Como Debandada De Estrelas Da Globo Mudou A Tv Brasileira

Como debandada de estrelas da Globo mudou a TV brasileira – 23/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

A televisão está de rosto novidade. Enquanto Mundo, Record e SBT demitem ou abandonam os contratos de exclusividade com seus artistas mais experientes, novatos disputam espaço com influenciadores, num contexto de fragmentação do mercado de trabalho, agora constituído não só pelos canais tradicionais, mas também por diferentes plataformas de streaming.

O novo rosto da televisão pode fomentar estranhamento à população brasileira, que, por meio século, viu seus dilemas e suas aspirações retratadas por figuras porquê Antonio Fagundes, Tony Ramos, Marieta Severo e Gloria Pires. Pela primeira vez em décadas sem ocupação fixo, eles podem ser vistos no streaming ou encontrados nos teatros.

A mudança paradigmática na organização da indústria é mais perceptível na Mundo, a maior do país. Agora no ar, a romance “Família É Tudo” tem, em seu elenco, Rafa Kalimann, que se descobriu atriz depois ser eleita vice-campeã do Big Brother Brasil 2020. Numa cena que viralizou nas redes porquê piada, a tradutor de Jéssica esbravejou e fez carão.

Ela não foi a única. Há dois anos, a influenciadora Jade Picon se aproveitou do burburinho que a rondou depois o BBB para fisgar um dos papéis mais importantes no folhetim “Travessia”, no horário sublime do via.

A Mundo ainda esvaziou o seu panteão de autores consagrados, demitindo nomes centrais de seu time, porquê o responsável Aguinaldo Silva e Silvio de Abreu. Eles se somam a figuras históricas porquê Manoel Carlos e Benedito Ruy Barbosa, que se aposentaram, e Gilberto Braga, morto há tapume de três anos.

Assim, a emissora preencheu as novelas com artistas até portanto desconhecidos, que têm dificuldade de se firmar porquê ídolos. Para Aguinaldo Silva, são evidentes os prejuízos artísticos, com o atual padrão de contratação de artistas por obra.

“Não se pode exigir da moça que ganhou o BBB um desempenho digno de uma Elisabeth Savalla. E muito menos do rapaz que se tornou influenciador do TikTok um desempenho tão avassalador quanto o de um Tony Ramos”, diz, por email, o dramaturgo, pai das novelas “Vale Tudo” e “Senhora do Rumo”.

“Esses atores eram grandes, e a televisão, infelizmente, está a permanecer pequena. O grande erro da nossa TV foi não pensar no horizonte e na formação de novos profissionais em se tratando de autores, atores e diretores.”

Também por email, a Mundo enviou uma nota, em que nega uma mudança de perfil em seu elenco. Os critérios para a contratação, afirma a empresa, seguem os mesmos e levam em conta o talento, adequação ao papel e técnica dos candidatos.

“O que mudou foi o formato de contratação, que se ajustou às dinâmicas do mercado ao ampliar as possibilidades de contratos, por obra ou período. Esse padrão fomenta o mercado ao permitir mais flexibilidade a todos”, afirma um trecho da nota, que pode ser lida na íntegra no final da reportagem.

Mas basta vincular a TV para constatar que as novas produções da emissora têm menos artistas consagrados. Na própria “Família É Tudo”, poucos são os medalhões fora Arlete Salles. Às seis, Andrea Beltrão e Alexandre Nero orbitam ao volta de rostos novos, enquanto Marcos Palmeira, às nove, é a estrela solitária de “Renascer”.

É, enfim, um sintoma do modo porquê o mercado da teledramaturgia se articula nos dias atuais. As novelas da televisão oportunidade competem com produções do streaming, num cenário de pulverização da audiência —dados da Kantar Ibope mostram que a Mundo perdeu mais da metade do público das novelas em 21 anos.

A Record adotou, há dois anos, o mesmo padrão de contratação por obra, buscando enxugar a folha de pagamento. Já o SBT decidiu, somente no ano pretérito, enveredar pelo caminho da concorrência, incluindo no balaio apresentadores da moradia, porquê Otaviano Costa e Dony de Nuccio.

“A Mundo barateou muito o dispêndio de produção e de elenco. Agora eles pagam menos, com uma ou outra exceção, portanto só fica quem aceita”, diz o galã Herson Capri, escalado para atuar em “Venustidade Infalível”, da Max, a antiga HBO Max.

Para astros porquê Grazi Massafera, protagonista do remake de “Dona Beja”, da mesma plataforma, o cenário não é tão ruim. “É legítimo não ter o selo de ‘global’ e um contrato fixo e poder escolher o que vou fazer.”

Um empresário ligado a Mundo afirma em requisito de anonimato que as novas gerações de artistas constituem os seus salários pelo modo porquê lidam com as redes. Se antes os trabalhos em publicidade eram exibidos na própria TV, agora são as “publis” do Instagram que ditam a prosperidade do profissional.

