Não basta o brasílico torcer na internet. Para que “Ainda Estou Cá” e Fernanda Torres tenham chance de ser indicados ao Oscar, a equipe por trás do filme precisa obedecer não só várias exigências técnicas, uma vez que defender pelo longa, o que inclui eventos glamorosos em Hollywood, bate-papos em programas de TV americanos, pré-estreias mundo afora, tapetes vermelhos e um volta de festivais de cinema.
É o que contam o diretor Walter Salles, o produtor Rodrigo Teixeira, e a própria atriz, protagonista do longa escolhido para simbolizar o Brasil na disputa do próximo Oscar, marcado para 2 de março.
O trio, além do ator Selton Mello, está envolvidos até o pescoço com negócios relacionados à campanha do filme há pelo menos dois meses, quando “Ainda Estou Cá” estreou no Festival de Veneza, onde ganhou o prêmio de melhor roteiro.
O troféu do evento italiano ampliou a visibilidade do filme em território estrangeiro, e, por consequência, suas chances no Oscar.
Para disputar a categoria de filme internacional, uma produção precisa ter sido exibida por no mínimo sete dias consecutivos em um cinema mercantil de qualquer país, ter mais da metade do seu áudio em linguagem dissemelhante do inglês, e não pode ter sido disponibilizada em outras plataformas antes de estrear nos cinemas. Deve obedecer ainda a outras minúcias, uma vez que níveis mínimos de qualidade do áudio e do vídeo, que podem ser lidas no site do Oscar.
“Ainda Estou Cá” passou no teste. Exibido depois no Festival de Toronto e elogiado pelos principais veículos de mídia americanos, o filme passou a ser indicado uma vez que um concorrente potente ao troféu, com chances também para o Mundo de Ouro, que revela seus indicados em 9 de dezembro.
A Sony Pictures, distribuidora nos Estados Unidos, submeteu o longa também às categorias de atriz, para Torres, ator coadjuvante, para Mello, à direção de Salles, a retrato, edição e roteiro apropriado do livro de Marcelo Rubens Paiva.
A única atriz brasileira já indicada ao Oscar, há duas décadas, foi Fernanda Montenegro por “Médio do Brasil”, filme de Salles que também concorreu a melhor filme estrangeiro. Agora é Torres, sua filha, quem pode quebrar esse marasmo —ela vem ganhando tração uma vez que uma provável nomeada ao troféu de atriz, disputa acirrada que tem na corrida também estrelas uma vez que Nicole Kidman, por “Babygirl”, e Demi Moore, com “A Substância”.
A força de Torres cresceu graças à torcida vernáculo nas redes sociais. Ficou evidente para os americanos, diz o produtor Rodrigo Teixeira, o poder de audiência da brasileira depois uma foto dela no Instagram do Oscar receber 2,8 milhões curtidas, murado de 50 vezes mais que a de Moore.
A pré-lista de indicados à premiação sai em 17 de dezembro. Até lá, a equipe do filme se esforça para prometer que ele seja visto pelas pessoas da Ateneu de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos —ou seja, os votantes do Oscar.
Para isso, a Sony levou o filme a outros festivais de renome, uma vez que o de Novidade York e Los Angeles. Depois, organizou sessões com plateias repletas de votantes do Oscar. Essas projeções são seguidas de entrevistas coletivas com o elenco, fundamentais para a promoção do filme.
A Creative Artists Agency (CAA), importante dependência de atores em Los Angeles, exibiu “Ainda Estou Cá” depois de uma introdução emotiva do ator Sean Penn, que já venceu o Oscar duas vezes.
“Ele fez um exposição lindo, dizendo que assistiu ao filme no dia da vitória de Donald Trump, e do quanto o filme o impactou”, diz Torres. “Ainda Estou Cá” retrata um dos períodos políticos mais duros do Brasil, e mostra uma vez que o regime militar sequestrou e matou o ex-deputado Rubens Paiva, deixando sua família à deriva.
