Relatos ganharam milhões de visualizações e trouxeram à tona histórias de tortura, exílio e perseguição. O pai de Maria Petrucci sofreu traumas e sempre falava sobre o objecto com muito receio e temor
Maria Petrucci/Registro Pessoal
Maria Petrucci, de 22 anos, teve o pai recluso por militares durante a ditadura no início dos anos 1970.
Luana Lungaretti, de 22 anos, também sofreu com a tortura e prisão do pai por agentes no DOI-CODI, na mesma dezena.
Já Elisa Nunes, de 21 anos, teve a avó exilada na França durante dez anos nesta mesma estação.
As três jovens, de idades semelhantes, compartilham histórias de familiares marcados pela repressão do regime militar brasiliano, que durou 21 anos.
Os relatos foram compartilhados graças a uma trend no TikTok, inspirada no filme Ainda Estou Cá, do diretor Walter Salles, e que rendeu postagens virais, com mais de quatro milhões de visualizações.
Um dos primeiros vídeos foi o de Maria, onde ela segura a foto 3×4 do pai, recluso na estação, e escreve: “O impacto de ver esse filme sendo filha de um recluso político da ditadura que hoje tem Alzheimer em estado avançado”.
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O post tinha uma vez que trilha sonora a música “É Preciso Dar um Jeito, Meu Companheiro”, do cantor Erasmo Carlos, e que compõe o longa.
Depois essa publicação, outros jovens começaram a compartilhar relatos sobre pais e avós que sofreram com a perseguição, destacando uma vez que o filme se tornou um marco para que o tema fosse falado claramente.
“Eu não imaginei que ia ter essa repercussão e muitas pessoas jovens perguntando o que foi a ditadura. Fiquei feliz que pude contribuir para que outras pessoas pudessem ter mais consciência de todo o prejuízo que muitas famílias sofreram. Vi um paralelo com a história do meu pai”, diz Maria.
Codinome Frederico
Logo que ingressou na faculdade de gestão pública na dezena de 1970, o pai de Maria, Sérgio de Azevedo, hoje com 78 anos, entrou para o movimento estudantil e ajudou pessoas que eram perseguidas pela ditadura.
Ele e os amigos usavam um apartamento para salvar e acoitar indivíduos e deixá-los em segurança.
“Eles chamavam de ‘aparelho’ e funcionava uma vez que uma espécie de esconderijo. Para dificultar a identificação, ele também usava o nome de Frederico”, diz Maria.
Na estação, ele tinha uma amiga chamada Anita e os dois combinaram de se encontrar em uma terreiro no bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro. Ela demorou muito a chegar no sítio e quando ele e um camarada estavam indo embora, foram surpreendidos por militares.
“Os militares os pisotearam e os levaram para a penitenciária da Tijuca”, relembra a estudante.
Chegando ao sítio, ele passou cinco dias em uma cubículo, deitado em uma esteira no solo, com um militar armado ao seu lado.
“Ele ficou por volta de dois meses na prisão e, nesse meio tempo, ocorreram diversas situações que o impediram de ser torturado”, conta. Na primeira vez, segundo Maria, os militares haviam encontrado jovens de outro grupo e não realizaram a tortura.
“Provavelmente acharam um outro grupo mais significativo. E talvez não desconfiaram dele, porque ele realmente escondeu muita gente relevante no apartamento”, acrescenta.
Em um outro momento, ele foi levado para uma sessão de tortura na qual as pessoas eram chamadas em ordem alfabética.
Por ter o nome S, ele estava entre os últimos e, muito naquele dia, o horário para tortura havia feito. “Ele nunca agradeceu tanto por ser Sérgio e ter o S no nome”, relembra.
Em outro momento, um militar o acorda no meio da noite e pergunta se ele era o Frederico e diz “que não queria estar na pele dele e que ele havia derribado”.
Maria conta que o pai chegou a pensar que fora delatado pelos amigos, mas, ao chegar na sala de tortura, viu seu camarada ensanguentado e, mesmo assim, o companheiro disse que aquele não era o Frederico que os militares estavam buscando.
“Até hoje a gente não sabe se ele quis poupá-lo ou se não era ele mesmo. Ele passou ‘raspando’ por sessões de tortura”, conta a jovem.
Depois quase dois meses, ele consegue ser solto com a ajuda de um militar sabido da família, que o ajuda com argumentos de que ele tinha bons antecedentes e que já havia estudado no escola naval na puberdade.
Ao transpor da calabouço, Maria conta que o pai era vigiado incessantemente por militares e precisou mudar de lar. Ele havia pretérito em um concurso para ser fiscal de renda e sofreu ameaças para assumir o incumbência, o que o fez desistir.
“Eles não queriam que alguém contra o regime ocupasse um incumbência público”, conta.
Só depois de muito tempo e com uma liminar na Justiça, que ele conseguiu, de vestuário, pleitear o incumbência.
Depois, passou por processos de exílio, quando foi estudar para um mestrado no Chile e na Argentina, até retornar ao Brasil, nos anos 70.
