Como A Capoeira Influenciou O Breaking 09/08/2024 Esporte

Como a capoeira influenciou o breaking – 09/08/2024 – Esporte

Esporte

O Brasil não terá representantes na disputa de breaking nos Jogos de Paris, mas capoeiristas brasileiros tiveram um papel importante na consolidação do esporte que fará sua estreia em Olimpíadas nesta sexta-feira (9/8).

No término dos anos 1970 e início dos 1980, os capoeiristas baianos Jelon Vieira e Loremil Machado viviam em Novidade York, onde davam aulas de capoeira e se apresentavam em shows.

Uma amiga logo os convidou a se exibir em uma escola pública no Bronx, bairro nova-iorquino considerado o início moderno do breaking.

“Era uma superfície muito perigosa”, conta à BBC Vieira, hoje com 71 anos. Ele diz que os alunos – na maioria negros ou latinos praticantes de breaking – assistiram à apresentação em êxtase.

“Loremil era fantástico”, diz Vieira sobre as habilidades de seu parceiro, morto em 1994. “E ele era muito bonito. (Vendo) o corpo dele, dava pra estudar anatomia.”

Vieira diz que os estudantes ficaram impressionados com os movimentos e, depois a exibição, tentaram imitá-los.

Começava ali um intercâmbio que duraria muitos anos e que, segundo Vieira, fez com que o breaking incorporasse vários movimentos da capoeira, entre os quais o pitorra de cabeça, o relógio e o pitorra de mão (nos quais o praticante rodopia bravo em diferentes partes do corpo).

A relação entre a capoeira e o breaking já foi citada pelo jornal The New York Times. Em 1989, Jon Pareles, gerente da editoria de artes do jornal, definiu a capoeira porquê “uma dança de artes marciais que antecipou o break dancing”.

Vieira diz que chegou a ser descrito pela prelo americana porquê o “pai do breaking”, mas rejeita o título. “Eu não criei o break dance, mas contribuímos com ele”, diz.

Para Vieira, ainda que o breaking moderno tenha surgido em Novidade York, o esporte é “mais um presente da África para o mundo”.

Ele diz ter reforçado sua crença ao ver o documentário “The North Rejoices”, de 1959. Nele, moradores de uma lugarejo na Nigéria executam vários movimentos semelhantes aos do breaking moderno.

Sucesso da capoeira em Novidade York

Mas o papel da capoeira em Novidade York vai muito além de sua influência no breaking. Uma pesquisa no Google hoje revela a existência de 22 academias de capoeira na cidade.

Ou por outra, várias escolas públicas nova-iorquinas oferecem a modalidade – ago incomum em cidades brasileiras, segundo Jelon Vieira.

Ele conta que a capoeira lhe abriu portas para que também se tornasse coreógrafo nos EUA. Vieira é fundador de uma companhia de dança (DanceBrazil), e já coreografou musicais da Broadway e filmes de Hollywood, porquê Brenda Starr (1989), estrelado por Brooke Shields, e Boomerang (1992), com Eddie Murphy.

Grandes feitos para quem chegou a Novidade York aos 22 anos de idade sem falar inglês.

Nascido em Santo Amaro, no Recôncavo Baiano, e criado por uma mulher negra, viúva e mãe de sete filhos, Vieira aprendeu capoeira aos 10 anos no Talento Velho de Brotas, bairro de Salvador para onde a família se mudou na sua puerícia.

Até que, durante a ditadura militar (1964-1985), uma notícia o chacoalhou: três amigos desapareceram depois grudar panfletos políticos nas ruas para lucrar uns trocados.

“Eu me revoltei com aquilo, disse ‘não quero mais permanecer no Brasil’. Eu lembrei que eu era capoeirista, e aquela era a minha única salvação”, conta.

Vieira sabia de um grupo em Salvador que estava contratando capoeiristas para apresentações de cultura afro-brasileira no exterior, o Viva Bahia, coordenado pela etnomusicóloga Emília Biancardi.

Ele fez um teste e passou. Em 1974, integrou uma expedição que tinha entre seus integrantes um dos capoeiristas mais conhecidos do Brasil na era, rabi João Grande, com quem seu caminho voltaria a se cruzar adiante.

