Quatrocentas milénio pessoas em 150 milénio veículos. Esse é o fluxo quotidiano que atravessa os 13 quilômetros da Ponte-Rio Niterói, que completa 50 anos de inauguração nesta segunda-feira (4). Já considerada a maior ponte do Hemisfério Sul e da América Latina, ela é um trecho da BR-101 e uma relação viária vital para o estado do Rio de Janeiro, encurtando o caminho que antes exigia contornar a Baía de Guanabara ou usar balsas.
O noção de uma ponte suspensa entre os dois municípios data de 1875, mas somente em 1963 foi criado um grupo de trabalho para estudar um projeto para a sua construção. Em 23 de agosto de 1968, o general Arthur Costa e Silva, logo presidente da ditadura militar, assinou decreto autorizando o projeto de sua construção. Apesar de sucessivas tentativas de mudança, até hoje é o ditador que dá o nome solene da Ponte Rio-Niterói, a Ponte Presidente Costa e Silva.
Marco da engenharia pátrio, a ponte tem o maior vão em viga reta contínua do mundo, o Vão Medial, com 300 metros de comprimento e 72 metros de profundeza. Outro número que impressiona é o totalidade de 1.152 vigas ao longo de sua estrutura.
O presidente do Clube de Engenharia, Marcio Girão, lembra que, antes de sua construção, para fazer a travessia entre Rio de Janeiro e Niterói, levava-se mais de duas horas de espera, e o transporte de veículos era feito em balsas. Ele destaca que a maior secção da ponte foi desenvolvida com engenharia pátrio.
“Na quadra, a Noronha Engenharia, sediada no Rio, é que preparou o projeto. Depois, várias empresas nacionais, em consórcio, construíram a ponte. Somente o vão medial, que tinha a estrutura metálica, teve o projeto contratado a uma empresa norte-americana. A gente não tinha muita experiência nessa superfície. Mas todo o resto da ponte, em concreto armado, foi todo feito pela engenharia brasileira.”
A firma Howard, Needles, Tammen and Bergendorf, dos Estados Unidos, projetou o trecho dos vãos principais em estrutura de aço, incluindo as fundações e os pilares. Os engenheiros responsáveis pelo projeto da ponte de concreto foram Antônio Alves de Noronha Rebento e Benjamin Ernani Diaz, enquanto o engenheiro responsável pela ponte de aço foi o americano James Graham.
Para Márcio Girão, a Ponte Rio-Niterói é uma realização importante da engenharia brasileira, que já foi uma das mais capazes do mundo. O presidente do Clube de Engenharia lamentou que a engenharia pátrio tenha derribado muito de 1980 para cá. “Houve uma devastação da engenharia pátrio, principalmente a engenharia consultiva, ou de projetos, por falta de políticas públicas. A engenharia brasileira precisa ser realavancada. A engenharia precisa voltar”, defende.
Trabalhadores mortos
A grandiosidade celebrada pela engenharia também envolveu desfechos trágicos para muitos trabalhadores responsáveis por ela. O professor emérito do Programa de Engenharia de Transportes do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da Universidade Federalista do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Ronaldo Balassiano, tem memórias da temporada final da construção.
Ainda jovem, Ronaldo Balassiano era calouro na universidade e tinha um professor que dava consultoria para a gigantesca obra.
“Ele contava para nós as coisas absurdas que aconteciam durante a construção. Era uma obra grande, pioneira para nós, cá no Brasil, em que muita gente morreu. Alguns trabalhadores morreram, inclusive concretados dentro desses pilares. É um vestimenta sabido. Nascente foi um ponto negativo da construção”, avalia Balassiano.
O presidente do Clube de Engenharia, Marcio Girão, também aponta o lado trágico da construção que teve oficialmente 33 mortes registradas. Mas as estimativas da quadra, não oficiais, alcançavam 400 óbitos, incluindo operários e engenheiros, conta ele. “A gente sabe que o registro solene sempre está aquém do real.”
