Como A Cor Púrpura Denuncia Racismo Em Espetáculo Musical

Como A Cor Púrpura denuncia racismo em espetáculo musical – 07/02/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Racismo e misoginia são temas indissociáveis do romance “A Cor Púrpura”, clássico da literatura americana escrito por Alice Walker e laureado com o prêmio Pulitzer em 1983. Por sua rijeza e dificuldade, é difícil pensar na história se desdobrando em números musicais suntuosos, coloridos e dançantes.

É por isso que a novidade versão cinematográfica do livro, que chega aos cinemas nesta semana, deve enganar uma parcela mais desavisada de espectadores. Se o trailer da adaptação dirigida por Steven Spielberg nos anos 1980 dava uma exemplar das violências que a protagonista Celie enfrentava, o desta faz a trama parecer uma fanfarra.

Há fardo dramática, simples, mas atenuada por músicas e coreografias que tornam discussões relacionadas a ódio racial, ataque sexual e psicológico, violência doméstica, tortura e homofobia, no mínimo, mais palatáveis.

“Eu sei que muita gente vê ‘A Cor Púrpura’ porquê uma história hiper-violenta e sombria, e isso tem a ver com a vida dos negros, ao menos nos Estados Unidos, enquanto uma dicotomia feita de alegria e dor”, disse Blitz Bazawule, rapper e artista plástico ganense que assume a direção, quando esteve no Brasil, em novembro.

“Mas é impraticável mostrar somente a dor, portanto precisamos oscilar, porquê na vida real. Eu também sabia quando a violência era necessária, e de que maneira era necessária para não ser glorificada. O estabilidade veio de forma oriundo, até porque decidimos desde o princípio que a música deveria nascer das circunstâncias, deveria servir para aumentar os sentimentos. As canções não podiam desabar do firmamento aleatoriamente, porquê em outros musicais.”

Assim, as marteladas numa placa de madeira ou o trotar de um cavalo criam o ritmo necessário para um dos personagens irromper em cantiga, antecipando o público para os sons de orquestra que se avolumam aos poucos. Era necessário ritmo, resume Bazawule.

Não que a procura por claro realismo tenha freado as ideias mais mirabolantes do diretor. Numa das canções de paixão de “A Cor Púrpura”, a protagonista Celie vai limpando o corpo imerso numa banheira de Shug Avery, cantora sexualmente liberta e dona de si, até que no rodar da câmera o quarto à sua volta se transforma num imenso gramofone.

Ao recorrer para certa fantasia, diz Bazawule, foi verosímil transmitir de forma mais eficiente as emoções dos personagens. E há muitas emoções para mostrar.

“A Cor Púrpura” narra a história de Celie e sua mana, Nettie, desde a puerícia numa cidade rústico da Geórgia, nos Estados Unidos. Abusada pelo pai, ela é levada por um varão mais velho que quer uma mulher para cuidar dos filhos e da lar.

No novo lar, a protagonista vai amadurecendo, apesar de ser rotineiramente calada pelas agressões físicas e verbais do marido, Mister. Ele, ainda, nega abrigo à mana e passa a proibir que as duas se comuniquem por cartas. É só quando Shug Avery, idoso paixão do valentão, aparece na cidade que ele começa a tratá-la com o mínimo de distinção.

Em paralelo à jornada da protagonista, “A Cor Púrpura” acompanha ainda personagens submetidos a outros tipos de violência. Harpo é traumatizado pela truculência com que Mister o criou; Sofia fala o que pensa, até ser presa por não concordar as humilhações de uma mulher branca; Squeak vê seus sonhos de ser artista podados logo na raiz, e até Shug Avery carrega dores de seu lar religioso.

Tudo isso acontece num espaço de murado de três décadas, entre 1910 e 1940. Ser leal a elas era outra prioridade de Bazawule, que tomou caminho contrário ao que estamos acostumados a ver em filmes de estação, mais sóbrios e cinzentos, inundando seu “A Cor Púrpura” de cores.

“Nós queríamos ir além das fotografias de registo, queríamos conquistar o cintilação do suor na pele das pessoas numa estação em que não havia ar condicionado ou ventilador. Essa foi a nossa maneira de aproximar o filme do público, deixando-o vívido. Da mesma forma, a coreografia pega emprestado os passos de dança da estação, construindo uma proximidade.”

Mas há precedente na versão mais espetacular de “A Cor Púrpura”. Entre o filme de Spielberg e o de Bazawule, a história foi levada aos palcos da Broadway, onde ficou em edital entre 2005 e 2008 e recebeu 11 indicações ao Tony, o maior prêmio do teatro americano. Não demorou muito para inspirar uma novidade montagem nova-iorquina, também celebrada, e mais outra, desta vez brasileira, que passou por diversas cidades entre 2019 e 2023.

Não é um caminho incomum o dos filmes que viram musicais nos palcos de Novidade York e Londres e, depois, retornam às telas, desta vez acompanhados de música e dança. No mês pretérito, Regina George e suas meninas malvadas trilharam o mesmo caminho.

Longe da plasticidade daquelas patricinhas, no entanto, “A Cor Púrpura” quer atrair o público seguro à densidade do livro original e ao melodrama do filme dos anos 1980. Por isso, Bazawule buscou as bênçãos de Walker –que chorou de emoção ao escoltar um dia de gravação– e de Spielberg, que lhe disse que a história agora era dele, e que ele deveria fazer o que muito entendesse com ela.

A aprovação veio ainda acompanhada de créditos de produção para a autora e o cineasta, o que ajudou o projeto a ir para frente. Oprah Winfrey, que nos anos 1980 deu vida a Sofia, também entrou porquê produtora da empreitada.

Na novidade versão, o papel ficou com Danielle Brooks, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante pelo trabalho. Já a protagonista Celie, antes vivida por Whoopi Goldberg, foi para Fantasia Barrino, vencedora do programa de calouros American Idol que já a encarnou nos palcos da Broadway. Completam o elenco da novidade versão Taraji P. Henson, Colman Domingo, Corey Hawkins e os cantores Halle Bailey, Jon Batiste e H.E.R.

Os rostos podem até ter mudado, e a adaptação pode até estar distante em quatro décadas da publicação do livro, mas a história continua relevante porque, Bazawule lamenta, a sociedade pouco evoluiu com o passar do tempo.

“Violência de gênero, racismo ou discriminação pela orientação sexual não sumiram, só passaram a operar nas sombras. Eles ainda ditam, sem incerteza, porquê a nossa sociedade funciona. Esse filme faz uma denunciação à nossa sociedade.”

Colaborou Pedro Strazza

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *