Com mais de 40 novelas no currículo, a atriz Arlete Salles estava determinada a diminuir o ritmo de trabalho. “Tinha falado isso para quem quisesse ouvir. Só que foi justamente quando comecei a trabalhar mais.”
No ano pretérito, ela recebeu dois convites difíceis de recusar. O primeiro para participar de “Dona Lurdes: O Filme”, derivado da romance “Paixão de Mãe” estrelado por Regina Casé, e o segundo para protagonizar “Família É Tudo”, romance que estreia nesta segunda-feira (4) na fita das 19h da TV Orbe. “Quando comecei a gravar a romance, estava muito angustiada.” Finalmente, na trama de Daniel Ortiz, o trabalho de Arlete é dobrado.
Ela encarna o clichê das irmãs gêmeas opostas. Frida é uma mulher vivaz e amorosa que tenta reaproximar os cinco netos, que se afastaram depois a morte do pai. Catarina, por outro lado, é soturna e invejosa. Ela é sustentada pela mana e se ressente por seu rebento não ter recta ao patrimônio dela.
Em um acidente de cruzeiro, Frida desaparece e é dada uma vez que morta. O testamento da matriarca deixa a família em polvorosa. Se quiserem ter aproximação à riqueza, os netos precisarão morar juntos por um ano e deixar as diferenças de lado.
Quando foi escalada, a atriz se questionou uma vez que conseguiria mostrar ao telespectador as diferenças entre duas personagens fisicamente idênticas. Encontrou a resposta no texto de Ortiz.
“Os sentimentos estavam claros ali. Elas representam o muito e o mal. Uma é iluminada, enxurrada de vida; a outra se recolheu e escolheu o lado mais escuro da vida.”
Apesar de ter mais de cinco décadas de curso, o insensível na bojo que antecede uma estreia não vai embora. “A gente está vivendo esses momentos com muita expectativa e impaciência. Queremos saber uma vez que a história vai percutir no público e se ele vem com a gente.”
São preocupações que se tornam ainda mais prementes diante da baixa audiência de “Fuzuê”, antecessora de “Família É Tudo”. Com 19,2 pontos de média em São Paulo, ela se tornou em dezembro a romance das sete menos vista da Orbe.
Problema parecido acontece na fita das seis horas. “Elas por Elas” também se tornou a romance com a menor audiência para o horário. Diante desses números, uma pergunta é quase inevitável –o Brasil está perdendo interesse por novelas?
“Na verdade, acho que existem mais opções”, diz Arlete. “São mais canais, produções e plataformas de streaming. É difícil segurar a atenção do público. Mas acho que ainda teremos sucessos na teledramaturgia. O público sempre vai ter interesse por uma história boa e muito contada.”
Ela mesma já viveu enredos que caíram nas graças do público. Arlete se firmou na teledramaturgia em razão da verve cômica de suas personagens. Exemplos disso são a espalhafatosa Miriam, da romance “Invencível!”, de 1975, e a interesseira Laura, de “Selva de Pedra”, no ar entre 1972 e 1973.
Escrita por Janete Clair, a trama marcou a aproximação de Arlete com o humor em telenovelas. “Não tinha consciência de que eu era uma comediante, mas eu devo ter inspirado os autores com quem trabalhei. Até porque sou geminiana, uma pessoa que leva a vida com mais leveza e otimismo.” Ela, porém, já se preocupou por ser vista uma vez que humorista.
“Eles não têm o mesmo prestígio que os chamados atores sérios. Mas fui em frente com orgulho de ser reconhecida uma vez que uma comediante”, diz a atriz. “A comédia é a forma mais elegante de falar de coisas sérias.”
Foi isso o que ela fez ao dar vida à Copélia, personagem espevitada e fogosa de “Toma Lá, Dá Cá”, série de Miguel Falabella exibida na Orbe entre 2007 e 2009.
É uma personagem que renovou seu público e subverteu uma série de pressupostos sobre mulheres que chegam à terceira idade. Um deles é o de que esse grupo precisa renunciar à vida sexual em obséquio do celibato. Copélia não unicamente aceitava seu libido, uma vez que não tinha susto de afirmá-lo publicamente.