AI-5
Para a professora do Departamento de História da Universidade Federalista Fluminense (UFF) Samantha Viz Quadrat, um ponto importante na construção da ponte é que ela começa com o Ato Institucional Número Cinco (AI-5) e termina com o início da transição no Brasil, em 1974. “Ela é construída ao longo do período com maior índice de violência da ditadura brasileira. A maior concentração de mortos e desaparecidos foi no discurso de toda a construção da ponte”, aponta.
Nesse período de maior violência, a historiadora conta que uma das formas de a ditadura recrutar aprovação popular foi por meio da construção de grandes obras, porquê a Ponte Rio-Niterói, a Usina Hidrelétrica de Itaipu e a Rodovia Transamazônica, que já eram uma taxa brasileira discutida desde o século 19.
“Elas são também obras de propaganda, dentro do contexto de um país que vai para a frente. O próprio Médici [ex-presidente da ditadura militar, de 1969 a 1974] fala que é a ponte do horizonte, que o Brasil já está dando perceptível. A ponte entra dentro desse contexto.”
O AI-5 foi elaborado em 13 de dezembro de 1968, pelo logo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, e entrou em vigor durante o governo do presidente Costa e Silva, em resposta a fatos anteriores, porquê uma passeata de mais de 100 milénio pessoas no Rio de Janeiro em protesto contra o homicídio do estudante Edson Luís de Lima Souto por um integrante da Polícia Militar. Esse foi o quinto de 17 grandes decretos emitidos pela ditadura militar nos anos que se seguiram ao golpe de Estado de 1964, e é considerado uma vitória dos militares mais radicais, que exigiam do governo poderes para varar opositores por meio de medidas porquê prisões, punição de dissidentes, suspensão de direitos políticos e cassação de mandatos.
Samantha lembra que esse foi um período de grande repressão, de increpação prévia aos órgãos de informação e perseguição aos movimentos operários e de trabalhadores.
“A obra é construída dentro desse quadro de violência, em que não se tinha porquê fazer denúncias sobre questões trabalhistas. As populações diretamente atingidas pela ponte não têm a quem recorrer É uma obra que, de vestimenta, vem de cima para ordinário”, diz a professora.
Mudança de nome
Se a história vinculada ao período dominador não pode ser mudada, o nome Presidente Costa e Silva foi mira de diferentes iniciativas nos últimos anos. Em 2012, atendendo a pedido de movimentos de direitos humanos, o deputado federalista Chico Alencar (PSOL-RJ) apresentou projeto propondo a mudança do nome da ponte para o do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho.
Em entrevista à Escritório Brasil, Chico Alencar disse que a mudança do nome para o do sociólogo se justificava por “ser uma pessoa cuja vida foi dedicada a erigir pontes entre os que têm penúria e os saciados, entre os sensíveis e os insensíveis, entre os que têm consciência dos sentimentos do mundo e os que não têm, para dar uma dimensão novidade à política, com esse respaldo social”.
Apesar disso, o parlamentar admite que há muitos obstáculos. O projeto já tem um parecer na Percentagem de Constituição e Justiça (CCJ), da deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ). “Mas eu sei que, para passar, se já era difícil na quadra, ainda é mais difícil agora, que a Câmara mudou, e o Congresso ficou mais conservador ainda.”
Outra tentativa de mudança foi por via judicial, mas, em janeiro de 2015, a Justiça Federalista no Rio de Janeiro negou pedido formulado pelo Ministério Público Federalista (MPF). Segundo a decisão, a medida deveria ser decidida pela sociedade, de forma coletiva, por meio de seus representantes no Legislativo.
Em maio de 2021, foi protocolado na Câmara Federalista projeto de lei do deputado federalista Chico D’Angelo (PDT-RJ), pedindo que a ponte passasse a se invocar Ponte Ator Paulo Gustavo, para homenagear o ator que nasceu em Niterói e morreu de covid-19 naquele mês, em um hospital do Rio.
