“Esteja preparada para ser incompreendida, destratada sempre que seu sucesso aumentar ou diminuir. Esteja preparada para ser usada e desusada”, declamava Carolee Schneemann em uma exposição na Novidade York de 1975, sem vergonha de estar nua.
Porquê um mágico que estupefaz o seu público com o truque da corda interminável que sai da cartola, a imponente Schneemann puxava para fora de sua vagina uma longa fita de papel com os versos estampados de seu poema-manifesto, uma resposta curta e grossa à sátira misógina que recaía sobre o trabalho de artistas mulheres na era.
Em “Internal Scroll”, Schneemann paria a própria arte, firmando-se porquê reprodutora de conceitos e conhecimento. Uma gravação da performance feita com mais idade —e, portanto, com o corpo envelhecido, que quebra mais uma classe de tabus— integra a exposição “Corpo-Lar: Diálogos entre Carolee Schneemann, Diego Bianchi e Márcia Falcão”, na galeria Pivô, em São Paulo.
Na mostra, as projeções de Schneemann dividem espaço com esculturas do prateado Diego Bianchi, criadas principalmente para a exposição, e as enormes telas da carioca Márcia Falcão.
Não é geral a exibição de obras de Schneemann no Brasil, apesar de sua preço para a arte contemporânea e, em próprio, a performance e a body art, na Novidade York em ebulição criativa das décadas de 1960 e 1970. Na zine “Cezanne, She Was a Great Painter”, em menção ao pintor francesismo Paul Cézanne, Schneemann discutiu a representação da mulher porquê musa na arte ocidental.
Pouco antes de “Internal Scroll”, Schneemann havia escandalizado segmento da comunidade artística com “Fuses”, de 1967, uma gravação pintada, recortada e até queimada, em que ela fazia sexo com seu marido, o cineasta James Tenney. “Ela era uma mulher branca e formosa. Secção do próprio movimento feminista a questionou, taxando [o filme] porquê pornô”, diz Ana Roman, curadora da mostra.
Foi em Novidade York que Schneemann, uma pintora da Pensilvânia próxima ao expressionismo abstrato, se juntou ao Living Theatre —uma das companhias de teatro experimental mais importantes dos Estados Unidos e que influenciou diretamente José Celso Martinez, o Zé Celso, no Brasil.
Em um momento inédito para a história da arte, em que mais mulheres eram finalmente reconhecidas pelo volta artístico, o contato com o movimento feminista emergente de Novidade York a levou a romper com o que chamou de “pincel fálico pertencente a atividade masculina do expressionismo abstrato”.
O corpo seria sua verdadeira tela, mais um material para criar a obra final, e a experiência física era o tema de sua arte. Em “Body Collage”, vídeoperformance também presente na Pivô, Schneemann se cobre de cola e se esfrega sobre papéis, para depois passar pelo seu pequeno apartamento porquê uma espécie de colagem viva.
O cinema experimental acompanharia toda a sua curso, visto que grande segmento de suas obras eram gravadas e editadas. Um bom exemplo é “Kitch’s Last Meal”, de 1981, em que a artista sobrepôs filmagens em super-8 de seu gato se alimentando durante os últimos quatro anos de sua vida, eventos caseiros cotidianos e o trem de fardo lugar que passava detrás de sua morada.
Seus gatos eram temas frequentes das obras, porquê se a relação de afeto com os animais domésticos fosse uma provocação contra ao domínio dos homens imposto sobre a natureza e seus seres. “O Gato Superabundante”, um escorço que fez com quatro anos do que parecia ser um enorme felino, foi sua primeira obra, defendia.
Outra performance projetada nas paredes da Pivô é “Meat Joy”, de 1965, em que um grupo de pessoas seminuas se agarram vorazmente, com o mesmo libido em que comem, ao mesmo tempo, pedaços de músculos crua, frango e peixe.
A gravação ganha cheiro graças a obra de Bianchi ao lado, um varal pleno de roupas penduradas, feitas com placas de kombucha sedento, chá fermentado em um aquário montado na própria exposição.
A visceralidade de ambos os trabalhos não é a única relação entre Bianchi e Schneemann. A sexualização de objetos é meão no trabalho do prateado, que fez esculturas de corpos com materiais encontrados pelas ruas de São Paulo —porquê fios, tijolos, guarda-chuvas, canos, comida, pedaços de eletrodomésticos e cabelos— que, misturados, parecem fazer uma espécie de BDSM urbano.
Em uma delas, por exemplo, um traseiro macio feito de espuma, empinado em uma posição desconfortável, brota de uma das colunas da galeria —que aliás é uma obra incompleta de Oscar Niemeyer. A galeria, que se propõe a ser um espaço cultural e não um ponto de transacção de arte, ocupa um quina do prédio Copan que, no projeto original, deveria ser a relação com o prédio da frente.
As paredes de pé recta altíssimo são ocupadas pelas telas gigantes de Márcia Falcão, que pinta corpos amorfos e retorcidos, quase monstruosos, em cenários escuros. Suas obras parecem prestar homenagem a uma jovem Schneemann pintora que precisou declinar dos pincéis para transmitir a revolta com o corpo.