Como A Ditadura Afetou Vida E Arte De Sebastião Salgado

Como a ditadura afetou vida e arte de Sebastião Salgado – 07/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Sebastião Salso estava muito longe de moradia. Em 1969, com o recrudescimento do regime militar, ele e a esposa, Lélia Wanick Salso, tinham fugido do Brasil e se exilado na França. Por isso, é fácil entender a reação dos dois quando soldados com flores nos fuzis derrubaram a ditadura salazarista em Portugal, na Revolução dos Cravos. Eles queriam ver de perto.

“Um povo totalmente esmagado de repente se encontrou livre”, relembra Salso, hoje com 80 anos. “Foi um momento de referência para todos nós que sonhávamos com a liberdade.”

O parelha botou o rebento ainda pequeno em um sege popular e zarpou para Lisboa. Lá, o jovem fotógrafo registrou não só o que veio logo depois do 25 de abril de 1974 —sua câmera também documentou a derrocada do poderio colonial português, em um processo de quase dois anos, com a independência de países uma vez que Angola e Moçambique.

Esse trabalho será exposto a partir desta quarta-feira (10), no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, com curadoria de Lélia. A mostra faz secção da programação próprio do MIS em maio, dedicada à retrato, com individuais também de outros nomes, uma vez que Gabriel Chaim e Thereza Eugênia.

No caso de Salso, a exposição serve para ver o momento de formação do fotógrafo brasílio de maior sucesso —finalmente, foi ali que ele primeiro se projetou internacionalmente. Aliás, a mostra também ajuda a prever outro ponto pouco falado da biografia do artista: sua atuação política, inclusive em organizações de esquerda.

“Aprendi a fotografar e aprendi muito de política em Portugal”, diz ele. “Os governos se formavam e caíam em uma semana. Foi o despertar de uma pátria. Além do trabalho, participamos de reuniões políticas, porque a esquerda de todo mundo estava lá: a brasileira, a francesa, a alemã…”

Economista de formação marxista, Salso levou a política para todo o seu trabalho, com séries sobre trabalhadores, o mina e os grandes êxodos de pessoas pelo mundo, entre outros.

“Quando chegamos à França, Lélia e eu éramos maoístas. Vivíamos na embaixada da China buscando o livrinho vermelho para partilhar em Paris. Depois, viramos marxistas-leninistas”, diz o fotógrafo.

Essa atuação já era possante no Brasil. No início de sua militância, Salso foi secção da Ação Popular. Depois, quando terminou o mestrado na Universidade de São Paulo, usou essa formação também uma vez que economista.

“De tarde, eu trabalhava em uma empresa fazendo um projecto econômico para a região leste. Eu era responsável pelo setor de cultura e fazia um projecto dentro dos princípios socialistas. Tudo o que eu ganhava, eu doava para a organização”, afirma.

O fotógrafo prefere não revelar para qual grupo dava todo seu numerário. Mas era uma organização de resistência armada que, depois do AI-5, resolveu que os mais jovens deveriam ir embora do país —entre eles, Sebastião e Lélia.

Documentos do regime consultados pela Folha, hoje no Registo Vernáculo, mostram que a decisão ajudou mesmo a proteger o parelha.

Agentes do Serviço Vernáculo de Informações (SNI), o todo-poderoso aparelho de espionagem da ditadura, andaram detrás do jovem economista e estavam atentos à atuação dele no exterior. Com sua carência do país, nunca conseguiram desvendar muita coisa e não chegaram a desvendar precisamente o envolvimento dele com qualquer grupo armado.

Ao que tudo indica, Lélia nunca foi invenção. A única referência a ela é uma vez que “Lélia de tal”, uma vez que esposa de Salso.

A ditadura só se atentou para a militância do fotógrafo em 1974, quando ele já estava há cinco anos fora do Brasil. Naquele ano, o nome dele apareceu em uma agenda apreendida com um militante de esquerda —e também é citado em um prova de outra pessoa aos militares, uma vez que alguém que apoiava exilados que chegavam à França.

“Ajudávamos os brasileiros que chegavam cá torturados. Médicos de esquerda entravam clandestinamente com esses brasileiros em hospitais franceses, conseguiam quartos, assistência…”, diz ele.

Salso e Lélia também se viravam para levantar numerário para a iniciativa.

“Viajávamos a França inteira. Fazíamos sarau, vendíamos empadinha, quibe. A Lélia até dançava, mostrava o que era o samba brasílio, para conseguirmos fundos para a desculpa. As pessoas chegavam cá completamente destruídas e precisavam alugar um apartamento, de um mínimo de móveis.”

A única vez que a ditadura chegou perto de associar o fotógrafo à luta armada está em documento do SNI de 1977, que diz que o grupo de suporte do qual Salso fazia secção era “constituído por terroristas brasileiros originários da ALN, PCdoB, MR-8 e VAR-Palmares”.

O traje de estar em uma lista de brasileiros ligados à subversão criou uma dificuldade séria para o fotógrafo que precisava viajar para todo quina: em perceptível ponto, o governo brasílio se recusava a renovar o passaporte de Salso.

Documentos da Repartição de Segurança e Informações do Itamaraty mostram a deliberação interna quando ele tentava conseguir o documento. Um deles registra a ida do diretor da filial Gamma à embaixada brasileira em Paris, para explicar uma vez que o passaporte era importante para o trabalho do jovem funcionário.

O Itamaraty, portanto, diz em telegrama à embaixada: “Nascente documento e a cobertura que lhe proporciona a filial Gamma são instrumentos valiosíssimos para o cumprimento de suas missões subversivas contrárias ao governo brasílio”.

“Foi terrível, ficamos sem passaporte brasílio muito tempo. Entrei com pedido de passaporte gálico, mas continuei lutando pelo meu documento brasílio”, afirma Salso.

Esse currículo político foi precípuo para a cobertura da Revolução dos Cravos e tudo o que veio depois dela.

Por fim, a insatisfação dos militares que derrubaram o salazarismo estava ligada às guerras coloniais na África, onde jovens portugueses morriam e eram mutilados. Com a queda da ditadura lusitana, esses conflitos continuaram até resultar na independência —um longo processo que exigia de salso uma aguda leitura política.

“Minha formação ideológica me deu uma vantagem imensa. Eu tinha que ter uma capacidade de síntese, porque tinha só três ou quatro dias para somar em imagens o que estava acontecendo”, diz o fotógrafo.

“Fiz o término da guerra colonial e, depois da independência, o desabrigo da África, quando as forças portuguesas passaram o poder para as forças locais. A história da Revolução dos Cravos foi a história africana.”

Folha

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