Comício Da Candelária, 40 Anos: O Legado Sociopolítico Das Diretas

Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já

Brasil

Ali, no meio de uma povaléu que se espremia nas avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, no meio do Rio, uma juvenil de 16 anos olhava impressionada para a movimentação ao volta. Era a primeira vez que participava de uma sintoma política, mas já sabia que se tratava de um momento histórico. O Comício da Candelária, segundo jornais da era, reuniu tapume de 1,2 milhão de pessoas. Foi um dos principais atos do movimento das Diretas Já, que fez o povo voltar às ruas depois de 20 anos de repressão violenta da ditadura militar.

Para alguns, o momento era de restabelecer a voz de protesto represada durante anos. No caso de Adriana Ramos, que tinha concluído de entrar para a faculdade, era um despertar político.

Brasília (DF) 10/04/2024 - Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já
Foto: Claudio Tavares / ISA
Brasília (DF) 10/04/2024 - Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já
Foto: Claudio Tavares / ISA

Rio de Janeiro – Adriana Ramos fala sobre o comício da Candelária – Foto Claudio Tavares / ISA

“Eu não tinha consciência política. Vinha de uma família muito conservadora, de direita. Na escola, praticamente todos os colegas eram filhos de militares. Na era, vi toda a mobilização e os colegas de faculdade se organizando para ir ao comício. Lembro da minha mãe e da minha avó ficarem apreensivas. Mas, até pela ignorância de não saber muito o que significava aquela sintoma, fui na vaga”, lembra Adriana. “Foi alguma coisa que marcou muito minha relação com a política dali para a frente”.

Lívia de Sá Baião também era estudante universitária na era. Estudava economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio). Tinha 19 anos e trabalhava uma vez que estagiária em um banco próximo à Candelária, quando se encontrou com amigos para presenciar ao comício.

Brasília (DF) 10/04/2024 - Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já
Foto: Livia Sá Baião/Arquivo Pessoal
Brasília (DF) 10/04/2024 - Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já
Foto: Livia Sá Baião/Arquivo Pessoal

Rio de Janeiro – Lívia Sá Baião fala sobre o comício da Candelária – Foto Livia Sá Baião/Registo Pessoal

“Aquele momento foi um marco na minha vida. Lembro muito da emoção de estar lá, de participar daquele momento, ouvir aqueles líderes falando” disse Lívia. “Ouvi o Brizola, o Tancredo Neves. A gente estava ali em um momento crucial”.

O jornalista Alceste Pinho também esteve no Comício da Candelária, mas uma vez que manifestante. Ele lembra que ficou na Avenida Rio Branco, onde ouvia os discursos, mas não tinha uma visão tão completa uma vez que a das pessoas que ficaram de frente para o tribuna.

Rio de Janeiro (RJ), 09/04/2024 – O jornalista Alceste Pinheiro, na Igreja da Candelária, local do histórico comício pelas Diretas, ocorrido em 10 de abril de 1984. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ), 09/04/2024 – O jornalista Alceste Pinheiro, na Igreja da Candelária, local do histórico comício pelas Diretas, ocorrido em 10 de abril de 1984. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Rio de Janeiro – O jornalista Alceste Pinho, na Igreja da Candelária, sítio do histórico comício pelas Diretas – Foto Tomaz Silva/Escritório Brasil

“Mas lembro dos ônibus superlotados, da cidade toda se movimentando naquela direção. Lembro do êxtase e da crédito das pessoas, do sentido dos discursos, muito muito preparados, muito armazenados na memória, do que se cantou. Lembro do que se gritou: Diretas Já! O Povo quer votar!”.

Cobertura jornalística

O fotógrafo Rogério Reis trabalhava na revista Veja em 1984. Às vésperas do comício, a revista percebeu que o evento prometia ser grandioso, por culpa do número de doações espontâneas feitas para os organizadores em uma conta do Banco do Estado do Rio de Janeiro (Banerj).

“Esse foi o primeiro sinal que a gente teve, uma semana antes, de que o público estava disposto a colaborar para um grande evento, com produção de faixas e todo o material que envolve um grande comício”, disse o fotógrafo.

Outro sinal era o roupa de o governador fluminense à era ser o gaúcho Leonel Brizola, justo com a proposta das Diretas Já. Ele se dispôs a obstar toda a Avenida Presidente Vargas para que o evento pudesse ocorrer. Foram colocados balões iluminados com gás hélio.

