Como Instituto Inhotim Reflete Diásporas Com Grada Kilomba 07/05/2024

Como Instituto Inhotim reflete diásporas com Grada Kilomba – 07/05/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

À primeira vista, são só blocos de madeira, queimados até ficarem enegrecidos, um detrás do outro. Mas uma estirão entre as peças, com olhar vigilante para o poema nelas incrustado, nos leva ao porão de um dos muitos barcos que traziam escravizados da África ao Brasil séculos detrás.

A metáfora fica mais nítida quando entram em cena bailarinos e percussionistas para a performance que a artista portuguesa de progénie angolana Grada Kilomba, um dos nomes adiante da última Bienal de São Paulo, monta sobre a instalação “O Paquete”, que permanecerá por dois anos no Instituto Inhotim, depois de ser exposta em Portugal e no Reino Uno.

Ao longo de 40 minutos, os artistas cantam no limite da respiração e caminham entre os blocos, numa dança sufocante que mais se parece com um contorcionismo, o mesmo que os africanos faziam para tentar sobreviver à viagem transatlântica num espaço em que tinham não mais do que 20 centímetros entre suas cabeças e o teto do porão.

A algumas centenas de metros dali, na galeria Rossio, está um amontado de bananas de concreto, cinzas, numa referência à mineração que tanto já castigou Minas Gerais, uma vez que se tivessem corrupto durante o trajeto até essa Disneylândia dos aficionados por arte contemporânea nos periferia de Belo Horizonte.

Num galpão com as paredes cobertas de bandeiras do Brasil feitas de símbolos de orixás e suas saudações, as frutas ocupam o núcleo da mostra “Esconjuro”, em que Paulo Nazareth revê suas mais de duas décadas de trabalho. Dentro da galeria, há um grande planta da América, sobre o qual se lê marco temporal, e suas pinturas de policiais e viaturas atingidas por flechas.

As bananas não estão ali por possibilidade, diz Nazareth. Elas, que não são um fruto brasílio, ao contrário do que muitos pensam, cruzaram os velhos continentes desde a Ásia até chegar ao portanto novo mundo, no que o artista vê uma vez que uma representação do trajectória da própria humanidade.

De chinelo e uma bolsa de tecido que em zero se parece com as vendidas uma vez que suvenir do museu, Nazareth, com os pés inquietos, não consegue permanecer parado, ao apresentar sua mostra. O artista, que caminhou de Minas Gerais até Miami, nos Estados Unidos, em sua performance “Notícias da América”, nos anos 2000, é ele próprio uma figura em eterno deslocamento.

Na visão dele, as bananas, vistas uma vez que produtos, são ainda um espelho da vida daqueles que, uma vez que ele, nasceram às margens da sociedade. “Foram uma vez que produtos que nossos ancestrais se moveram nas diásporas de África para América”, afirma Nazareth, mineiro de Governador Valadares. “Neste trânsito, às vezes pessoas são barradas nas fronteiras, e muitas vezes só podem entrar em determinados lugares quando são objetificadas e transformadas em mercadoria.”

Disso Nazareth entende. Ele diz ter perdido as contas de quantas vezes foi barrado em aberturas de exposições ou revistado por seguranças e policiais, embora tenha exposto seu trabalho em eventos de prestígio internacional, uma vez que a Bienal de Veneza, a mostra de arte contemporânea mais importante do mundo.

É alguma coisa que, embora a atinja de maneira dissemelhante, por ser uma acadêmica, sempre vestida de maneira elegante, também interessa a Grada Kilomba e à sua obra. “Quais são os corpos dos quais lembramos e aqueles dos quais nos esquecemos?”, ela questiona. “Quais são os que queremos mostrar e os que queremos esconder?”

Fechando o combo das novidades do Instituto Inhotim está a exposição “Ensaios sobre Paisagem”, na galeria Lago do museu, sobre uma vez que nossos deslocamentos moldam a natureza. Participam dela quatro artistas em subida —Aislan Pankararu, Ana Cláudia Almeida, Castiel Vitorino Brasiliano e Zé Carlos Garcia.

Mal põe os pés na galeria, o visitante se depara com o trabalho de Vitorino Brasiliano, que participou com destaque da última Bienal de São Paulo. Ali, ela expõe autorretratos em que incorpora as entidades que habitam a natureza para quebrar a jerarquia entre seu corpo e as matas.

Mais adiante, Almeida fixa no teto grandes tecidos, tingidos com uma multiplicidade de cores e formatos que podem ser vistos ali mesmo no Inhotim, que fica num território de intercepção entre a mata atlântica e o denso.

Há ainda as obras de Garcia, que propõem uma mistura entre a fauna e a flora, com frutas e animais, por meio de esculturas feitas de madeira, e as de Pankararu. Artista indígena, ele usa sua formação em medicina para reinterpretar a paisagem com a qual cresceu, no interno de Pernambuco, pintando células do corpo e grafismos indígenas, principalmente sobre pele de cabrão.

As reflexões sobre deslocamento, que também são o pivô da Bienal de Veneza recém-aberta na Itália, não deixam de ser, em última instância, alguma coisa que atinge o próprio Inhotim, com seu ziguezague de carrinhos de golfe mata adentro pilotados por jovens de Brumadinho atingidos pelos desastres naturais que, se não estivessem trabalhando, teriam dificuldade para adentrar aquele espaço.

“São artistas que discutem assuntos pertinentes para entendermos fluxos diaspóricos, tanto em relação a continentes quanto no próprio Brasil, com um olhar zeloso para o processo todo de fazer arte, não só para o término”, afirma Beatriz Lemos, uma das coordenadoras do Inhotim.

O jornalista viajou a invitação do museu

Folha

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