Se hoje o Brasil está completamente inserido no mercado mundial dos megaeventos de música –de shows gratuitos de Madonna a imensos festivais porquê Rock in Rio, Lollapalooza e Tomorrowland– o país deve muito a uma geração de empresários e promotores que começou a trabalhar quando a verdade era muito outra.
No início dos anos 1980, antes mesmo do primeiro Rock in Rio, que aconteceu em 1985, sendo considerado um marco do show business brasiliano, alguns nomes começaram a se primar com produção de shows internacionais.
Um desses foi o gaúcho Dody Sirena, hoje com 63 anos. Junto ao parceiro Marcantonio Chies, o “Cicão”, Sirena começou a fazer festas estudantis no sul do país ainda no término dos anos 1970. No início da dezena seguinte, montou a DC Set, uma das produtoras mais importantes do Brasil, que trouxe nomes porquê Michael Jackson, Luciano Pavarotti, Rod Stewart, Van Halen, Ray Charles, Eric Clapton e muitos outros. Sirena também foi empresário de Roberto Carlos por muro de 30 anos.
A trajetória do empresário está relatada no livro “Dody Sirena – Os Bastidores do Show Business”, de Léa Penteado (Editora Matrix, 272 páginas). “É curioso ler o livro e perceber porquê o Brasil era visto pelo mercado internacional quando comecei”, diz Sirena. “Parece risota, mas quando passei a transitar na extensão internacional, muita gente de fora achava que capital do Brasil era Buenos Aires e que tudo no Brasil era a Floresta Amazônica”.
Sirena conta que, ao contratar Sammy Davis Jr. para uma série de shows, no início dos anos 1980, o artista fez questão de trazer toda a comida que consumiria, porque não tinha teoria do que encontraria no Brasil. “Mas ele acabou jantando numa ótima churrascaria em Porto Prazenteiro”, diz o empresário.
Há 40 anos, a verdade era muito dissemelhante: não havia venda antecipada de ingressos e todas as vendas eram realizadas em verba vivo, obrigando promotores a transfixar pontos de venda nas cidades onde realizavam eventos.
Fatores porquê a popularidade de novelas e a data do término delas eram considerados na hora de agendar um grande show. “Se uma romance estivesse dando uma audiência muito grande, a gente evitava marcar shows em dias de capítulos finais”, diz Sirena. “Só para confrontar, ano pretérito nós fizemos o Tomorrowland [grande festival internacional de música eletrônica] e vendemos 193 milénio ingressos em pouco mais de duas horas, sendo que 25 milénio ingressos foram vendidos para outros 98 países”.
Nessas mais de quatro décadas de produção de shows, Sirena viveu altos e baixos. Fez uma turnê marcante e de grande sucesso com Rod Stewart pela América do Sul, em 1989. Ainda ofreu na mão de Axl Rose três anos depois, quando o cantor do Guns N’ Roses arremessou, do segundo caminhar do hotel Maksoud Plaza, uma cadeira de metal em um grupo de jornalistas que estavam no saguão. O caso foi parar na delegacia.
Uma das histórias de bastidores mais curiosas da curso de Sirena envolve o Van Halen. Em 1983, o grupo era um dos maiores nomes do rock e fez uma turnê pelo Brasil. A glória dos integrantes, mormente a do cantor, David Lee Roth, era a pior verosímil.
A orquestra era conhecida por destruir quartos de hotel, o que obrigava promotores a deixar cheques de garantia em caso de ter alguma propriedade danificada. “No último show, que foi em Porto Prazenteiro, a orquestra saiu dos quartos e não havia zero de inverídico”, diz Sirena. “Mas aí subiu o segurança deles e revirou tudo, jogou ovo na parede, jogou quadros no soalho, pantalha no soalho, tudo para dar o ar de quem eram animais, roqueiros. São coisas do marketing!”
Nessa turnê, David Lee Roth teve um caso com uma brasileira muito formosa, que, segundo Sirena, depois foi morar em Los Angeles e engatou um namoro com Slash, guitarrista do Guns N’ Roses.
“Foi ela que fez o contato com o Slash quando fomos aos Estados Unidos contratar o Guns”, diz o empresário. “Lembro que o Guns estava em turnê com os Rolling Stones, e cada dia rolava uma desavença entre os membros da orquestra. O empresário me disse: ‘A orquestra não vai seguir, os integrantes só brigam, eles nasceram com a semente da devastação’. Mas essa moça nos pôs em contato com o Slash, e acabamos convencendo-os a vir ao Brasil.”
Sobre as três décadas de trabalho com Roberto Carlos, Sirena se diz honrado por ter participado tão intensamente da trajetória de “um artista que vai permanecer para a história”. Um dos últimos projetos que os dois fizeram juntos foi a biografia autorizada de Roberto, posteriormente transformada em roteiro de filme e série.
Sirena conta que Nelson Motta entrevistou longamente Roberto para ortografar a biografia e que esse texto depois foi apropriado por Glória Perez e Patricia Andrade em roteiros de um longa-metragem e de uma série em oito episódios, que deveriam ser dirigidos por Breno Silveira.
O projeto, infelizmente, foi interrompido pela morte de Silveira, em 2022. “Quando Breno morreu, eu estava em turnê com o Roberto e falava diariamente com o Breno sobre o elenco. Breno era um cineasta cintilante, e a morte dele abalou demais o Roberto, que ainda não retomou o projeto. Mas vai transpor um dia”.