A revista escalou três fotógrafos para escoltar o evento: um faria fotos aéreas de um helicóptero alugado, outro ficaria em frente ao tribuna e o terceiro, que era Rogério Reis, circularia mais solto entre a povaléu, para fazer aspectos de comportamento.

Brasília (DF) 10/04/2024 - Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já
Foto: Rogério Reis/Arquivo Pessoal
Brasília (DF) 10/04/2024 - Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já
Foto: Rogério Reis/Arquivo Pessoal

Brasília – Comício da Candelária 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já – Foto Rogério Reis/Registo Pessoal

“Eu classifico uma vez que uma das coberturas que raramente você, uma vez que jornalista, está afeito a vivenciar. A gente tem perceptível distanciamento das cenas. Mas, nesse processo de brecha, vi muito profissional trabalhando emocionado. Uma vez que ocorreu também na chegada dos exilados. Lembro que na chegada do (Miguel) Arraes (deposto do missão de governador de Pernambuco em 1964) no (aeroporto do) Galeão, tinha muito repórter e fotógrafo trabalhando chorando”.

Comício

Por volta das 16h do dia 10 de abril, começou o Comício da Candelária. Os manifestantes gritavam palavras de ordem, agitavam bandeiras, faixas e cartazes, vibravam com os discursos de diferentes líderes da oposição ao regime militar, e cantavam em coro músicas dos artistas presentes.

Fafá de Belém conduziu o Hino Vernáculo e a música Menestrel das Alagoas, que virou um dos hinos da Diretas Já. Em seguida, foi libertada uma pomba branca, que saiu voando, assustada com a povaléu. Milton Promanação levou o público às lágrimas ao interpretar Nos bailes da vida. O legista Sobral Pinto, aos 90 anos de idade, leu o que se tornaria o cláusula 1º da Constituição Brasileira: “Todo poder emana do povo”.

Durante seis horas, diferentes personalidades alternaram-se no palco. Entre os políticos estavam Leonel Brizola (PDT-RJ), Franco Montoro (PMDB-SP), Tancredo Neves (PMDB-MG), Ulisses Guimarães (PMDB-SP), Luís Inácio Lula da Silva (PT-SP) e Fernando Henrique Cardoso (PMDB-SP), que dividiram o mesmo tribuna.

Brasília (DF) 10/04/2024 - Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já
Foto: Vidal da Trindade/CPDoc JB
Brasília (DF) 10/04/2024 - Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já
Foto: Vidal da Trindade/CPDoc JB

Rio de Janeiro – O cantor Milton Promanação no comício da Candelária – Foto Vidal da Trindade/CPDoc JB

Entre os artistas, Chico Buarque, Maria Bethânia, Lucélia Santos, Cidinha Campos, Chacrinha, Cristiane Torloni, Erasmo Carlos, Ney Matogrosso, Paulinho da Viola, Bruna Lombardi, Maitê Proença, Walmor Chagas. Também havia famosos uma vez que o jogador de futebol Reinaldo, o cartunista Henfil, a apresentadora Xuxa e a desportista de vôlei Isabel. E na apresentação principal, a voz do “locutor das diretas”, o radialista esportivo Osmar Santos.

Luta por democracia

O evento na Candelária era secção de uma série de manifestações de rua que tomaram conta do país em 1983 e 1984. Os governos militares começam a enfrentar crises econômicas mais agudas na dezena de 70, com endividamento extrínseco e inflação subida. Na gestão de Ernesto Geisel (74-79) fala-se pela primeira vez em brecha política, mesmo que “lenta e gradual”. Na gestão de João Batista Figueiredo (79-85) são restabelecidas as eleições diretas para os governos estaduais. Em 1982, a oposição conquista o governo de nove estados, com destaque para São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Em 2 de março de 1983, o deputado federalista Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresenta emenda à Constituição, assinada por 199 congressistas, para restaurar a eleição direta para presidente a partir de 1985. Nos meses seguintes, muitos atos públicos foram feitos em resguardo da taxa. O primeiro comício com fala centralizada ocorreu em Goiânia, com 5 milénio pessoas, em 15 de junho.

