Como eunice paiva, brasileiras encararam dor e demora por direitos

Como Eunice Paiva, brasileiras encararam dor e demora por direitos

Brasil

Sorrisos, sarau, música… Oito de março era sempre de celebração peculiar do natalício de Elza dos Santos. Além de comemorarem a vida dela, os seis filhos lembravam que era dia das mulheres. E ela, a ‘rainha’ deles, na mansão de um quarto, em que todos moravam no Rio de Janeiro. Elza, que perdeu o marido precocemente, atravessava a madrugada trabalhando porquê modista. Foi também em um mês de março, no dia 15, em 1971, que a dor passou a ocupar espaço naquela mansão. 

Foi aquele o dia em que o fruto mais velho, o estudante de ensino técnico em contabilidade Joel Vasconcelos, de 21 anos, foi recluso por agentes da ditadura militar e desapareceu. Elza, desde logo, passou a lutar para tentar salvar o rapaz. Iniciou um périplo. Carregava a foto do fruto por onde ia. Buscou notícias, chorou escondida a escassez do rapaz, que era ideólogo e  diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes).

Foto na escadaria


Brasília (DF), 08/03/2025 - Outras Eunices Paiva. Dia da Mulher. Elza dos Santos. Foto: Elza dos Santos/Arquivo Pessoal
Brasília (DF), 08/03/2025 - Outras Eunices Paiva. Dia da Mulher. Elza dos Santos. Foto: Elza dos Santos/Arquivo Pessoal

Elza dos Santos teve o fruto recluso e sumido durante a ditadura militar – Foto Elza dos Santos/Registo Pessoal

Mesmo diante do desespero que se abateu, ela pedia que os filhos não deixassem de sorrir enquanto lutava para que dessem informações ou entregassem o corpo ou a diploma de óbito. Joel, que também era sapateiro, ajudava nas despesas de mansão, e teria morrido em seguida torturas nas dependências do DOI-Codi (entre 15 e 19 de março). Elza morreu em 1994, aos 64 anos, sem ter o corpo do fruto.

Veja a diploma de óbito.

Uma das filhas de Elza e mana de Joel, a advogada Altair de Almeida, de 68 anos, recorda que a mãe buscava também a fé religiosa para ter alguma esperança de mudança de cenário.

“Ela ficava na escadaria da Cinelândia todos os dias com a foto do meu irmão. Nunca se calou, procurou o presidente, o papa. Não tinha quem não a conhecia”, lembra  Altair que perdeu o irmão, quando ela era uma jovem de 14 anos.


Brasília (DF), 08/03/2025 - Outras Eunices Paiva. Dia da Mulher. Joel Vasconcelos. Foto: Joel Vasconcelos/Arquivo Pessoal
Brasília (DF), 08/03/2025 - Outras Eunices Paiva. Dia da Mulher. Joel Vasconcelos. Foto: Joel Vasconcelos/Arquivo Pessoal

Brasília (DF), 08/03/2025 – Outras Eunices Paiva. Dia da Mulher. Joel Vasconcelos. Foto: Joel Vasconcelos/Registo Pessoal – Joel Vasconcelos/Registo Pessoal

Visibilidade

Histórias porquê a dessa família foram reconhecidas, principalmente em seguida o relatório da Percentagem Vernáculo da Verdade (CNV), em 2014, e passaram a ter novidade chance de visibilidade com as repercussões do filme “Ainda estou cá”, sobre a luta de Eunice Paiva, viúva do ex-deputado Rubens Paiva.  

Veja relatório da Percentagem Vernáculo da Verdade.

De combinação com a historiadora Lorrane Rodrigues, coordenadora executiva do Instituto Vladimir Herzog, são as mulheres que levam primeiro as políticas de memória, verdade e justiça para a América Latina porquê um todo, incluindo o Brasil.