Devido a todas as adversidades, Sérgio sofreu traumas e sempre falava sobre o objecto com muito receio e temor. “Ele falava inferior, falava com temor. Chegou a dar testemunho na Percentagem Pátrio da Verdade e ficou realmente nervoso”, relembra a filha.
Termo dos sonhos e Alzheimer
Mesmo não sofrendo tortura física, as sequelas psicológicas foram graves, de convénio com Maria. Ele conta que o pai tomou por muito tempo ansiolíticos e, mesmo posteriormente anos, ainda tinha receio de falar sobre tudo que viveu na prisão.
A estudante também relata que o pai parou de sonhar, literalmente, anos posteriormente transpor da calabouço.
“Ele não tinha mais a experiência de sonhar uma vez que as pessoas normais. Quando ele saiu da prisão, ele sonhava muito com tortura, tirando a camisa, a calça, para se ‘desidentificar'”, diz.
“Uma vez que fazia ataque de ansiolíticos, teve um comprometimento psíquico e neural. Portanto, ele realmente não sonhava com zero ou não se lembrava. E também não tinha mais esperança com a vida. Tornou-se uma pessoa muito pessimista”, acrescenta.
Em 2018, Sérgio foi diagnosticado com demência e a doença foi evoluindo. Ele precisou se retirar da faculdade em que dava lição e foi tendo uma piora no quadro de saúde.
Atualmente, por decisão da família, ele vive em uma ILPI (Instituição de Longa Permanência), e tem dificuldade em reconhecer as filhas. “Hoje, ele já está em estágio avançado do Alzheimer e muito debilitado. Tem dificuldade para se legar, para formar frase”, diz.
Mesmo diante da quesito, Maria acredita que os resquícios da ditadura ainda permanecem. “Uma vez eu estava cantando Chico Buarque para ele e ele disse para eu não trovar aquilo que iam me prender”, relembra.
Para a jovem, a identificação com o filme veio justamente daí, já que, para ela, a cena mais emblemática foi quando a atriz Fernanda Montenegro, que interpreta Eunice no término da vida, reconhece o marido na televisão e esboça reação sem expressar uma vocábulo.
“Foi muito impactante. Ela ressurge de si mesma. Fiquei muito comovida com esses paralelos”, diz.
Para ela, a obra é fundamental para preservar a história de todas as pessoas que passaram por qualquer tipo de tortura nessa estação, além de mostrar para outras que duvidam que isso existiu.
“Tenho relato de amigos que foram testemunhar com pais conservadores. E só de conseguirem ter empatia e entender o que pelo menos foi o regime militar, fico feliz. É muito importante a empatia que o cinema proporciona”, diz.
‘Meu pai foi torturado e teve o tímpano perfurado’
A estudante Luana Lungaretti, de 22 anos, cresceu ouvindo sobre o impacto da ditadura militar na vida de seu pai, Celso Lungaretti, hoje com 74 anos.
Jornalista e ex-guerrilheiro da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), ele foi recluso aos 19 anos em uma operação que desarticulou o grupo ao qual pertencia.
Celso foi recluso no dia 16 de abril de 1970 e levado para a sede do DOI-CODI, na zona setentrião do Rio de Janeiro.
Durante o tempo de detenção, foi submetido as sessões de tortura que incluíam choques elétricos e espancamentos.
“Choques nos dedos, nos testículos e com eletrodos atados nos ouvidos, de forma que sentíamos uma vez que se um relâmpago atravessasse nosso cérebro”, relembra Celso, em entrevista à BBC News Brasil.
Ele sofreu agressões pelo tenente Ailton Joaquim, que, segundo Sérgio, era considerado um dos mais violentos da estação. O militar chegou a ministrar uma lição prática de tortura na Vila Militar, em outubro de 1969, para um grupo de sargentos e oficiais.
“Em uma dessas sessões, ele teve o tímpano do ouvido recta estourado, uma lesão que resultou em anos de crises de labirintite e cirurgias”, conta Luana.
“Fiz três cirurgias, mas até hoje continua perfurado. O buraco só diminuiu de diâmetro, mas, se entrar chuva, infecciona”, afirma o jornalista.
Além dos danos físicos, as marcas psicológicas e sociais foram severas. “Ele passou quase um ano tentando se reerguer psicologicamente posteriormente a prisão. Ainda assim, enfrentou difamações e foi indiciado injustamente de delatar seus colegas. Isso o isolou de muitas pessoas e comprometeu sua curso profissional por décadas”, relata a filha.
Ele chegou a permanecer um ano recluso, e levou praticamente o mesmo tempo em que ficou em cárcere para se restabelecer. “Não tinha numerário para remunerar terapeuta, mas fui superando os traumas e revolta represada”, diz.
Segundo Celso, pelo menos 20 pessoas que ele conhecia pessoalmente foram assassinadas durante a luta armada ao participar de uma comunidade selecção, a invitação de antigos amigos dele da escola.
