Uma vaga de jogos modernos reimaginados porquê antigos nos últimos anos tem puxado um sabor pela estética virtual retrô para além dos games. Os chamados “demakes” fazem o caminho oposto dos tradicionais “remakes”, reciclagens de sucessos que atendem desejos de fãs e mantém a indústria na zona de conforto.
Mas o que era retrô na dezena passada —as artes em pixel dos primeiros consoles, porquê o Atari e o Nintendinho— difere de hoje, quando o 3D rudimentar, o chamado “low poly”, inspira criações de fãs e uma estética nostálgica adotada por artistas nas redes sociais.
É o caso de “Nightmare Kart”, jogo feito por uma fã que chegou recentemente à loja virtual Steam, pondo os personagens de “Bloodborne” —sucesso de 2015 do PlayStation 4— para disputar corridas qual um clone dos games de PlayStation, do final dos anos 1990.
O perfil brasiliano Objetos JRPG, por sua vez, recria cenas de um Brasil popular nessa pegada, e o artista Victor Estrella faz o mesmo em seu Instagram retratando os subúrbios do México. Jack McVeigh faz o mesmo retratando o capitalismo tardio nos Estados Unidos. Na frente do cinema, o diretor de vanguarda Phil Solomon fez uma série de curtas a partir dos games “Grand Theft Auto”, em chave de contemplação.
Uma vez que mostrou a última animação da Pixar, “Divertida Mente 2”, a nostalgia é uma emoção que aflora cada vez mais cedo —no fundo da memória da protagonista, habita um galã virtual de baixa definição por quem ela é apaixonada.
Finalmente, basta ter uns 20 e poucos anos para despertar boas memórias de jogar “Crash Bandicoot” ou “Super Mario 64”, para reportar dois marcos dos jogos 3D de 1996, numa TV de tubo, onde tudo parecia mais mágico que nos LEDs de subida definição.
Não à toa, Lilith Walther, a desenvolvedora de “Nightmare Kart” e “Bloodborne PSX”, teve a puerícia regada a Nintendo 64 e PlayStation, antes de entrar para o mundo da geração de games por meio de fóruns. “A definição de retrô hoje se expandiu para as gerações de consoles 3D, e isso amplia nossas referências”, diz.
Mais que um chamado à nostalgia, Walther encara a estética porquê uma linguagem com seus próprios desafios. “Uma vez que você simplifica um jogo para que ele funcione com menos botões? E os visuais ‘low poly’ não são mais fáceis de produzir, mas dão destreza ao projeto, por serem mais leves.”
Os jogos de Walther são gratuitos, muito porquê outros se encontram no site itch.io —referência no cenário indie. Lá, há versões em 2D de “The Legend of Zelda: Ocarina of Time”, “Resident Evil 4”, “Super Mario Wonder” e “Metroid Prime” nos visuais de Game Boy e Super Nintendo.
O desenvolvedor Fraser Brumley arriscou um “demake” do terror “Dead Space” no ano pretérito, pouco em seguida o jogo de 2008 ser atualizado para as novas gerações numa abordagem mais realista.
Compare cenas do remake e do ‘demake’ do jogo ‘Dead Space’
Versão com gráficos antigos feita por fã foi lançada no mesmo ano em que clássico de 2008 foi reembalado para novas gerações
– Reprodução
Outros usuários apostam em “demakes” restritos a demonstrações em vídeo, porquê a versão do hit “The Last of Us” sobre os moldes do game de espionagem “Metal Gear Solid”, ou a de “God of War” ao estilo de um RPG de combate em turnos.
Por repensarem grandes franquias, não é vasqueiro que recebam notificações quando ganham evidência —foi o caso de Walther, que refez segmento de “Nightmare Kart” para amenizar as referências a “Bloodborne”.
A prática do “demake” era mais geral na indústria nos anos 1990, em consoles porquê o Master System, quando as produtoras ambicionavam vendas em outros aparelhos, nem que isso reduzisse a qualidade do resultado. Mas há casos recentes, porquê “Dragon Quest 11 S”, que inclui uma versão 2D completa do game 3D, e com a franquia “Warhammer” apostando, no ano pretérito, em “Boltgun”, um jogo de tiro “low poly”.
No espectro indie, sucessos porquê “Pseudoregalia” e “Paratopic” mostram a onipresença dessa vertente para além da nostalgia. “Se você não conhece, logo é um jogo novo”, é o lema Pedro Cogu, do ducto Cogumelando. Em seus vídeos, o carioca se dedica a comemorar clássicos, resgatar pérolas esquecidas e, em tom informal, louvar a era dos fliperamas e locadoras no Brasil.
“Eu tenho uma metódico reconexão com o pretérito”, afirma, “mas também vivemos num momento em que o retrô se tornou uma leitura do mundo. A limitação estimula a originalidade, é uma regra que deixa o jogo mais recreativo”, diz.
A partir dos seus seguidores, ele sente também que títulos nessa risca se adequam ao tempo das pessoas, que já não têm mais a disponibilidade da puerícia e se entediam com lançamentos cada vez mais rebuscados e caros. “Fazer um ‘demake’ é muito mais difícil, você tem de despertar a experiência de outro jogo novamente, mas vendo somente a núcleo. Eles quebram essa visão progressiva da história do videogame.”
Essa proximidade de Cogu com títulos de 30 anos detrás contrasta com segmento de seu público da geração Z, para quem até o Xbox 360 e o PlayStation 3, lançados no mercado em 2005 e 2006, são a referência da puerícia.
Relações econômicas ditam, em segmento, essas memórias. Além de o Brasil receber novidades tardiamente, famílias mais pobres raramente podiam ter os lançamentos. Jogos pirateados, que lotavam camelôs até a dezena passada, com a popularidade sem igual do PlayStation 2, eram uma forma ilícito de democratizar esse chegada.
“Não é verosímil falar da história dos games no Brasil sem falar da pirataria e da emulação”, diz o designer Pedro C., responsável pela página Objetos JRPG com seu irmão e um primo. Ele se refere a softwares que permitem jogar, mesmo em PCs mais simples, toda sorte de títulos antigos —além de colaborar com a preservação e acessibilidade desses títulos que, com o passar dos anos, são abandonados até voltarem porquê “remakes”.
“Se você é latino-americano, joga videogame e fala que é contra a pirataria, ou você não lembra da sua puerícia, ou você nasceu rico”, diz Pedro.
A Objetos JRPG aproveita o “low poly” e retrata essa veras numa crônica do Brasil suburbano da era pré-smartphones, entre pen drives com músicas baixadas por “torrent”, pratinhos de plástico com doces de natalício, Super Bonder na geladeira ao lado de limões, cebolas e tabletes de caldo, ralos de pia encardidos e banquinhas de jogo do bicho. “Pensamos nas situações mais específicas possíveis, confiando que vão falar com o público”. E conseguem.
É uma veras similar àquela que Victor Estrella —artista mexicano de referência para o brasiliano— põe na tela, entre atendentes dos mercados Oxxo, farmácias populares, orelhões e criaturas folclóricas vagando pela noite na Cidade do México. Em tom mais sombrio, esse pretérito desperta desconforto, iluminando um lado B dessa estética.
“A nostalgia é um sentimento agridoce, que vem pelos problemas da vida adulta. Muita nostalgia é sinal de que a gente não está vivendo no presente”, afirma Pedro. “As pessoas dizem que eram felizes quando jogavam PlayStation, por exemplo. Mas não era o jogo, e sim porque você era moço.”
