Por casualidade, o baterista Brian Blade encontrou o Brasil em Novidade Orleans. “Havia o Moca Brasil, que era um bar de um companheiro, o Adé Salso, e ele nos deixava tocar ali, e por lá ouvi sambas, ouvi Toninho Horto”, conta o baterista, que estreia no Brasil seu conjunto, The Fellowship Band, uma vez que segmento da programação do C6 Festival em apresentação no dia 23 no Parque Ibirapuera.
Blade é segmento de uma longa ponte entre o Brasil e o mundo hoje renovada por artistas que exploram o jazz entre pop, cantiga e pista de dança. É o caso da britânica Nubya Garcia, fã declarada de Os Tincoãs, do grupo londrino Ezra Collective, de quem baterista, Femi Koleoso, bate cartão na quadra do Vai-Vai sempre que vem a São Paulo, e da norte-americana Esperanza Spalding, que lançou um disco em parceria com Milton Promanação em 2024.
“Tenho Milton Promanação uma vez que um mentor”, afirma Blade. “Eu me apaixonei pela música dele desde a primeira vez que a ouvi num álbum do Paul Desmond, que regravou a tira ‘Irmão de Fé’. Resolvi aprender a tocar essa música, e isso se tornou um pouco muito pessoal, tanto que fiz uma versão para um disco meu com canções sobre minha família, minha puerícia e juvenilidade —e Milton autorizou que eu a regravasse.”
No disco “Pomo Rosa”, de 2009, Blade estreia uma vez que violonista e cantor ao adentrar uma importante seara do jazz, a espiritualidade. Cânticos do gospel preto americano servem de caminho para o músico, que revisita formas tradicionais do cancioneiro da região estuária de Novidade Orleans, causa do jazz. É uma base que também serve para o projeto que ele traz ao Brasil.
“Existe uma dualidade na música brasileira em que há um sentimento edificante, mas as mensagens podem ser tristes também, e isso é um pouco que senhoril,” afirma o jazzista, que também tem nomes uma vez que Elis Regina, Tom Jobim e Hermeto Pascoal no seu rol de inspirações. Nascente último foi regravado por Blade em parceria com o pianista brasiliano André Marques no álbum “Viva Hermeto”, de 2014. “Ele faz música com qualquer coisa”, diz.
Entre subjetividades e formações históricas, Blade acredita que a aproximação entre o jazz e a música brasileira se produz na matriz africana. “Sinto que existe um parentesco, não só por minha geração músico no sul da Louisiana, mas por esse trajeto da música que é feita no Brasil e em outros países, um trajeto que vem da África”, diz Blade. “Mesmo que eu não fale português, quando eu prelúdios a tocar, estamos conversando.”
Músico norte-americano e um dos fundadores do Jazz is Dead, misto de selo e produtora de shows focada em música brasileira, Adrian Younge acredita que um fator importante desse contato é a força das culturas negras brasileiras na principal música do país. “Houve um tempo em que o samba foi proibido, mas ali nos anos 30, esse gênero passa a ser nacionalizado”, diz ele. “Naturalizar uma música de raízes africanas é um pouco que não foi feito nos EUA, onde o jazz deveria também ser uma música pátrio”.
O resultado desse processo é, hoje, duvidoso: ao mesmo tempo em que medalhões da música brasileira existem fora da linguagem do jazz, eles também são louvados por antigas e novas gerações de jazzistas —é uma vez que se a música brasileira fosse jazz, ou o contrário. “O show que fizemos com Milton em Los Angeles teve participação de Herbie Hancock, Sergio Mendes, Stanley Clark”, lembra Younge. “Milton é jazz.”
Para Younge, a procura de jovens jazzistas por clássicos da música brasileira também pode fomentar uma redescoberta em solo brasiliano. “É importante para essas lendas que eles saibam que novas gerações ouvem sua música, é importante mostrar reverência aos mais velhos”, afirma ele. “Às vezes é preciso um gringo que diga ‘isso aí é muito bom’, mas isso não é OK.”
Outro fator que leva a música brasileira mais longe no linguagem do jazz é o contato entre países além do giro norte-americano e europeu. “Há um caminho interessante do jazz atualmente em promover o diálogo das diferentes diásporas do mundo”, afirma Laércio Costa, diretor da produtora especializada em jazz 78 rotações. “É o caso de artistas uma vez que Nubya Garcia e Shabaka Hutchings, ambos com origens no Caribe, e a própria Esperanza Spalding”.
A relação de mercado também está menos desequilibrada. Até a última dezena, a via era essencialmente de mão única, com Estados Unidos fornecendo artistas para festivais e casas de shows em outros países. Alguns poucos artistas brasileiros brigavam por reconhecimento nos principais palcos do jazz, caso de Dom Romão em Novidade York e Tânia Maria em Paris. Hoje, a rota se abre à mão dupla e a outros países da diáspora negra.
“Produtores, arranjadores, engenheiros de som, empresários passam a entrar em novas comunidades, onde se trabalha de formas dissemelhante e há novos mercados de consumo, que nunca deixaram de ser ávidos pela nossa produção”, explica Costa. “Nesse sentido, a música não é unicamente show, mas também venda de catálogos, licenciamento, publicidade e inserção de profissionais brasileiros em cadeiras importantes do setor músico no mundo”.