A viagem incluiu apresentações em vários países da Europa e no Irã, na era uma reino comandada pelo xá Reza Pahlavi (1919-1980). “Fizemos um show para família real e convidados. Era coisa de sonhos”, ele recorda.

No dia seguinte à apresentação para o xá, Vieira conta que o grupo se exibiu para o “povão” iraniano em um teatro lotado. Ele diz que o público foi ao delírio quando os capoeiristas entraram em cena. “Eles não estavam acostumados a ver homens sem camisa e ficaram doidos”, conta.

A viagem, porém, quase termina em tragédia: uma dançarina do grupo foi apedrejada ao caminhar por Teerã com um vestido que deixava o corpo à mostra. Vieira diz que a jovem chegou a ser hospitalizada por desculpa dos ferimentos, mas se recuperou.

Primeira escola de capoeira fora do Brasil

Depois da viagem, Vieira deixou o grupo Viva Bahia e foi tentar a sorte em Novidade York. Em 1975, ele abriu no bairro Soho, na ilhéu de Manhattan, o espaço que ele considera “a primeira escola de capoeira fora do Brasil”.

Foi o início de uma curso de sucesso – e que lhe deu uma exigência financeira a que poucos mestres de capoeira poderiam almejar no Brasil.

A BBC News Brasil entrevistou Jelon Vieira em Salvador em janeiro de 2024, durante o 5º Rede Capoeira, evento que homenageou mestres de capoeira com papel meão na história da modalidade.

Porquê Vieira, alguns dos homenageados decidiram deixar o Brasil em procura de melhores condições. E para um vetusto companheiro de Vieira ali presente, a viagem à Bahia tinha um sabor privativo.

O retorno de João Grande

A tarde caía em Salvador, e uma povaréu de capoeiristas aguardava em uma tenda ao lado do Mercado Protótipo por uma das atividades mais esperadas do evento, classificado pelos organizadores porquê “o maior encontro de capoeira de todos os tempos”.

“Rebento, vem ver, é rabi João Grande”, uma mulher sussurrou enquanto o público abria passagem para um varão preto com as costas envergadas pela idade.

Aos 91 anos, João Grande voltava para a mesma Bahia que o “expulsara” na dezena de 90, quando, incapaz de sobreviver da capoeira ali, seguiu os passos de Jelon Vieira e também se mudou para os Estados Unidos.

Desta vez, porém, ele era a grande estrela do evento – e motivo pelo qual muitos haviam viajado de diferentes partes do país até Salvador. Queriam ver, em músculos e osso, um personagem que só conheciam de filmes, livros e músicas.

Ao lado de alunos estrangeiros, todos fluentes em português, João Grande deu uma oficina ao grupo. Movia-se com desembaraço, indicando com as mãos porquê os movimentos deveriam ser feitos.

Depois, sentou-se e respondeu com sorrisos e acenos às homenagens dos participantes.

“Parece que estou no firmamento”, ele disse à BBC dias depois, na lar espaçosa em Salvador em que se hospedou durante a estadia.

“Todos me tratam muito cá, todos me ajudam”, afirmou. Um cenário bastante egrégio do que ele enfrentara ao longo de boa segmento de sua vida.

Nascido em Itagi, no interno da Bahia, em 1933, João Oliveira dos Santos se mudou para Salvador na juventude e trabalhou porquê empregado doméstico de uma família.

Em troca dos serviços, não recebia numerário, só comida e roupas. Depois, trabalhou em um repositório de cachaça, transportando a bebida “na cabeça, no jegue, entregando nos armazéns”.

João Oliveira dos Santos só virou capoeirista depois de saber Vicente Ferreira Pastinha, o rabi Pastinha (1889-1981), considerado o pai da Capoeira Angola.

Nessa vertente, o jogo costuma ser mais cadencioso e próximo do pavimento, ao passo que na Capoeira Regional, criada por rabi Bimba (1900-1974), os golpes são normalmente mais rápidos e desferidos em pé.

Rabi Pastinha ensinou capoeira ao jovem itagiense e o escolheu porquê um de seus discípulos ao lado de outro aluno, João Pereira dos Santos (1917-2011). Um virou João Grande, e o outro, João Pequeno.