A historiadora Samantha Viz Quadrat considera lastimoso que ainda haja homenagens públicas, em espaços públicos, a ditadores. “A ditadura não merece homenagem de nenhum tipo em lugar público, seja universidade, escola, rua, ainda mais uma construção porquê a da Ponte Rio-Niterói, que é uma obra representativa do que a ditadura foi em termos de violência, de repressão, de perseguição aos trabalhadores, de más condições de trabalho, de increpação.”
Melhorias
Com o objetivo de proporcionar maior segurança ao usuário, muitas melhorias foram efetuadas ao longo destes 50 anos. No ano 2000, por exemplo, o asfalto no vão medial foi substituído por um piso de concreto de elevada resistência, enquanto a superestrutura metálica foi reforçada internamente.
Em 2004, o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) desenvolveu para a rodovia os atenuadores dinâmicos sincronizados (ADS). Esse é um conjunto de tamanho e mola de 32 peças e pesos de grandes proporções que funciona porquê um amortecedor para a estrutura do vão medial. Em eventos com fortes ventos, a ponte teve uma redução de 90% de sua oscilação.
No ano de 2009, depois de efetuados estudos de segurança viária, a ponte ganhou um reordenamento de faixas, que aumentaram de três para quatro, o que contribuiu para ampliar sua capacidade operacional. Em 2016, já sob governo da Ecoponte, a rossio de pedágio foi aumentada, a via ganhou iluminação de LED e lamelas antiofuscantes, sistema que utiliza defensas metálicas para varar o ofuscamento durante a noite causado pela iluminação dos faróis.
No dia 1º de junho de 1995, foi feita a primeira concorrência para licença da governo da Ponte Rio-Niterói à iniciativa privada, vencida pelo consórcio Ponte S/A, empresa do Grupo CCR. Essa foi a primeira grande estrutura rodoviária concedida para o setor privado no país. Desde 2015, porém, a ponte está concedida à Ecoponte.
Movimento pendular
Além de fazer secção da história do Brasil e ser um marco de sua engenharia, a Ponte Rio-Niterói também é secção da rotina de milhares de moradores da região metropolitana do Rio de Janeiro. A fotógrafa Iane Filgueiras, de 34 anos, construiu sua curso profissional indo e voltando na ponte diariamente, desde que era estagiária, em 2009. Moradora de São Gonçalo, cidade da região metropolitana, ela trabalha na zona setentrião do Rio.
“Minha relação com a ponte é de paixão e ódio porquê todo mundo que atravessa a ponte diariamente. Acho uma construção incrível com uma extensão inacreditável sobre a baía. Vi muitas vezes o sol nascer e se pôr. Também já peguei muito temporal em que a ponte balança. Mas é uma dificuldade ter trânsito todo dia, com 40 minutos para transpor a ponte”, conta Iane.
A circulação intensa é fiscalizada diariamente pela Polícia Rodoviária Federalista (PRF), que usa sistemas de videomonitoramento, recursos tecnológicos porquê drones e câmeras de subida solução para o séquito de todo o trecho sob sua conhecimento.
“Fisicamente há uma delegacia e uma unidade operacional ao longo de toda a ponte, são atendidos cidadãos durante todo o dia, veículos são fiscalizados, há o combate ao violação, com um trabalho incessante de perceptibilidade é provável hoje ter diversas tentativas criminosas frustradas sem grande impacto na fluidez do trânsito e risco à sociedade que trafega pela via”, destaca nota da PRF.
As ocorrências que envolvem a ponte são as mais variadas que se pode imaginar. Uma das mais inusitadas ocorreu em 14 de novembro de 2022, quando o navio graneleiro São Luiz, aportado desde 2016 na Baía de Guanabara, colidiu com a estrutura, levando ao fechamento da via nos dois sentidos até que sua integridade fosse avaliada. O congestionamento provocado pelo acidente superou 19 quilômetros na primeira hora do fechamento. A via sentido Niterói foi liberada três horas depois, mas a movimentação no sentido Rio de Janeiro ficou restrita a duas pistas até o dia seguinte, para reparos no guarda-corpo.