Esta é uma breve história de porquê Mauro virou Oruam. De porquê Oruam virou projeto de lei. E de porquê o projeto de lei virou música.
Música, renome, verba —tudo isso é passageiro e não enche os olhos de Mauro. O que ele quer é estar com a sua família completa, coisa que nunca teve.
O pai, Márcio dos Santos Nepomuceno, espargido porquê Marcinho VP, está recluso desde 1996. Mauro, o quarto rebento, nasceu meia dezena depois. Ele é espargido porquê Oruam, um dos rappers brasileiros mais ouvidos atualmente, e expressou esse libido numa entrevista ao podcast PodPah.
Hoje, o anagrama do nome de batismo do artista carioca não sai do noticiário. Primeiro porque é um dos mais populares da novidade geração no Brasil —nesta quinta, virou manchete ao ser retido depois fazer uma manobra perigosa e tentar evadir de uma blitz no Rio de Janeiro.
Segundo, porque seu nome virou o sobrenome de um projeto de lei que vem sendo replicado em dezenas de casas legislativas, é a chamada lei anti-Oruam. Logo que saiu da prisão, depois o colega e parceiro músico Orochi remunerar a fiança, de R$ 60 milénio, Oruam anunciou o álbum “Liberdade”.
O novo trabalho, já no streaming, tem 15 músicas, entre elas, uma intitulada “Lei Anti-Oruam”. A envoltório do álbum é ilustrada por uma foto de Oruam e sua família —mãe e irmãos vestem camisas com a foto de Marceinho VP, com a vocábulo “liberdade” em negrito. O próprio Márcio aparece na retrato, digitalmente inserido. O clipe da filete “22 Meu Vulgo”, lançado à meia-noite desta sexta, já tem quase 800 milénio visualizações.
Nas redes, houve quem elogiasse o artista, chamando de “mito” ou exaltando sua aura anti-sistema, mas também houve quem criticasse o lançamento do disco logo depois a prisão.
No início da tarde desta sexta, o rapper postou em suas redes um vídeo de um vídeo de um sege branco fazendo manobras perigosas em frente a uma viatura de polícia militar do Rio de Janeiro. A cena é filmada por alguém próximo dos veículos em movimento, com boa estabilização de imagem.
A cena postada se assemelha a imagens obtidas pelo G1. Segundo apuração do portal, o sege que faz “cavalo-de-pau” em frente à polícia teria Oruam no volante. Imagens da TV Record, também condizentes com o vídeo postado pelo artista, mostram o rapper sendo retirado de perto do sege por um policial.
Enquanto uma série de seguidores o elogiou e postou comentários porquê “GTA RJ”, outros levantaram suspeitas de jogada de marketing. Na noite de ontem, Oruam postou um story agradecendo ao perfil de entretenimento Choquei. “Queria agradecer à página Choquei que postou todos os vídeos de hoje, sem manipular nenhuma postagem. Sigam eles lá, família”, escreveu.
De consonância com reportagem do UOL, Oruam admitiu nos bastidores que fez “besteira”. O jovem ficou silencioso durante todo o testemunho à polícia, que diz que não identificou sinais de embriaguez nele.
Quem deu início à maré de PLs anti-Oruam foi a vereadora Amanda Vettorazzo, do União Brasil de São Paulo. Os projetos propõem que seja proibido o uso de recursos públicos para a contratação de artistas que façam manifestações consideradas de apologia ao delito e ao uso de drogas em suas músicas ou apresentações.
Atualmente, foram apresentados projetos em pelo menos 12 capitais brasileiras, seis estados, além da Câmara dos Deputados e do Senado Federalista.
Foi no Parque Taipas, comunidade muito ao setentrião da capital paulista, que Vettorazzo tirou sua inspiração para a proposta. Na quadra, ela não era vereadora, mas já atuava porquê coordenadora pátrio do Movimento Brasil Livre, o MBL. Ela conta que visitava o lugar em quase toda data comemorativa, acompanhando ações de uma ONG que atua em comunidades periféricas.
