura guardado”, avalia.
Segundo o 9º Quadro de Varejo de Livros no Brasil, produzido pelo Sindicato Vernáculo dos Editores de Livros (SNEL), o preço médio do livro no país subiu 12,20%, atingindo R$ 51,48. Em confrontação, o salário mínimo em 2024 é de R$ 1.412,00
Incentivo à leitura
A pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro em 208 municípios também trouxe dados sobre o consumo de livros com relação à identidade de gênero, idade e região. Os resultados indicam que maioria dos leitores corresponde ao gênero feminino (50,4%), sendo a filete etária de 11 a 13 anos a que mais lê (81%). Nesse ponto, o relatório aponta que livros didáticos também foram considerados para a investigação, podendo ser um dos motivos para a maior proporção de leitores com essa idade.
Quanto ao vista geográfico, a Região Sul apresentou a maior proporção de leitores (53%). Em seguida, surgem as regiões Setentrião (48%), Meio-Oeste (47%), Sudeste (46%) e Nordeste (43%), destacando-se com a menor quantidade.
“É difícil explicar essa diferença, tendo em vista a complicação dos fatores envolvidos, porém, é notória a disparidade entre as regiões brasileiras. Essa pode ser uma pista para o entendimento da distribuição entre leitores e não-leitores no Brasil. A Região Sul, em contraponto à Região Nordeste, apresenta um dos mais baixos índices de analfabetismo do país (3%) e tem a terceira maior renda per capita média do país”, observa Márcia.
Diante dos dados apresentados pela pesquisa, a professora reforça a premência de políticas de estado voltadas para o fomento à leitura, com foco, principalmente, na formação de professores, bibliotecários e agentes de leitura, além da valor de programas de implementação de bibliotecas públicas e de ampliação dos acervos literários em escolas. “Assim porquê espaços comunitários de diferentes perfis, além de campanhas de valorização da leitura porquê manancial de prazer e chegada a diferentes formas de conhecimento”.
Professora do Instituto de Letras da Universidade Federalista Fluminense (UFF), Ana Isabel Borges afirma que “qualquer atividade que aproxime as pessoas à leitura é positiva, sem incerteza”, incluindo os clubes de leitura. “Acredito que os clubes de leitura podem funcionar muito, se conseguirem reunir pessoas para conversar sobre o que estão lendo. Não basta informar ‘estou lendo isso’ ou ‘estou lendo aquilo’: é preciso trocar ideias”.
Em entrevista à reportagem, a pesquisadora traz que, para que o número de leitores no Brasil cresça e volte a ser superior à quantidade de não-leitores, é preciso oferecer melhores condições de vida, porquê jornadas de trabalho de, no sumo, oito horas diárias, salários que correspondam ao atual dispêndio de vida e “um pouco de segurança no porvir”, para diminuir os níveis de impaciência e estresse entre os brasileiros. “Sem ociosidade não existe leitura nem outro uso não ‘produtivo’ do tempo, é só trabalhar e dormir”, conclui.
*Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa