Como Nascimento De Filhos, Maratonas São Marcos De Vida

Como nascimento de filhos, maratonas são marcos de vida – 28/05/2024 – No Corre

Esporte

Para uma geração que vai ingresso em anos, alguns dos grandes marcadores de tempo são as Copas do Mundo, a música que tocava insistentemente nas FMs com a chegada do verão e, simples, os nascimentos e mortes na família.

Mesmo mais velho, eu poderia ser o menino para quem o mundo caiu na famosíssima envoltório sem palavras do Jornal da Tarde. Logo depois do 2 x 3, fui sozinho jogar meu Três Dentro, Três Fora e, naquele beco detrás do escadão nas Perdizes, não tirava da cabeça a teoria de que, quatro anos depois, aos 19 anos, eu já não estaria mais interessado em futebol (ah, tá!).

O tetra tinha que ter vindo em 1982. Término de papo.

A música do verão que me vem rápido à cabeça já é mais temporã: a da Marina, da “bundinha de fora”, trilha incidental de uma viagem ao Rio de moto, a xizelona vermelha, um clima “Vital e sua moto” que nem o Revéillon flopado numa mansão da Barra de uma ex do Wando conseguiu banhar.

Mas para quem corre, e pior, torna-se maratonista, sujeitando-se a esse fetiche dos fetiches que é completar uma prova de 42 km, um novo marcador de tempo vem de brinde.

Exceto talvez para malucos com a contabilidade de maratonas de um Nilson Lima, com suas 357, ou, vai, o Lula Holanda, fundador da Acorja, o grande grupo de corrida do Recife (137), que precisa ter uma capacidade mnemônica digna do PVC para lembrar-se de cada uma de suas maras, imagino que seja fácil recordar das circunstâncias de nossos 42 km.

Para mim, que sou o pior biógrafo de mim mesmo e cuja memória combinaria melhor com um ficcionista do que com um jornalista, ajuda sobremaneira ter transformado em relato, publicado no site Jornalistas que Correm, minhas dez maratonas.

A primeira foi em São Paulo, meu quintal, investimento inferior, tempo de prova bastante bom para o serviço público, e que foi marcada indelevelmente pelos metros finais.

Foi quando minha filha mais velha, que estava para completar dez anos de idade, apareceu na minha frente. Vou me permitir um autoplágio. Espero que os leitores e meus chefes da Folha não se incomodem.

Eu já estava chegando ao Obelisco e, qual um autômato, mal conseguia olhar para os lados a término de contemplar o pequeno público que aguardava os competidores. Só tinha olhos para a frente, para o incrivelmente distante, assim me parecia, pórtico de chegada. Uma voz portanto se fez ouvir: “Papai!”

Olhei quase que por ato revérbero para a direita e uma moça loirinha de uns 10 anos colou em mim e se manteve o tempo todo a meu lado, no meu ritmo, até a chegada –realmente distante–, uns 500 metros dali.

Eu não aliviei, operava naquela hora por instrumentos, e Maria Vitória segurou o pace altíssimo para ela. Em oferecido momento, cones brancos se multiplicaram aos zilhões, porquê que a proteger a meta inimiga –a traço de chegada.

Cheguei a pensar no paradoxo de Zenão, em que a tartaruga larga avante de Aquiles e nunca pode ser alcançada: sempre vai possuir metade, depois metade da metade, mais avante metade da metade da metade e assim sucessivamente, da intervalo a ser superada.

Não fosse a Vitória ali, aqueles segundos finais teriam sido uma bad trip de efeméride.

Pernas e “core” não davam sinais de esgotamento, muito longe disso, mas eu me sentia saindo de um concerto dodecafônico escrito para o Nine Inch Nails. A cabeça orbitava em qualquer sistema solar distante.

Na passagem pela tenda do saquinho de frutas e da medalha, perguntei por perguntar se Vitória poderia lucrar ela também uma medalha. A moça disse que não, e eu não insisti, mas ela não demorou cinco segundos para mudar de teoria e tascar uma no pescoço da minha filha.

“Não conta pra ninguém”, disse, com extrema simpatia.

Rendimento que se ela não fosse tão lícito eu não contava.

Vitória hoje estuda gestão pública numa instituição célebre por essa disciplina, domina as biografias de presidentes do Brasil republicano, sabe preparar coquetéis com Aperol, frequenta com moderação o Canindé e, além do sprint final relatado supra e de uma prova “reality show” de serra, nunca participou de corridas de rua.

Geminiana, é carinhosa com todo o seu entorno.

Faz 19 anos nesta quinta-feira, 31, e não sei se terá disposição para novas maratonas do pai. Feliz natalício, filha.


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Folha

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