Lá morava um garoto que hoje deve estar na filete dos 14 anos, ela diz, bastante envolvido nas atividades, porquê o jiujitsu. Com o tempo, não encontrava mais o menino em suas visitas, até que depois topou com o garoto por casualidade. “Ele me disse ‘tia, eu não quero mais fazer esporte, não. Eu quero ser MC'”, afirma Vettorazzo. Dentre os artistas que o menino afirmava contemplar, estava Oruam, que, no ano pretérito, ficou célebre para um público maior por ter defendido a liberdade de seu pai durante um show no Lollapalooza.
“Isso me preocupou muito. Eu não posso proibir ele de ouvir uma música, não sou mãe dele nem mãe de ninguém”, diz a vereadora. “E também não posso proibir o Oruam, por exemplo, de fazer show cá [em São Paulo].”
Ela logo explica o porquê de mirar nos eventos com verba público. “Por exemplo, ele fez um show cá em São Paulo, numa mansão chamada Vitrinni, uma mansão rosto, na Vila Olímpia. Ele [o jovem do Parque Taipas] não teria condições financeiras de ir nesse show. Mas numa Viradela Cultural, num evento público, ele teria exigência de ir.”
“Não acho que a gente pode deixar que os nossos jovens sejam influenciados por artistas que façam apologia e que, no show, enalteçam o Comando Vermelho, o delito organizado”, diz Vettorazzo.
Oruam não ficou silencioso diante da ofensiva legislativa que leva seu nome. Gravou vídeos chamando a vereadora de “doente mental” e insinuando ameaças veladas com frases porquê “se não, você vai saber o capeta”. O resultado foi uma enxurrada de ameaças, feitas por fãs, inclusive de estupro, à vereadora, que registrou um boletim de ocorrência e agora anda escoltada.
Para Aline Akemi Freitas, advogada profissional em recta administrativo na superfície da cultura e fomento público, o PL promove a repreensão prévia.
“O gestor tem autonomia para sentenciar o que ele vai contratar e pode responder por suas decisões de várias formas, se for o caso. Quanto aos responsáveis pelas crianças e adolescentes, entendo que cada um vai tomar a decisão que entenda mais acertada na orientação e geração dos menores”, diz.
Já nos casos das leis de incentivo, em que a escolha da alocação do verba público é da iniciativa privada, porquê a Rouanet, por exemplo, não pode ter estudo subjetiva, diz a advogada. “Cumpridos os requisitos [técnicos], o projeto tem que ser sancionado.”
Para ela, a lei pode limitar o entrada à cultura “principalmente da população que mais se identifica com a verdade que as músicas retratam”, isto é, pessoas de regiões mais pobres da cidade. “Entendo que há uma repreensão, considerando que secção da população só tem entrada a determinados shows se a prefeitura ou o poder público contrata”, diz Freitas.
Artistas de funk, rap, trap muitas vezes usam o argumento de que músicas acusadas de exaltar o delito, na verdade retratam a verdade das comunidades carentes do Brasil e que, por isso, não são apologia, mas um relato.
“O projeto não proíbe o financiamento público nessas hipóteses de uma mera narrativa, só quando há exaltação, quando há apologia, quando há incentivo à conduta”, diz o deputado Kim Kataguiri, do União Brasil, que apresentou a versão federalista do processo na Câmara dos Deputados.
“O que a gente está querendo é a obrigatoriedade do [poder] Executivo fazer a estudo de que se naquele projeto que está sendo apresentado há músicas ou manifestações que façam apologia do delito e do uso de drogas. Se o projeto é sancionado, mas no curso do evento é feita essa apologia, aí aplica-se uma multa para o contratado”, diz Kataguiri.
Para Conrado Hübner Mendes, colunista da Folha e professor de recta constitucional da Universidade de São Paulo, o PL viola a liberdade de sentença. “Pode uma filarmónica ir numa unidade de ensino e eventualmente cometer um delito pelo que fala? Evidente, qualquer um pode, mas não porquê requisito prévio, a partir de uma definição genérica de apologia ao delito”, diz.
“Apologia do delito é um tipo penal e isso quem julga é o judiciário”. diz Hübner Mendes. “Recursos públicos estão sujeitos a uma série de regras. Uma vez respeitadas essas regras, não cabe a eles [gestores públicos] julgar se uma música faz apologia ao delito. Não cabe uma lei definir e nem o gestor [público] julgar do ponto de vista moral o que se contrata.”
Segundo Kataguiri, caberia ao poder Executivo investigar se há ou não apologia nas propostas culturais apresentadas. “Quem sujeitar o projeto à estudo pode recorrer na própria instância administrativa dentro do Poder Executivo para que isso seja reavaliado. Se o Poder Executivo continua achando que a apologia e quem recorreu não está satisfeito, ele pode recorrer ao Poder Judiciário”, diz. “Da mesma maneira, se o Poder Público contrata, considerando que não há apologia e há uma quebra desse contrato no curso do evento, tem apologia ao delito, ele exige a multa contratual.”
Para Hübner Mendes, o PL é juridicamente inofensivo. “Mas a tentativa de intimidação por meio de lei nunca é inócua”, diz.
Só que antes de enfrentar parlamentares e a opinião pública, o menino Mauro teve que enfrentar a vontade da mãe, que torcia o nariz para músicas com teor violento.
“Até hoje ela não gosta, inclusive meu pai também é contra! Eles sempre blindaram muito a gente, e nos incentivaram a seguir um caminho completamente dissemelhante da verdade que eles viveram”, diz a mana de Mauro, Débora Gama, que é cantora gospel.
Wallace conheceu Oruam num ilustrado no Multíplice do Boche, quando o garoto devia ter uns 7 anos de idade. Na quadra, Wallace já era MC Smith, mas Oruam ainda era unicamente Mauro.
“Ele sempre foi um rosto muito extrovertido, um garoto super povão, andava descalço, mas ele não morou no multíplice, ele sempre morou fora da favela, sempre teve uma vida muito melhor, muito tranquila. Porque o pai também não queria que os filhos passassem pelo que o pai passou assim, no universal assim, tá ligado?”, diz.
Há murado de dez anos, Wallace conta que foi fazer um show na antiga Via Show, uma grande mansão de espetáculos na Baixada Fluminense, e propôs levar Mauro. A mãe do menino, evangélica, não deixou. “Ele chorou e tudo nesse dia”, conta Smith.
Em 2017, houve o lançamento de um livro do pai de Mauro, na quadra da Mangueira. Na ocasião, o garoto declamou um poema. “[Nesse dia] eu falei para a mãe dele que ele tinha que desenvolver o poema dele em forma de música. E hoje ele tá aí”, diz.
São seis os filhos de Márcio —cinco dos quais ele teve com a sua xará, Márcia Gama. O par se conheceu no Multíplice do Boche, onde nasceu Lucas, o primeiro de Márcia e o segundo de Márcio, que foi para a prisão um par de meses depois do promanação do rebento. Depois vieram Débora, Mauro, Vitória e Silas.
Marcinho VP, o pai de Oruam, foi sentenciado a 36 anos de prisão sob a querela de ser mandante de dois homicídios, cometidos em 1996.
Assinalado porquê uma das maiores lideranças do Comando Vermelho mesmo depois ser recluso, Márcio, em entrevista à Record, em 2018, afirmou que nunca foi traficante na vida, e que “vivia de assaltos na rua”.
Ele afirma ter sido um integrante do Comando Vermelho, “unicamente mais um”, sem ter exercido missão de mando. Na mesma entrevista, ele afirma que ajudou Sérgio Cabral nas eleições de 1996. “Ele me enganou direitinho”, disse ao jornalista Domingos Meirelles. Márcio disse que recebeu Cabral em seu torrinha durante um showmício de pagode no Multíplice do Boche. “Comeu, bebeu, me elogiou para caramba.”
Os filhos de Márcio cresceram em Jacarepaguá, no Pechincha, bairro de classe média na zona oeste do Rio de Janeiro, e estudaram em escola privado.