Na era, João Grande tinha de conciliar a capoeira com outras atividades para remunerar as contas. Em 1958, ele diz ter pretérito três meses porquê operário na construção da rodovia Belém-Brasília.

Em testemunho na tese “Rabi João Grande entre a Bahia a Novidade York”, com que Maurício Barros de Castro obteve o título de Doutor em História pela USP, em 2007, João Grande conta porquê praticava capoeira durante a obra.

“Treinava sozinho com as moitas e com os bichos”, disse.

A experiência o remeteu à puerícia na roça, em Itagi, quando passava horas assistindo às danças de peixes e aves. Maravilhado com a capacidade que os bichos tinham de se movimentar sem não tocar uns aos outros, levou isso para sua capoeira anos depois.

À BBC João Grande filosofa sobre essas conexões. “Capoeira é natureza. Tudo o que nós temos, oferecido por Deus, sai da capoeira, sai da natureza”, afirma.

“Um pé de mato me ensina a jogar, um bicho ensina porquê é sua ginga”, ele diz.

Anos depois de trabalhar na construção da rodovia, João Grande acompanhou rabi Pastinha numa viagem de grande simbolismo na história da capoeira.

Nela, brasileiros exibiram a modalidade no Festival de Artes Negras em Dakar, no Senegal, em 1966 – em viagem citada na música Triste Bahia, de Caetano Veloso (“Pastinha já foi à África/pra mostrar capoeira do Brasil”).

Também integravam a comitiva brasileira o músico Paulinho da Viola, a ialorixá Olga de Alaketu e a cantora Clementina de Jesus, entre outros artistas afro-brasileiros.

João Grande diz que, na viagem, Pastinha fazia questão de ressaltar a origem africana de sua arte. “Ele dizia: ‘isto é capoeira de vocês (africanos) que agora está com a gente lá, no Brasil'”.

Alguns africanos reagiam com surpresa, e outros reconheciam semelhanças entre a capoeira e danças locais, conta João Grande.

Embora haja algumas teorias divergentes, a maioria dos estudiosos da capoeira afirma que a modalidade de veste tem raízes africanas.

“Quem inventa a capoeira são os africanos cá no Brasil: uma mistura étnica de diversos grupos que vão se conceber cá e que vão fazer essa invenção”, defende Antonio Liberac, capoeirista e professor titular de História da Universidade Federalista do Recôncavo da Bahia.

Mas se africanos criaram a capoeira no Brasil, diz Liberac, foram brasileiros descendentes de africanos que deram à modalidade a rouparia atual com que ela ganhou o mundo – e entre eles, João Grande.

“É um rabi espetacular, um dos principais responsáveis pela manutenção da tradição dessa capoeira do século 20”, diz Liberac.

Para a etnomusicóloga Emília Biancardi, que conviveu com João Grande nas expedições do grupo Viva Bahia nos anos 1970, ele “é um dos únicos que realmente têm ainda uma verdade dentro da tradição que recebeu dos maiores”.

Do posto de gasolina a Novidade York

Mas a notabilidade e o talento porquê capoeirista não garantiram a João Grande uma vida confortável em Salvador.

As aulas e apresentações rendiam cada vez menos numerário, e ele chegou a ter de trabalhar porquê lavador de carros em um posto de gasolina. Em 1990, depois de anos de penúria, decidiu homiziar para os Estados Unidos

Ao se mudar para Novidade York, que já visitara a invitação do vetusto parceiro Jelon Vieira, João Grande conseguiu viver só de capoeira e ganhou um reconhecimento que não tinha obtido no Brasil.

Em 2001, ele recebeu da escritório do governo americano National Endowment for the Arts o National Heritage Fellowship, descrito pelo órgão porquê “a mais subida honraria da região em artes folclóricas e tradicionais”.

“Estamos muito felizes e orgulhosos de que ele faça segmento da nossa cultura”, disse o apresentador do prêmio antes de entregá-lo ao capoeirista.

João Grande disse à BBC que, ao se mudar para os EUA, queria evitar um final de vida parecido com o de seu mentor, rabi Pastinha, morto em 1981.