Cidades de todas as regiões do país passam a ter manifestações. O destaque é para a chamada Frota das Diretas, em fevereiro de 1984, que percorre cidades do Setentrião, Nordeste e Meio-Oeste. Em 24 de fevereiro, Belo Horizonte registra até ali o maior público de um comício, tapume de 400 milénio pessoas. Esse número só seria superado pelo comício do Rio de Janeiro, na Candelária, e pela passeata de São Paulo, que saiu da Rossio da Sé até o Vale do Anhangabaú. Ambos, ocorridos em abril, ultrapassaram a marca de 1 milhão de pessoas.

Apesar de toda essa mobilização popular, semanas depois, em 25 de abril, é votada a Emenda Dante de Oliveira no Congresso. A itinerário vem por diferença de 22 votos. O primeiro presidente da República depois da ditadura militar, Tancredo Neves, seria escolhido por eleição indireta no Escola Eleitoral.

Frustração

Já naquela era, o jornalista Alceste Pinho acreditava que a emenda constitucional não passaria, por todas as circunstâncias e pressões que existiam de vários lados. Havia os que não queriam a aprovação e os que preferiam prorrogar para uma situação que, politicamente, fosse mais favorável.

“Eu achava isso e falava para algumas pessoas. Mas, entre as pessoas da minha relação, todas tinham esperança muito grande de que a emenda passaria. Eu desconfiava. Mesmo assim, fui à Cinelândia quando se votou a emenda, que foi derrotada. Foi absolutamente notável do que ocorreu na Candelária”, disse Alceste.

Para quem alimentou por meses a esperança de que poderia escolher finalmente o ocupante do missão mais supino do país, a euforia deu lugar à frustração.

“Foi uma grande recusa quando a Emenda Dante Oliveira foi rejeitada na Câmara, poucos dias depois do comício. Fiquei arrasada. E aí deu no que deu. Só tivemos eleições em 1989”, disse Lívia de Sá.

“Uma mobilização daquele tamanho e, no final, a emenda não foi aprovada? Foi um balde de chuva fria, de mostrar um limite da mobilização da sociedade. Mas, sem incerteza, tinha esse entendimento de que a gente estava entrando em novidade era. Com mais demandas e mais possibilidades de participação da sociedade”, afirmou Adriana Ramos, que hoje é ambientalista.

Legado democrático

Para o historiador Charleston Assis, da Universidade Federalista Fluminense (UFF), é importante olhar além dos objetivos imediatos do movimento das Diretas Já e entender o significado mais espaçoso dele no contexto de redemocratização do país.

Assis lembra que exclusivamente três anos antes aconteceu o atentado do Riocentro, em que um grupo de militares tentou intimidar, melindrar e matar jovens em um show para retardar a brecha política. A tentativa terminou em fracasso, mas mostrou os perigos que esse grupo representava. Assim, voltar às ruas e pedir eleições diretas para presidente era um ato de coragem e de resistência ao silêncio imposto pela ditadura.

Brasília (DF) 10/04/2024 - Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já
Foto: Vidal da Trindade/CPDoc JB
Brasília (DF) 10/04/2024 - Comício da Candelária, 40 anos: o legado sociopolítico das Diretas Já
Foto: Vidal da Trindade/CPDoc JB

Rio de Janeiro – Políticos uma vez que Leonel Brizola e Tancredo Neves no comício da Candelária – Foto Vidal da Trindade/CPDoc JB

“O movimento das Diretas Já tem inúmeros ganhos. Essa emergência popular vai fazer com que o povo se torne um ator político muito decisivo. A partir daquele momento, as demandas não podem mais ser ignoradas. O país vai ter conquistas uma vez que a ampliação da rede de proteção social, do chegada à lar própria, mais tarde do chegada à universidade pela juventude preta e indígena. Isso tudo estava ali nos anos 80, e a luta pelas Diretas trazia uma série de sonhos coletivos desse povo enquanto pátria”, diz o historiador.

Charleston entende que, por culpa das recentes tentativas de golpe de Estado e do fortalecimento de discursos retrógrados, lembrar da mobilização popular da dezena de 1980 é importante para valorizar as conquistas sociais das últimas décadas.

“É muito necessário que a gente rememore essa campanha por conta daquilo que ela traz de oposição ao autoritarismo e de resguardo da democracia. A ditadura militar foi uma tragédia social, política e econômica. Basta lembrar que nossa dívida externa passou de R$ 3 bilhões em 1964 para R$ 100 bilhões no término do governo militar. As Diretas Já mostraram que o povo brasílio se colocou decididamente contra a ditadura e a rejeitou em conjunto”.

Fonte EBC

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