 “Essa repercussão toda causada pelo filme é muito importante para a gente entender qual é o papel dessas mulheres, seja no período da ditadura militar ou em outros períodos que o país já viveu”, afirma a pesquisadora.

À espera

No caso da história de Joel, que era preto e tinha pretérito pelo serviço militar obrigatório, foi recluso quando estava escoltado de um camarada nas imediações do Morro do Borel. De combinação com o relatório da CNV, a prisão teria ocorrido por suspeita de tráfico. Ocorre que o rapaz unicamente levava cartazes contra a ditadura e ingressos para a peça de teatro “O Rei da Vela“, de Oswald de Andrade. 

Os policiais militares entregaram os amigos para militares do Tropa, justamente para pessoas que tinham a mesma farda que ele  vestiu um dia. Da vida na caserna, ficava feliz de vigilar a disciplina e a organização. “A minha mãe nunca deixou mudar o telefone de mansão na esperança que qualquer dia ele fosse vincular”, recorda a mana de Joel. “A foto que mais circula do meu irmão é a que tinha na Carteira de Trabalho dele”. 

Joel começou a trabalhar com 11 anos de idade a partir de uma habilidade porquê sapateiro. A perda de Joel impactou financeiramente a família, já que Elza tinha que trabalhar o duplo para cuidar de todos, agora sozinha, e remunerar advogados em procura dos direitos. Na dezena de 1990, conseguiram o primeiro atestado de óbito porquê sumido político.

“Vamos sorrir”

Mesmo com a perda e uma dor intangível, Elza não perdeu a alegria. “Dizia para a gente não parar de sorrir porque o nosso irmão era um herói. A minha família era pobre, mas nossa história é de muita alegria também”.

Na memória de Altair, ficaram imagens do irmão a carregá-la nos ombros para presenciar aos jogos do Vasco, para praticar futebol e na ajuda aos estudos com matemática.

“Eu tenho ainda esperança de que um dia saberemos exatamente o que aconteceu com meu irmão e que o corpo seja entregue à família. Não há possibilidade de possuir esquecimento”

Perdas e luta

Uma das fundadoras do movimento Tortura Nunca Mais, a professora Victória Grabois, de 81 anos, perdeu o pai (Maurício, ex-deputado, de 61 anos), o irmão (André, estudante, de 27) e o marido (Gilberto Olímpio, jornalista, de 31) em 1973, assassinados por agentes da ditadura na região da Serra do Araguaia. A família, que vive no Rio de Janeiro, nunca recebeu os corpos. “Eu acho que eu vou morrer sem resposta”, lamenta.

Ela acredita, no entanto, que o filme “Ainda estou cá” tenha trazido novidade perspectiva para a luta das famílias dos desaparecidos. Victória espera que o Supremo Tribunal Federalista (STF) vote para desengavetar processos sobre o tema que estão na Galanteio.

“A repercussão do filme é muito interessante para a nossa luta. Tem histórias de mães que precisam ser contadas no Brasil. Muitas mães eram donas de mansão, professoras, operárias. Essas mulheres levaram a luta”, diz

Ela defende que o Estado brasílico precisa penetrar mais arquivos do que ocorreu durante o regime que durou 21 anos. “Se hoje a gente fala de ditadura, isso se deve às mulheres, às mães, às esposas, companheiras”, afirma Victória Grabois. 

A professora lembra que ficou sabendo que o irmão havia sido vítima de uma emboscada. Já nas mortes do pai e do marido, ela descobriu o que havia ocorrido pelos jornais. Desde logo, considera que os direitos ocorreram a “conta gotas”. 

A diploma de óbito, que reconheceu que os familiares haviam sido mortos durante a ditadura, foi importante, segundo a ativista, para que a família pudesse acessar recursos de pessoas assassinadas. Inclusive para fazer com que a vida continuasse. Quando eles morreram, o fruto de Victória tinha unicamente quatro anos de idade. 

