Casais de mulheres negras trocam beijos na margem da praia, no tá de uma colina, no altar e na leito, enquanto duas mulheres indígenas namoram numa canoa no meio da floresta. As fotos amareladas, monocromáticas e manchadas nos dizem que esses amores pertencem ao século pretérito, não muito longe do promanação da retrato.
Mas são paixões que nunca existiram, ou que, quando consumadas, não puderam ser registradas. As imagens foram criadas por Mayara Ferrão com perceptibilidade sintético e compõem a sua série de fotografias chamada “Álbuns de Desesquecimentos”.
A artista, que trabalha com fotos de registro, estava desanimada com a representação de pessoas negras em fotografias dos séculos 19 e 20. “O que mais me incomoda são os olhares vazios, de desumanização e desesperança”, diz. “Isso quando as pessoas eram representadas, porque muitas vezes elas nem existiam.”
“O mais triste era muitas vezes ver aquele olhar e reconhecer que ele muitas vezes está em mim. Obviamente, meu sofrimento nem se compara às pessoas que foram escravizadas, mas é entender porquê a gente ainda sofre por resquícios desse sofrimento.”
Ela conta que a cidade de Salvador, onde nasceu e vive, estimulou o manobra de fantasiar memórias melhores. A cidade colorida e banhada pelo mar é também repleta de símbolos que remetem a traumas coloniais, impossíveis de passarem despercebidos.
Exemplo disso é o Pelourinho. O bairro histórico, uma das principais atrações para visitantes, era o lugar onde pessoas escravizadas eram submetidas a castigos públicos até o ano de 1888.
“Salvador tem esse projecto de fundo colonial, desde a arquitetura até as estruturas de poder. Você consegue transitar do luxo ao lixo, da mazela à venustidade, num simples passeio pelo núcleo”, afirma Ferrão.
Se a capital baiana é conhecidapela sarau e pela dança, as pitorescas ladeiras de pedra fazem lembrar também “lágrimas e suor”.
“É uma cidade onde descobrimos cemitérios de pessoas originárias, pessoas escravizadas que não tiveram nem o recta de morrer em sossego. Ao mesmo tempo, a cidade é inspiradora porque exala ancestralidade”, diz Mayara Ferrão.
Guiada pela vontade de encontrar mimo em fotografias de seus maiores, ela começou a fomentar uma instrumento de perceptibilidade sintético com as referências que queria, porquê se treinasse a tecnologia, que costuma funcionar por meio do fornecimento de seu banco de dados. No primórdio, pela falta de exemplos, a instrumento não era capaz de recriar imagens felizes de pessoas negras no pretérito, conta a artista, que vem recebendo xingamentos nas redes sociais por pessoas que a acusam de plágio de imagens.
Mas Ferrão diz que abastece a instrumento com textos, e que a máquina tem porquê referências imagens de arquivos públicos. Ela também questiona a proteção de fotos do pretérito. “Os fotógrafos muitas vezes não pediam autorização alguma para documentar os corpos negros e originários, retratados porquê muito entendiam.”
Depois que Ferrão compartilhou suas obras nas redes sociais, elas começaram a ser cobiçadas pelo mercado de arte. Apesar de a artista ainda não ser representada por uma galeria, alguns dos seus trabalhos já foram vendidos em São Paulo, foram publicados na revista de retrato Zum, do Instituto Moreira Salles, e outros estarão na exposição “Histórias da Volubilidade LGBTQIA+”, que o Masp vai inaugurar em dezembro.
“Estou muito feliz, muito grata, mas ao mesmo tempo é conflituoso pensar que já fiz coisa para caramba e que fui legitimada a partir de um trabalho específico que mudou a minha vida inteira”, diz. “Estou consciente que é um jogo de interesses que acontece com trabalhos de interesse coletivo, que as pessoas querem comprar para ter um pedaço do que você está fazendo. O artista anônimo é simplesmente esquecido, principalmente quando não está no eixo Rio-São Paulo, não tem contatos e a narrativa [de seu trabalho] não é de interesse coletivo.”
“Álbuns de Desesquecimentos” surgiu porquê um acalento quando a artista se sentia desapontada com o mercado da arte. Formada em artes visuais pela Universidade Federalista da Bahia, aos 31 nos, Ferrão conta que tratava uma depressão quando decidiu recriar o pretérito imaginando o paixão daquelas que viveram antes dela.
Ainda que romântico, o trabalho não deixa de ser uma enunciação de repulsa ao aprisionamento físico e emocional que condenou pessoas negras no pretérito. A sua denúncia, porém, tinha o intuito de ser poética, e não de a “encarcerar no sofrimento, porquê as denúncias costumam fazer.”
Porquê um álbum de família do horizonte, as velhas fotos inventadas dão às mulheres negras o paladar de imaginar suas antepassadas amando livremente. “Resolvi ficcionar para tentar adoçar um pouco uma memória que é muito amarga para as pessoas que foram atravessadas pela escravidão”, afirma a artista.