“Miguel usou essa personagem exatamente para drenar a intolerância que existe em relação à sexualidade das pessoas com mais idade.”
De certa forma, Copélia encarou o etarismo em um momento em que o preconceito contra pessoas idosas nem tinha um nome. O problema atinge sobretudo mulheres, contra as quais imposições estéticas recaem de maneira mais severa.
“É grande o número de atrizes que vão envelhecendo, mas que não se afastam do meio. Elas são afastadas da profissão”, diz Arlete, que tem 85 anos. “Elas são postas nos bastidores e ficam isoladas nesse lugar, que vai se estreitando cada vez mais. São enormes as queixas de desvalorização.”
Ela diz que é um contrassenso lançar atrizes mais velhas na invisibilidade. Isso porque essas profissionais são donas de um grande domínio técnico em razão da experiência.
“A idade traz conhecimento sobre a profissão e isso é importante em qualquer dimensão. Eu me sinto mais confortável em cena nesses últimos anos.”
É uma crédito que tem posto Arlete nas alturas. Em dezembro, ela gravou cenas de “Família É Tudo” no topo do prédio Mirone do Vale, que tem 51 andares e fica no núcleo da capital paulista.
Sob um sol inclemente, a atriz vestia um macacão cor-de-rosa e se preparava para uma cena em que Frida desce o prédio de rapel. A passagem foi gravada com o auxílio de uma dublê. “Estou muito mais segura e esperançoso. Isso traz uma certa qualidade ao meu trabalho.”
Ela, porém, não idealiza a vetustez. “Envelhecer não é bom. Não é bom fisicamente, não é bom emocionalmente. Mas a sarau não acabou. Podemos tomar um drinque e dar uns volteios.”
Ao longo da curso, Arlete se tornou a musa de alguns autores. Além de Copélia, Falabella a escalou para viver a Anabel Muñoz, de “Salsa e Merengue”, em 1996. O papel lhe rendeu o prêmio de melhor atriz da Associação dos Críticos Teatrais de São Paulo.
Depois, chamou a artista para atuar nas peças “A Vida Passa” e “A Partilha”, espetáculo que ficou seis anos em papeleta e foi visto por mais de um milhão de pessoas.
Arlete também firmou uma longa parceria com Aguinaldo Silva, com quem trabalhou em novelas uma vez que “Fera Ferida”, “Pedra sobre Pedra”, “Porto dos Milagres” e “Fina Estampa”.
Para ocupar esse currículo volumoso, ela precisou fazer frente ao preconceito. Procedente de Paudalho, a respeito de 50 quilômetros de Recife, sonhava em ser artista ainda menino.
“Eu fugia de mansão e ia para rádios presenciar aos programas. Até que eu vi uma chamada para fazer um teste.” Não foi aprovada, mas a convidaram para trabalhar uma vez que locutora. Em 1958, entrou para a Companhia Barreto Júnior, na qual estreou da dramaturgia com a peça “A Cegonha se Diverte”.
Depois, começou a fazer teleteatros na TV Tupi de Recife, mas decidiu se mudar para o Rio de Janeiro em procura de mais oportunidades.
Foi nesse período que se viu mira de piadas por ser nordestina. “Antigamente, quando eu cheguei cá, o humor era pisado na nossa forma de falar. Comecei a suportar bullying.”
Arlete lembra que, quando passavam por ela, imitavam sotaque de pessoas do Nordeste. “Diziam: ‘Oi, bichinha! Ôxente!’ No início, é engraçado. Depois, fica esgotante.” Decidiu logo neutralizar o sotaque para evitar as gozações.
Esse cenário começou a mudar em 1989, quando deu vida à meiga e virginal Carmosina na romance “Tieta”, de Aguinaldo Silva. Uma vez que a trama era ambientada numa cidade fictícia do Nordeste, pôde dar vazão a seu modo de falar.
“Foi a primeira vez que libertei o meu ser mais íntimo, a minha nordestinidade. A partir dali, não deixei meu sotaque me encarcerar. Ele é o meu jeito. É o meu charme.”