A atriz passou 25 dias em Los Angeles frequentando essas exibições. Ou por outra, ela e Mello reservaram um dia inteiro às entrevistas para os mais diversos veículos —a brasileira foi chamada de ícone global pela revista Vanity Fair. Ela ainda participou de uma sabatina com os votantes do Mundo de Ouro.
Houve também um evento diurno promovido pelo veículo especializado Deadline, onde atores e diretores tinham dez minutos para vender seu peixe aos votantes do Oscar. Ali, Torres dividiu a coxia com Steve McQueen e Saoirse Ronan, por exemplo, que tentam indicações para o filme “Blitz”. Depois, na saída, cruzou com o espanhol Pedro Almodóvar, que estava escoltado das atrizes Tilda Swinton e Julianne Moore, do filme “O Quarto ao Lado”.
Teixeira, membro da Ateneu desde 2016, afirma que o maior repto é convencer os outros votantes a restaurar tempo para ver um filme feito no Brasil. “‘Ainda Estou Cá’ se beneficia do nome de Walter Salles, que já tem uma história em Hollywood”, diz, lembrando de “Médio do Brasil”. “Existe saudação pela obra dele.”
“Ainda Estou Cá” tem uma vantagem —será visto por uma Ateneu mais diversa que a de 20 anos detrás, com votantes de vários pedaços do mundo, no rastro de regras recentes que visam dar visibilidade a filmes de grupos minoritários, entre eles, os latinos.
“Hoje, o universo de votantes se ampliou geograficamente”, diz Salles. “Mas a Ateneu ainda não é equilibrada. Os países da América do Sul juntos têm aproximadamente o mesmo número de votantes que a França.”
O cenário vem mudando desde 2020, quando o sul-coreano “Verme” fez história uma vez que primeiro filme de língua estrangeira a vencer a estatueta de melhor filme.
“É um trabalho pesado, de formiguinha”, diz Torres, que embarca para Londres na próxima semana, onde continuará a campanha. Lá ela deve participar de outros eventos para exibir o filme, um deles liderado pelo cineasta mexicano Alfonso Cuarón.
Torres tem tido de se avezar com outra secção da campanha pelo Oscar —o glamour. Entendeu a preço e os detalhes de se vestir muito, de emanar uma presença potente e de falar bom inglês.
“O tapete vermelho é onde você se apresenta fora da tela, onde se cria uma imagem personificada de quem realizou o filme. No caso de uma mulher, ainda tem a maquiagem, o cabelo e a roupa, que não é simples de concertar. Não pode ser muito nem pouco, não pode ser deslumbrada nem pé-rapada.”
“A loucura também inclui jantares e almoços informais, que te aproximam do pessoal da indústria”, diz.
Foi mais ou menos o que aconteceu com Alê Abreu, diretor de “O Menino e o Mundo”, animação brasileira indicada ao Oscar há oito anos. Na ânsia de sovar os grandes estúdios americanos —uma vez que a Pixar, que concorria e venceu com “Divertida Mente”—, o paulista viajou a Los Angeles uma vez que se fosse à guerrilha.
Ficou surpreso, portanto, ao ser recebido com simpatia. “O Pete Docter [chefe da Pixar], sentou no pavimento, ao meu lado para sovar papo e relatar uma vez que tinha ficado fã do filme”, diz. “E os jantares são uma vez que a confraternização de um consórcio. Na tua mesa pode ter um ator indicado, na outra o Steven Spielberg, na outra a Lady Gaga, e dá para conversar com quem quiser.”
A campanha de “Ainda Estou Cá” se intensificou nas últimas semanas, depois o filme chegar aos cinemas brasileiros, onde fez estrondo, tendo superado 2 milhões de espectadores, marca rara para dramas, o que deve sagrá-lo a produção vernáculo mais vista do ano.
Para Torres, leste é um dos maiores feitos do longa, que, para além de Hollywood, já ganhou a terreno que a fez atriz.