O pintura de controle, antes cinza, fica alaranjado. Quem fez aquilo? É o que se perguntam as criaturas coloridas que comandam o cérebro de Riley, a protagonista de “Divertida Mente 2”, que chega aos cinemas nesta quinta-feira. “Eu sou a Sofreguidão”, anuncia a voz estridente de um ser estranho de pele laranja, cabelo eriçado e olhos arregalados.
Embora seja com estranheza que Alegria, Tristeza, Raiva, Terror e Nojinho recebam a personagem que é destaque na prolongação da animação da Pixar, para Hollywood a impaciência não é um sentimento incógnito. No rastro de filmes, séries e livros voltados ao público adulto cheios de psicólogos e suas sessões de terapia, agora os estúdios de animação se lançam ao debate sobre saúde mental com produções que miram o público infantil.
A tendência é um revérbero social e, por isso, atende a uma demanda de mercado. Pela primeira vez, os registros de crianças e jovens ansiosas superam os de adultos, segundo estudo da Folha feita a partir da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) do SUS. No Trends, instrumento que rastreia os termos mais populares do Google, o interesse mundial por “impaciência” cresceu 31% nos últimos cinco anos.
Foi nesse período que os estúdios começaram a agir. No ano pretérito, “Gato de Botas 2”, da DreamWorks, mostrou o bichano enfrentando uma crise de pânico, e há cinco anos a Disney pôs a princesa Anna, de “Frozen 2”, para trovar uma metáfora à depressão na melodia “Fazer o que É Melhor”.
Há também a série de animação para adultos “Carol e o Término do Mundo”, lançada no ano pretérito pela Netflix, em que uma mulher espera deprimida pelo apocalipse. Outros filmes que tocam no tema são “Orion e o Escuro”, deste ano, que personifica os medos de uma muchacho inquieta, e “Soul”, que a mesma Pixar lançou há muro de três anos, discutindo existencialismo e morte.
Em “Divertida Mente 2”, de certa forma, o estúdio aproveita a tendência para superar uma crise de público que se abate sobre o cinema desde a pandemia de coronavírus, que minou o alcance de seus dois últimos lançamentos, “Elementos”, no ano pretérito, e “Lightyear”, no ano retrasado.
A aposta parece estar dando evidente. Ao estrear na semana passada nos Estados Unidos, “Divertida Mente 2” arrecadou US$ 155 milhões em seu primeiro final de semana de exibição. Assim, o filme teve a maior orifício do ano no país, e também a segunda maior da história do estúdio, detrás somente de “Os Incríveis 2”, segundo a revista Variety, especializada na cobertura de cinema.
Na trama, Riley chega à puberdade e desenvolve não só impaciência, mas ainda vergonha, inveja e tédio, emoções que oprimem as que já existiam no primeiro filme, mudando a personalidade da moça —Riley perde a autoconfiança, o que a leva a atropelar seus princípios no desespero de entrar para o time de hóquei de seus sonhos.
“Não faríamos uma sequência a menos que soubéssemos que havia uma história que valesse a pena recontar”, diz o diretor Kelsey Mann, por videoconferência, ao ser questionado sobre o risco de não compreender o sucesso do primeiro filme, vencedor do Oscar de melhor animação em 2016.
Nos anos em que separam o lançamento do primeiro “Divertida Mente” e de sua prolongação, a Pixar viveu uma crise. Posteriormente o fracasso de bilheteria “O Bom Dinossauro”, em 2015, os executivos priorizaram sequências de sucessos dos anos 2000, enfileirando “Procurando Dory”, do universo de “Procurando Nemo”, “Carros 3” e “Os Incríveis 2”.
A estratégia não agradou nem ao público nem à sátira. A Pixar tinha deixado de ser o celeiro de originalidade que a alavancou no pretérito, diziam. A empresa logo ouviu as reclamações e criou três filmes originais, mas a pandemia fechou as salas de cinema. Assim, “Soul”, “Luca” e “Red: Crescer É uma Fera” foram relegados ao streaming.
É nesse contexto de crise criativa e financeira que “Divertida Mente 2” foi produzido, tendo levado quatro anos para permanecer pronto. Enquanto via crescer o número de jovens que recebiam o diagnóstico de impaciência na pandemia, o diretor procurava o roteiro ideal. Havia muitas opções, ele conta, mas tratar de saúde mental pareceu o caminho mais óbvio. “Queríamos ter certeza de concertar na mensagem e prometer que ela fosse útil”, ele diz.
E para prometer que o filme fosse responsável ao tratar de impaciência, o diretor consultou com frequência o professor de psicologia Dacher Keltner, da Universidade de Berkeley, e a psicóloga clínica Lisa Damour, autora do livro “The Emotional Lives of Teenagers”, ou a vida emocional dos adolescentes.
A estratégia parece correta para a psicóloga Alana Anijar, dona do podcast Psicologia na Prática, o quarto programa mais ouvido do Brasil no Spotify, e de um livro homônimo. Ela diz que, antes mesmo de surgir a personagem Sofreguidão na prolongação, “Divertida Mente” já tinha virado uma instrumento que ajuda os psicólogos que atendem crianças, ainda que o filme seja imaginoso e não siga um rigor científico.
O filme, acrescenta Anijar, pode ainda promover um estreitamento na relação entre pais e filhos ao desmistificar a teoria de que saúde mental é frescura.
“Tem muito no filme que pode ser usado para a psicoeducação de forma legítima”, diz ela. “Ajuda a trazer aos adultos uma noção maior de que os filhos têm emoções e que eles não passam ilesos pelas mudanças, caso dos divórcios, que acontecem na vida dos adultos e que os afetam diretamente.”
“Divertida Mente 2” quer provocar as angústias de todos, não importa a idade. O filme faz o público refletir sobre a inevitabilidade da vida, sob a mensagem de que não vale se martirizar pelo que está fora de controle —-ideias apresentadas pelo círculo narrativo da personagem Sofreguidão, que começa porquê opositor e depois ganha uma espécie de resgate.
A abordagem até tenta ser cômica, mas, quando o filme foi exibido para a prelo, uma série de adultos saiu da sala de cinema com o nariz escorrendo e os olhos cheios de lágrimas. É revérbero de um fenômeno que Anijar labareda de “adultos terapeutizados”, isto é, aqueles que fazem terapia, constroem uma consciência emocional e não veem problema em discutir suas emoções.
Não é de agora que o estudo da mente humana aparece na ficção. Nos últimos anos, houve uma série de histórias que tinham terapeutas porquê uma ordenado, caso de “Um Lugar ao Sol”, uma das últimas novelas das nove da Orbe, que tinha porquê cenário recorrente um consultório de psicanálise.
Para Anijar, a tendência é um revérbero da pandemia, que fez muita gente idealizar a figura do terapeuta e glamourizar o ato da terapia. O problema disso, ela diz, é que as pessoas passaram a se autodiagnosticar, afirmando que têm impaciência ou depressão, por exemplo, sem respaldo profissional.
Não à toa, com “Divertida Mente 2” prestes a estrear, as redes sociais foram tomadas por fotos em que os internautas posam ao lado dos cartazes de divulgação de Sofreguidão, dizendo que ela é a personagem do filme com que mais se identificam. Psicologia e cinema à secção, foi uma estratégia de marketing que parece fazer sucesso em meio à crise da Pixar.