Cego, solitário e sem numerário, o fundador da Capoeira Angola passou seus últimos dias morando de obséquio num quarto úmido e escuro do Pelourinho.

“Fiquei muito triste por não ter um recurso para ajudar ele”, diz João Grande.

‘Vaquinha para remunerar enterro’

Ao conceber o 5º Rede Capoeira para homenagear os velhos mestres, Jair Oliveira Júnior, o rabi Sabiá, disse que queria estimular uma reflexão sobre porquê o Brasil trata os pioneiros da modalidade.

Entre os capoeiristas homenageados pelo evento – 14 deles supra dos 80 anos -, vários hoje enfrentam dificuldades financeiras, segundo ele.

“Desde gaiato eu sempre via todos esses mestres em situações extremamente fragilizadas no final do seu ciclo de vida, e sempre se fazia uma vaquinha para remunerar o enterro ou para dar qualquer tipo de assistência médica, comprar remédio”, ele conta à BBC.

Não por contingência, diz Sabiá, até hoje muitos mestres resolvem trespassar do Brasil. Segundo o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Vernáculo), hoje mais de 150 países têm grupos de capoeira, muitos deles liderados por brasileiros.

Em vários desses países, a capoeira também está presente em escolas, e universidades convidam mestres brasileiros a lecionar em universidades – status que a modalidade nunca alcançou no Brasil.

Por esses motivos, ao longo do evento em Salvador, vários participantes cobraram políticas públicas que amparem os mestres no término de suas vidas e os encorajem a permanecer no Brasil.

“Esses caras não são só mestres, eles são heróis, porque venceram contra tudo e contra todos, e o mínimo que a gente poderia fazer era restituir a pundonor a eles”, defende Sabiá.

Políticas para a capoeira?

A BBC questionou a ministra da Cultura, Margareth Menezes, sobre as cobranças de capoeiristas por políticas voltadas aos velhos mestres, porquê uma espécie de bolsa que os sustente no término da vida.

Em entrevista em seu gabinete, em Brasília, a ministra disse considerar a capoeira “um dos grandes legados da cultura brasileira”.

Menezes afirmou, no entanto, que “o Ministério da Cultura não tem (a possibilidade) de fazer uma ação direta, de fazer um tipo de bonificação”.

A solução, segundo ela, seria a aprovação de um Projeto de Lei que procura a “proteção e promoção dos Mestres e Mestras dos Saberes e Fazeres das Culturas Populares”.

O PL 1176, de 2011, está tramitando no Congresso e prevê, entre outros pontos, a licença de bolsas e premiações para grandes mestres de diversas tradições populares, entre as quais a capoeira.

“O que nós podemos fazer é buscar com que o Congresso se sensibilize para que essa lei tramite logo”, disse a ministra.

Ela afirmou ainda que outro objetivo de sua gestão é fazer com que artes da cultura popular – incluindo a capoeira – sejam ensinadas em escolas que adotem o ensino integral.

O pleito, segundo Menezes, está sendo tratado com o Ministério da Ensino.

Tesouro do Brasil… ou dos EUA?

Por ora, diz o rabi Jelon Vieira, há poucos incentivos para que capoeiristas que encontraram reconhecimento no exterior voltem a morar no Brasil.

Em 2008, sete anos depois de João Grande ser agraciado com o National Heritage Fellowship, Vieira foi convidado à Lar Branca para receber o mesmo prêmio. Na cerimônia, ouviu que ele era um “tesouro” para a cultura dos EUA.

Vieira descreve o que sentiu naquele momento. “Na minha cabeça veio: ‘eu gostaria de ser o tesouro pátrio do Brasil’, ele conta.

“Enfim, eu me sentia um legado cultural, eu estava levando a cultura baiana e brasileira para o mundo”, ele diz.

Na célebre Chiclete com Banana, gravada por Jackson do Pandeiro em 1959, os compositores Gordurinha e Almira Castilho prometeram só botar “bebop no meu samba quando Tio Sam tocar um tamborim”.

O berimbau, ele já está aprendendo a tocar.

Esse texto foi publicado originalmente cá.

Folha

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