Habitantes do litoral brasílio, os indígenas do grupo tupi foram alguns dos primeiros a terem contato com os portugueses, quando estes desembarcaram na Bahia, em 1500. Foram também por isso aqueles que mais sofreram nos primeiros séculos de colonização europeia no Brasil.
Escravizados para a exploração do pau-brasil, exterminados por doenças e conflitos com os novos colonizadores e, por término, aculturados por força do processo de evangelização promovido pela Igreja Católica, os tupinambás foram vendo suas terras sendo usurpadas e sua cultura sendo gradativamente apagada.
Já com o Brasil independente, no final do século XIX, considerava-se que os tupinambás extintos porquê povo e que seus descendentes não mantinham mais relação com suas tradições ancestrais. Por isso, o Estado retirou deles os direitos indígenas diferenciados.
Os próprios tupinambás consideravam-se “caboclos” ou mesmo “índios civilizados”, de conformidade com o Instituto Socio Ambiental (ISA). Mas zero disso foi suficiente para extinguir sua memória avito e para que eles abandonassem sua identidade indígena.
Em 2001, o povo tupinambá de Olivença finalmente voltou a ser reconhecido porquê indígena pela Instauração Vernáculo dos Povos Indígenas (Funai). E, em 2009, depois de décadas de conflitos fundiários com fazendeiros, tiveram sua terreno indígena delimitada.
Apesar disso, a luta pelo reconhecimento de seus direitos ainda não terminou. A Escritório Brasil conversou com Jamopoty, a primeira cacique mulher dos tupinambás de Olivença, que falou sobre os desafios para resgatar sua cultura avito, a luta pela desfecho do processo de demarcação de suas terras e o retorno, ao Brasil, de um véu feito com penas de ave guará, que tem quatro séculos de idade e que estava em um Museu da Dinamarca desde o término do século XVII.
Escritório Brasil: Depois de séculos, o véu tupinambá que estava na Dinamarca voltou ao Brasil. O povo tupinambá aguardou esse momento por muitos anos e esperava estar presente na chegada dele ao Brasil. Mas não foi isso que aconteceu. O Museu Vernáculo recebeu o artefato e só depois vocês souberam que ele estava no Brasil. Uma vez que foi isso para vocês?
Cacique Jamopoty: Nós estávamos planejando a chegada desse véu, que para nós é um ser vivo. Estamos chamando-o de ancião, um ancião de 400 anos que foi levado do nosso povo. Amotara, Nivalda Amaral de Jesus, foi a primeira anciã [tupinambá] a reconhecer o véu, em São Paulo [em 2000, quando ele estava no país, emprestado pelo Museu Nacional da Dinamarca para uma exposição sobre os 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil] e ela dizia que o véu precisava estar entre nós. E nós dizíamos que o véu não podia chegar no Brasil sem nós. Ele chegou sem nós e está até hoje sem nós no Museu Vernáculo. Estamos felizes por ele estar no Brasil, mas ao mesmo tempo triste, porque ainda não fizemos nossa segmento místico. Ele é um ser vivo, é a nossa história. Nós planejamos tudo isso [a recepção do manto pelos tupinambás] com nossos anciãos da povoado e não aconteceu. Ele chegou sem a gente saber.
Escritório Brasil: Qual a valimento do retorno desse véu para o seu povo?
Cacique Jamopoty: Houve tantos retrocessos em nossas vidas, nós ainda não temos nossa terreno demarcada, nosso território está todo invadido. Portanto, a gente vai buscando um sentido de nos aprofundar porquê povo. E o véu é um desses sentidos. Ele está hoje no Museu Vernáculo mas ele é nosso. Ele tem um povo, um povo que o Brasil dizia estar extinto. No entanto, estamos cá. Portanto ele é um pouquinho da nossa história. Estamos nos organizando e vamos até o Rio de Janeiro [para encontrar o manto] e esse dia vai ser muito importante para nós.
Escritório Brasil: Seu povo vem há séculos tentando sobreviver e manter suas tradições, em meio ao extermínio, à influência de outras culturas, a conflitos fundiários. O que o véu representa nessa luta pela identidade dos tupinambás e pelo seu reconhecimento porquê povo?
Cacique Jamopoty: Nossa terreno foi delimitada, já tem até o levantamento fundiário dela, mas não foi assinada a portaria declaratória da terreno. Ela precisa ser assinada. Quando a Dinamarca devolve o véu, ela está confirmando que levou um artefato de um povo que estava cá nessa região há 400 anos. Isso afirma a história do nosso povo. Os tupinambás foram os primeiros a serem atacados [a partir da chegada dos portugueses], nós fomos quase dizimados. Com essa luta toda, nosso território ainda não foi demarcado. O véu tupinambá traz a força para os povos, não só para os tupinambás, mas para os outros povos. Acredito que essa força não veio a toa. A gente vai conseguir, através da chegada do véu, a portaria declaratória da nossa terreno.
Escritório Brasil: Uma vez que vocês têm tentado manter suas tradições e restabelecer sua cultura avito?
Cacique Jamopoty: Nossa luta é árdua. Sabemos que tudo será pela instrução: o fortalecimento da cultura, o fortalecimento da língua. Nós construímos os conselhos de instrução e fomos para cima do Estado manifestar: “nós somos indígenas, queremos nossa cultura, queremos nossa instrução diferenciada”. Não existe povo poderoso, sem instrução, sem sua cultura, sem sua forma de viver. Dizem que somos supostos índios, que não somos mais indígenas. Somos reconhecidos pelo governo brasílio, mas ainda precisa reconhecer nossa terreno. Estamos na luta pelo resgate da nossa língua, estamos na luta pelo resgate da nossa instrução, buscando viver nossas tradições, respeitando uns aos outros. Estamos sempre valorizando nossa terreno, sempre valorizando o meio envolvente, nossas nascentes, nosso mar. Onde tem ar puro é onde o índio habita. Portanto a gente vai preservar nem que isso custe a nossa vida.
Escritório Brasil: O povo tupinambá está satisfeito com o véu permanecer sob a guarda do Museu Vernáculo ou preferia que o artefato estivesse com vocês?
Cacique Jamopoty: Num primeiro momento, a Amotara queria que o véu viesse para a povoado, mas ela mesma entendia que o véu tinha 400 anos, que não podia estar guardado em qualquer lugar. Ele está no Rio de Janeiro, na livraria do Museu Vernáculo, porque o museu ainda não terminou a reforma [depois do incêndio que o destruiu em 2018]. Nós ainda não o vimos, portanto podemos manifestar que tratamento o véu está recebendo. Mas o Museu diz que está fazendo um lugar adequado para receber, com climatização, com luz, com tudo para o véu. A gente gostaria que o governo brasílio demarcasse nosso território, construísse um museu e desse todas as condições dentro da nossa povoado, nós estaríamos mais preparados para receber o véu. Mas ele foi para o Rio de Janeiro, que também é um território tupinambá. A gente entende que o véu tem 400 anos, está meio fragilizado. Se hoje o Museu Vernáculo tem condições de cuidar dele, a gente vai estar junto. E tem também outros mantos [tupinambás] que estão em outros países. Portanto a gente espera também que [os países] tem que entregar esses mantos e também outras peças que pertencem aos outros povos.