O mais velho, Márcio, estudou gastronomia. Lucas cursou recta, Débora arquitetura. Vitória está fazendo enfermagem e o caçula, Silas, de 21, não entrou na faculdade —ainda está se encontrando, mas gosta da superfície da música, conta a mana mais velha.
Mauro fez até o segundo ano de psicologia, mas parou depois de estourar na música.
“Sempre tivemos boas oportunidades e fomos ensinados a não desperdiçá-las”, diz Débora, que conta que sempre foi a filha mais comportada.
O primeiro hit foi “Invejoso”, de 2021, que hoje acumula 67,7 milhões de audições no Spotify. O clipe da música tem 193 milhões de views no YouTube. Oruam ficou mais espargido no mainstream depois de participar do Trova Acústica, muito sucedido projeto músico que reúne artistas de trap, rap, funk e já lançou 16 álbuns.
Em 2024, furou a bolha de vez. Durante apresentação no Lollapalooza, em São Paulo, vestiu uma camisa com o retrato do pai com a vocábulo “liberdade” em plebeu.
Seus versos vão da putaria ao Deus-pai, do jogo do tigrinho à violência policial.
Oruam é possuinte do hit “Rolé na Favela de Nave”, indicado ao prêmio de funk do ano no Prêmio Multishow de 2024. Também é responsável do trap gospel “Terreno Prometida”, em que canta “essa eu fiz pra minha mãe se orgulhar”.
Um de seus sucessos mais recentes é “Oh Pequena Quero Você Só Pra Mim”, em parceria com o sertanejo Zé Felipe, marido da influenciadora Virgínia Fonseca, vem sendo chamado de “hit do verão”.
Em “Fruto do Proprietário”, parceria com MC Cabelinho, ele canta “Não tenho temor, eu sou rebento do possuinte/ Maior responsa de sujeito varão”.
Não vasqueiro, se veste e se maquia de Coringa, vilão do Batman. Ele também usa a simbologia do numero 22, que corresponde ao arcano do louco no tarô.
No peito, ele carrega uma tatuagem do rosto do pai. Embaixo da costela, ele tem tatuado o rosto de Elias Maluco, morto em 2020, depois ter sido sentenciado porquê mandante do homicídio do jornalista Tim Lopes. Oruam o labareda de tio.
Os irmãos cresceram frequentando a mesma igreja, mas hoje unicamente Débora é membro da Tertúlia de Deus Bonsucesso de Jacarepaguá, onde faz secção da equipe de louvor. Segundo ela, todo mês os irmãos frequentam os cultos que a cantora realiza em sua mansão.
Mauro não foi o primeiro da família a tentar curso artística. Os mais velhos, Lucas e Débora, começaram a trovar ainda crianças, formando uma dupla gospel. Débora diz que começou aos quatro anos, e Lucas engatou na curso músico junto com ela alguns anos depois. Logo que Lucas entrou para faculdade, deixou a dupla.
Débora Gama tem números mais modestos nas redes. Seu clipe mais visto de seu meio tem 149 milénio visualizações. Um dueto com o cantor Jairo Bonfim, “Ninguém Explica Deus”, tem 2,7 milhões.
A cantora conta que Mauro nunca quis se aventurar no mundo dos melismas e louvores da música gospel. “Ele sempre levou jeito para rima, poema, rap”, diz.
Débora rejeita a pecha de “nepo baby” tanto para ela quanto para o irmão. Ela discorda que a imagem do pai tenha ajudado na curso artística dos filhos.
“Nunca ouvi ninguém usar esse termo para se referir a mim, até porque não vejo favor nem vantagem alguma em carregar o nome do meu pai, principalmente da forma negativa porquê retratam”, diz a cantora e arquiteta.
“Sempre trabalhei, tem anos que eu tenho minha curso, e nunca usei do nome do meu pai para chegar em lugar nenhum. Depois que Mauro estourou é que passamos a ser mais ‘notados’, e começaram a nos vincular ao nosso pai. Acredito que as pessoas aproveitam do nome dele —que vende— para nos rotular, e isso, de alguma forma, gera curiosidade, que gera visibilidade.”