Ainda Estou Aqui Converte História De Filho Numa De Mulher

Como Ainda Estou Aqui virou sucesso além da briga política – 19/11/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Não é todo dia que um filme consegue ultrapassar 1 milhão de espectadores em unicamente duas semanas de exibição, com salas lotadas com antecedência. É evidente que a recepção de “Ainda Estou Cá” no Festival de Veneza e o prêmio de melhor roteiro colaboram com isso. Mas “Bacurau”, há alguns anos, ganhou um prêmio até maior, o Privativo do Júri, em Cannes e, depois de toda a curso em cinemas ser encerrada, não tinha chegado ao milhão de espectadores.

É evidente que “Ainda Estou Cá” se beneficiou de vários fatores laterais. Trata-se do que a publicidade costuma invocar de “uma história real”. Tem no núcleo uma mulher que supera uma situação tremendamente adversa —Eunice Paiva—, interpretada por Fernanda Torres, uma atriz carismática e que, no mais, tem uma tradução discreta e muito eficiente.

O roteiro é evidente e objetivo, evita desabar em armadilhas —uma vez que deter-se no acidente que deixou Marcelo Rubens Paiva tetraplégico—, trabalha muito muito as elipses e faz o filme proceder sem trancos. É verosímil expressar ainda que Walter Salles Jr. é uma pessoa vista com simpatia pela mídia —e, não à toa, ele é uma pessoa simpática.

Mas é verosímil observar, ao mesmo tempo, alguns limites. O filme quase esconde o trajo de Rubens Paiva ter sido um varão bastante envolvido com política. Foi deputado, cassado pelo regime militar e é improvável que sua prisão —arbitrária, sabe-se— tenha ocorrido sem nenhuma razão determinada, uma delação ou alguma coisa do tipo.

Não é uma preterição casual. Ela praticamente induz à crença de que Paiva era unicamente um engenheiro hipotecado em edificar uma morada. Isso não significa nem mesmo que ele tivesse envolvimento mais profundo com alguma organização guerrilheira, mas introduz uma incongruência na narrativa.

Essas contradições não convêm a Salles, dos quais estilo tem por particularidade passar incólume por esse tipo de tropeço.

E esse talvez seja essa uma enorme virtude do filme, conforme me disse uma técnico em filmes brasileiros de grande bilheteria —ele sabe uma vez que evitar as pequenas armadilhas que poderiam prender o filme a isso que se labareda “a bolha”.

Ressalta-se o caráter heroico, uma vez que se diz, da atuação de Eunice. Com efeito, é por buscar informações sobre o marido que ela acaba jogada numa masmorra. Em seguida perder a esperança de revê-lo, comporta-se uma vez que uma mãe réplica, que se torna advogada especializada em direitos humanos ao mesmo tempo em que se ocupa dos filhos, de modo a que todos possam estar juntos e, apesar das marcas, tão unidos uma vez que no tempo em que o pai era vivo.

Por isso mesmo é verosímil perguntar por qual razão, se somarmos a audiência de todos os filmes de Lucia Murat —para dar exemplo de uma cineasta muito íntima de questões uma vez que tortura, arbitrariedades e tudo mais de infame praticado pela ditadura brasileira—, fica longe de obter a marca a que “Ainda Estou Cá” chegou em duas semanas.

Murat é uma cineasta que enfatiza o caráter político da ditadura. Walter Salles consegue diluir habilmente esse caráter sob o melodrama familiar —a dor da mulher, seu valor, a atenção à família passam avante.

É desse modo que o responsável consegue contrabandear o sequestro, tortura, assassínio e ocultação do morto de Rubens Paiva sem ofender o testemunha e a espectadora talvez conservadores, porém civilizados, que não suportam saber uma vez que um varão de valor pode ser vítima de tais barbaridades —sem narrar as que vitimaram Eunice.

É importante expressar que “Ainda Estou Cá”, por mais que se note seus limites, não se confunde em momento qualquer com “O que É Isso Companheiro?”, de Bruno Barreto, onde inocentes estudantes são mal orientados por militantes maduros e mal-intencionados.

“Ainda Estou Cá” não ofende nem mesmo esses senhores de Higienópolis, que em qualquer momento talvez tenham descoberto boa essa teoria de ditadura —ou autoritatismo—, que flertaram com ela, mas perceberam os riscos que traz para as pessoas.

Por isso mesmo o Rubens Paiva de “Ainda Estou Cá” não é um personagem político, mas antes de tudo um pai de família. Por isso mesmo somos tentados a vê-lo uma vez que “puro”, quase apolítico e, por isso, vítima de uma injustiça.

Se não fosse assim, talvez o filme tivesse, até agora, uns 50 ou 100 milénio espectadores e estivesse a caminho de ser ejetado das salas de exibição.

Supra de qualquer consideração subjetiva, o filme é um sucesso fabuloso e caminha, célere, para se tornar um mito. Para terminar: o cinema brasílico precisa, mais do que nunca, de sucessos estrondosos uma vez que não se conhece desde a morte de Paulo Gustavo.

Folha

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