Para driblar a hostilidade e os preconceitos, ele chegou a usar pseudônimos para assinar trabalhos na prensa e conseguir trabalho.
A história do pai nunca foi um tabu dentro de lar. Desde cedo, Luana ouviu sobre o período repressor e uma vez que ele moldou sua visão de mundo.
“Meu pai nunca se calou sobre o que viveu. Ele sempre participou de debates, deu entrevistas e escreveu sobre o tema. Em 2005, publicou o livro “Náufrago da Utopia”, onde relata sua trajetória na guerrilha e as marcas deixadas pela ditadura”, ressalta.
Ao testemunhar ao filme “Ainda Estou Cá”, a estudante sentiu-se representada.”Foi impossível não me emocionar e pensar no que meu pai enfrentou. Era uma vez que se eu pudesse sentir, mesmo que minimamente, o que ele viveu na pele”, diz.
No entanto, a experiência foi marcada por limitações: tanto ela quanto Celso têm deficiência auditiva, e a privação de legendas nos cinemas brasileiros dificultou o chegada.
“Uma pessoa que me acompanhava precisou grafar pelo WhatsApp o que acontecia para que eu pudesse entender.” O pai da jovem ainda não conseguiu testemunhar ao longa, justamente pela falta de acessibilidade.
Documento mostra perseguição durante ditadura militar brasileira
Luana Lungaretti/Registro pessoal
A repercussão do filme e dos vídeos no TikTok, onde Luana compartilhou a história de sua família, é, para ela, uma oportunidade de conscientizar as novas gerações.
“A maioria que defende, muitas vezes, é influenciada por opiniões extremistas e, em alguns casos, sem fundamento sobre o objecto. Falta mais estudo e, principalmente, humanidade”, diz Luana.
Questionados sobre as pessoas que pedem para que a ditadura retorne, ambos são categóricos nas respostas. Para eles, proteger a volta desse regime é fruto da falta de informação.
“Tais pessoas, ou estão sendo enganadas por gente inescrupulosa que lhes impingem mentiras cabeludas aproveitando sua inocência, ou são seres desumanos ao extremo”, diz Celso.
A filha ainda faz um apelo para que essas pessoas se coloquem no lugar das minorias, de quem perdeu alguém e de quem teve que lutar.
“Viver com temor, viver sendo vigiado, viver sob cautela o tempo todo, viver sem direitos. Isso não é viver, e não podemos permitir que se repita.”
‘Minha avó ficou exilada por dez anos na França’
A avó da estudante Elisa Nunes, Vera Tude de Souza, precisou desabitar sua vida no Brasil durante a ditadura militar.
“Minha avó era muito jovem, praticamente da minha idade, e teve que largar tudo para seguir meu avô, que era da luta armada. Ela não era militante, mas ajudava pessoas perseguidas, uma vez que o Rubens Paiva”, conta Elisa.
Vera acabou sendo identificada pelas autoridades posteriormente ajudar na fuga de um camarada, que acabou tomado. A situação se tornou insustentável, e ela partiu para o exílio na França em 1969. Lá, ingressou no Partido Comunista Gaulês e passou a observar as diferenças sociais e políticas em relação ao Brasil.
“Ela via uma vez que políticas públicas, saúde e ensino de qualidade mudavam a vida das pessoas, e isso marcou muito a visão dela”, explica a neta.
Mesmo politicamente ativa no exílio, sua avó enfrentou dificuldades financeiras. Sem formação acadêmica completa, fez trabalhos manuais e passeava com cachorros para sustentar as filhas gêmeas. “A ditadura roubou isso dela, e ela teve que se virar com o que dava para fabricar minha mãe e minha tia”, relata Elisa.
Segundo a jovem, a avó conta que o período, apesar dos desafios, foi importante para a formação política dela, que agora tem 81 anos. “Ela nunca escondeu essa segmento da vida para a família, sempre contou suas experiências. Foi uma estação difícil, mas que trouxe muito estágio para ela e meu avô.”
Elisa também explorou a história da avó em sua monografia do ensino médio, que abordava o papel das mulheres na ditadura.
“Usei os relatos dela para mostrar uma vez que era ser mulher na risca de frente naquele período. Foi muito próprio trazer essa memória para o trabalho”, afirma.
A identificação da família com o filme de Walter Salles foi imediata. “Assistimos juntos porque sabíamos que nos reconheceríamos nos personagens. Somos uma família de classe média, e a trajetória deles lembra muito a da minha avó.”
Ao levar a história de Vera para o TikTok, a estudante quis evidenciar a força e resiliência da avó.
“Ela é uma heroína invisível, a mulher que eu mais admiro no mundo. É importante relatar essas histórias para que ninguém esqueça o que aconteceu e para que possamos entender melhor nosso pretérito.”
Para Elisa, a falta de punição aos responsáveis pelo regime contribui para o esquecimento coletivo.
“Os culpados nunca foram punidos, e isso cria um fator de esquecimento muito grande nas pessoas. Muitos defendem a ditadura sem saber o que realmente aconteceu”, diz
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Fonte G1
