População altamente vulnerável a catástrofes climáticas e que demandam cuidados específicos, as pessoas idosas no Rio Grande do Sul só contam, até o momento, com dois abrigos provisórios exclusivos para albergar quem teve que transpor de moradia por culpa das enchentes das últimas semanas, que devastaram o estado. A informação é da Unidade Peculiar de Atenção da Pessoa Idosa, da Secretaria de Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul (Sedes), e do Juízo Estadual da Pessoa Idosa.
Em Canoas, o abrigo restrito foi franco pela prefeitura, no Meio de Convívio da Pessoa Idosa. Em Porto Contente, o abrigo fica no bairro Farroupilha e foi franco por organizações da sociedade social e voluntários, com esteio do governo do estado.
“Esses idosos que estavam nos abrigos comuns, já com problemas de saúde, necessitavam de espaços com olhar especializado. A nossa legislação, o Regimento da Pessoa Idosa, preconiza que é prioridade em qualquer atendimento. Se é prioridade, a gente tem que dar um espaço onde esse idoso se sinta asilado e tenha prioridade no desvelo”, afirma Cátia Siqueira, coordenadora da Unidade Peculiar de Atenção da Pessoa Idosa da Sedes e vice-presidente do Juízo Estadual da Pessoa Idosa.
Etarismo na catástrofe
A baixa oferta de lugares adequados preocupa quem lida com essa população, principalmente no caso de idosos que não contam com familiares ou estão em intensidade de subordinação 2 e 3, em que não conseguem realizar suas atividades de vida diária sozinhas, por terem alguma doença ou comorbidade. Isso porque a maioria dos mais de 800 abrigos cadastrados pela Sedes em todo o estado, embora tenha idosos alojados, não dispõe da infraestrutura para cuidados específicos.
O Rio Grande do Sul é o estado com a maior proporção de idosos de todo o país, muito supra da média vernáculo. É o único estado, junto com o Rio de Janeiro, em segundo lugar, em que o número de idosos de 60 anos ou mais ultrapassa o de crianças e adolescentes de até 14 anos. O índice de envelhecimento é de 115 idosos para cada 100 crianças, segundo dados do Recenseamento 2022, do Instituto Brasílio de Geografia e Estatística (IBGE).
Esses dados se refletem na ocupação dos abrigos provisórios criados para albergar os refugiados das chuvas. Do totalidade de 809 abrigos cadastrados pelo governo estadual, onde estão atualmente pouco mais de 74 milénio pessoas, o número de idosos identificados é 8.590, segundo atualização desta quinta-feira (23) do Recenseamento dos Abrigos, da Sedes.
“Dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, 468 foram afetados [pelas enchentes] e unicamente dois abrigos específicos para idosos nós temos, do estado mais envelhecido do Brasil. Isso revela muito do nosso idadismo, do nosso etarismo, é uma vergonha para nós, é triste. Nós temos hoje uma população velha que está abandonada”, diz Karen Garcia de Farias, uma das voluntárias do abrigo restrito da capital gaúcha.
O quadro de poucos abrigos para idosos contrasta com a oferta de abrigos exclusivos para mulheres, crianças e para guarida de animais resgatados, que foram amplamente abertos ao longos das últimas semanas.
Uma informação ainda desconhecida das autoridades gaúchas é sobre o número de instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) do estado do Rio Grande do Sul atingidas pelas enchentes. As informações, segundo Cátia Siqueira, estão sendo levantadas pela Frente Pátrio de Fortalecimento das ILPIs. Ao todo, o estado conta com 1,2 milénio ILPIs, com cadastro na Vigilância Sanitária. Dessas, 207 são filantrópicas.
Protecção humanitário
O Abrigo Emergencial 60+ franco em Porto Contente é tocado unicamente por voluntários. Ele tem capacidade para atender 40 pessoas. O lugar conta com equipe completa de médicos, enfermeiros, cuidadores, fonoaudiólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais e voluntários 24 horas por dia. Para que a pessoa seja encaminhada, é obrigatório que os coordenadores dos abrigos preencham o formulário de letreiro para que possa ser incluída na lista de espera de entendimento com critérios técnicos da equipe da saúde.
A reportagem da Sucursal Brasil esteve no lugar e conheceu a aposentada Marilu Gonçalves, 72 anos. Moradora de Eldorado do Sul, onde vive de aluguel, ela conta que foi resgatada por agentes da Polícia Federalista porque já estava sem remédio, asilo no segundo marchar da moradia de uma amiga, enquanto a enchente já tinha tapado as ruas da cidade. De lá, passou mais de duas semanas no abrigo do Hospital Mãe de Deus até chegar ao abrigo restrito.
“Eu não volto para Eldorado, porque vai vir de novo enchente, já sofri isso três vezes e não vou suportar de novo. Ou por outra, não tem chuva nem luz”, conta.
Em pouco dias no abrigo específico, Marilu, que sentia dores nos pés e mal levantava da leito, já circula pelo lugar com desenvoltura e tem saído na rua para atividades do dia a dia.
Voluntária, Karen Garcia se preocupa com o horizonte dessas pessoas, já que o abrigo restrito só tem previsão de porfiar seis meses. “Principalmente essas pessoas que vivem sozinhas, uma vez que a dona Marilu, a gente precisa conseguir prometer que, ao transpor daqui, elas tenham possibilidade de seguir a vida com pundonor.”