No caso da Mundo, o empresário afirma que, para ainda ter um contrato fixo com o via, é preciso ter mais do que talento ou um rostinho bonito. Ser engajado em pautas sociais, por exemplo, conta pontos nesse sistema.

Ele diz ainda que as plataformas de streaming enfrentam dificuldades para atingir a primazia da linguagem do melodrama, que a Mundo ajudou a definir. Enfim, o padrão da telenovela não deixa de ser um traço da cultura brasileira.

Desse modo, o que se evidencia não é o termo da romance —embora seu impacto seja menor agora—, mas a falência de um padrão importado dos Estados Unidos, que ganhou forma ainda no início do século 20.

Na estação, estúdios de Hollywood, porquê a Warner Bros. e a Fox, se orgulhavam em ter em seus elencos fixos artistas porquê Charles Chaplin, Marilyn Monroe e Audrey Hepburn. O cenário mudou nos anos 1950, quando uma crise se instaurou no sistema, dando início ao processo de terceirização na produção dos filmes.

Com a falência, os atores foram demitidos das empresas. “Acaba a teoria de ver um filme de um estúdio específico pela presença de um determinado planeta”, diz Rogério Ferraraz, professor de informação da Universidade Anhembi Morumbi.

Quando o padrão já estava em declínio, a Mundo passou a adotá-lo —ditando o modo porquê as outras emissoras, porquê a Record e o SBT, empregariam seus artistas. Com o termo da TV Excelsior e as produções caseiras da TV Tupi, a Mundo resolveu investir na contratação de um elenco de estrelas, constituindo, assim, uma Hollywood brasileira.

A materialização dessa iniciativa só se daria, nos anos 1990, com a geração do Projac, os atuais Estúdios Mundo. “A Hollywood brasileira acabou com o surgimento do streaming e a pulverização da audiência”, diz Mauro Alencar, responsável de “A Hollywood Brasileira: Quadro da Telenovela no Brasil”.

Nos anos 1960, a qualidade artística dos folhetins era assegurada porque os talentos que estavam na televisão eram, não raramente, grandes atores de teatro, porquê Paulo Autran. Segundo o perito, a Mundo utilizou diversas técnicas para que esses atores se tornassem ídolos.

Por exemplo, a emissora preparou a imagem de Sônia Braga, em diversos papéis, até que ela se tornasse uma estrela internacional. Em paralelo, os atores se ausentavam por mais de um ano das novelas, para que o público não se cansasse do rosto deles.

Já os autores —e suas criações— eram tratados porquê grifes. “Eles eram novelistas. Hoje são todos profissionais do audiovisual”, diz Alencar. “Os atores ficam exaustos. Não há mais tempo de se preparar um personagem. Acho muito improvável os atores e autores novatos terem a mesma relevância que algumas pessoas tiveram no pretérito.”

Diante dos novos tempos, cada artista, entre a televisão oportunidade e o streaming, se salva porquê pode. “Foi ótimo, a minha geração e outras próximas viveram isso, mas sabíamos que os tempos estavam mudando. Fiz o meu pé de meia na Mundo. Devo isso à empresa”, afirma a atriz Marieta Severo, em entrevista na ocasião do lançamento do filme “Domingo à Noite”.

Íntegra da nota da Mundo sobre mudanças no elenco da emissora:

Não concordamos com a leitura. Os critérios e principais pilares para a escalação na Mundo seguem os mesmos e levam em conta talento, adequação ao perfil do papel e técnica.

A mudança é no formato de contratação, que se ajustou às dinâmicas do mercado ao ampliar as possibilidades de contratos por obra ou por período (prazo longo), de negócio com o planejamento de cada projeto.

Um padrão que fomenta o mercado audiovisual brasiliano, ao permitir mais possibilidades e flexibilidade a todos: à Mundo, ao mercado e também aos profissionais. E que, em muito pouco tempo, já mostrou que funciona, com talentos que seguem em projetos recentes e de sucesso da emissora, já no novo formato.

A Mundo sempre foi e continuará sendo um espaço desimpedido para novos talentos, onde muitos inclusive almejam estar. Segue acreditando que promover a troca de experiências ao combinar nomes consagrados do grande público e lançamentos é o melhor caminho.

Ao longo dos últimos anos, a Mundo realizou um profundo planejamento de renovação e qualificação dos talentos, pesquisando novos profissionais em festivais, escolas de teatros, de roteiros e cinema, em diversas regiões do Brasil. Além de cursos, viagens, workshops e uma série de treinamentos criados para desenvolver e capacitar o elenco para as novas oportunidades e demandas do mercado audiovisual.

É assim, sendo cada vez mais um revérbero do Brasil em todas suas telas, com um olhar profundo para nossas vivências e sotaques, que a Mundo segue no meio das conversas gerando identificação e engajamento com o nosso público seja no sofá da sala, no celular ou nas redes sociais.

Folha

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