Prisão aos quatro meses

Eram crianças também, em São Paulo, quatro filhos dos operários Virgílio Gomes, de 36 anos, e Ilda Martins, de 38. Virgílio foi considerado o primeiro sumido político da ditadura militar. Ele foi recluso em setembro de 1969 por militares, guiado para o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde foi torturado e assassinado, mas nunca o corpo foi entregue à família. 


Brasília (DF), 08/03/2025 - Outras Eunices Paiva. Dia da Mulher. Virgílio Gomes. Foto: Virgílio Gomes/Arquivo Pessoal
Brasília (DF), 08/03/2025 - Outras Eunices Paiva. Dia da Mulher. Virgílio Gomes. Foto: Virgílio Gomes/Arquivo Pessoal

Família de Hilda Martins e Virgilio Gomes, considerado o primeiro sumido político da ditadura militar. Foto Virgílio Gomes/Registo Pessoal

A mais novidade dos filhos, Isabel, tinha quatro meses de vida quando foi raptada pelos militares junto com os irmãos (todos crianças) e entregues para o juizado.

Assista audiência sobre o caso de Virgílio Gomes da Silva.

Virgílio era um dos militantes mais procurados do Brasil porque foi o comandante do sequestro do emissário norte-americano no Brasil, Charles Burke Elbrick. A operação negociou a libertação de 15 prisioneiros. 

Hoje, Isabel, que é professora, tem 54 anos de idade e vive em São Paulo depois de voltar de Cuba, onde a família se exilou com a mãe. “A história da família (de Rubens) Paiva é muito parecida com o que aconteceu com a nossa família. Minha mãe ficou viva com quatro filhos para gerar. Eu era a filha menor”. 

Proteção na dor

O irmão mais velho recluso tinha nove anos. No dia da prisão da mãe (30 de setembro, o dia seguinte), o carruagem dos militares com a família chegou a capotar. “Minha mãe tentou me proteger e ninguém se machucou gravemente”.

Ilda, que ficou mais de um ano presa no Dops e no presídio Tiradentes, também em São Paulo, tem hoje 94 anos de idade e está lúcida.

“Ela sente muito até hoje sobre o período em que ficou separada dos filhos. De vez em quando, lembra disso e chora”, diz a filha. As crianças, depois de quatro meses no juizado da puerícia, foram abrigadas por outros familiares. 

Depois que a família passou mais de uma dezena exilada em Cuba, Ilda pediu que todos voltassem para o Brasil depois que se formassem no ensino superior. Para Isabel, a mãe é uma heroína, tanto por ter lutado ao lado do pai quanto para manter força para gerar os quatro filhos depois que o marido foi sequestrado e morto pelos militares. “A nossa luta agora é por encontrar os sobras mortais. O Brasil nunca fez um julgamento correto”, avalia.

Da luta de Ilda, Isabel lembra-se porquê a mãe, no tempo de calabouço, sem responder por nenhuma denunciação, estava desesperada sem ver as crianças. Recorda daqueles dias quando iam até a porta do presídio esperar qualquer notícia da mãe. Depois que Ilda conseguiu a liberdade, a família continuou sendo seguida. Por isso, resolveu ir embora do país. 

Nas portas das cadeias

Persistência e força, mesmo diante de dor e traumatismo, nessa procura, por segmento das mulheres, fizeram com que a luta permanecesse viva e presente. Porquê é o caso de Diva Santana que, aos 81 anos, é representante dos familiares na Percentagem Próprio sobre Mortos e Desaparecidos Políticos.

Ela procura a mana, Dinaelza Coqueiro, há 50 anos, que foi morta pelos militares na Guerrilha do Araguaia. Diva entende que as mulheres familiares dos perseguidos e presos andavam nas portas das cadeias. “Essas mulheres lutaram, ao longo da nossa história, e continuam lutando para que tenhamos um país justo, democrático e humano antes de tudo”.

* Com colaboração da repórter Sayonara Mulato, da Rádio Vernáculo.

Fonte EBC

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