Como o aurélio, aos 50, se tornou sinônimo de dicionário

Como o Aurélio, aos 50, se tornou sinônimo de dicionário – 22/03/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

O Aurélio, que está completando meio século, não só virou sinônimo brasiliano de léxico porquê carrega o orgulho de ter, nas suas variadas edições, vendido zero menos de 15 milhões de exemplares até o termo do contrato com a editora Novidade Fronteira, em 2003. De modo universal, só a Bíblia atinge patamares assim.

No período desde portanto, porém —quase metade da sua vida—, o jogo mudou por completo. O parabéns-pra-você entoado na sarau dos 50 anos soa meio desenxabido diante da constatação de que os dias de glória passaram.

Não é que o Aurélio, lexicográfica e editorialmente desafiado em 2001 pelo Houaiss, tenha perdido espaço. Todos perderam. O mundo é outro.

Aquele mundo em que começaram a circundar os 18 milénio exemplares da tiragem inicial do “Novo Léxico da Língua Portuguesa”, do lexicógrafo alagoano Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, aguardava ansiosamente sua chegada. Notas periódicas na prelo vinham atiçando expectativas pelo tijolo de 1.536 páginas e 120 milénio verbetes. Era março de 1975, início do ano letivo.

A sarau de lançamento, na livraria ipanemense Ofídio Norato, de Carlos Lacerda (também possuinte da Novidade Fronteira), ficou para quatro meses depois, mas confirmou que o novo léxico nascia popular. Aurélio era muito relacionado e seus amigos estavam todos lá —inclusive os mais avessos a eventos sociais, porquê o poeta Carlos Drummond de Andrade. O sucesso do livro foi inopino.

Até o termo do século, o léxico não pararia mais de vender. A relativa simplicidade de suas definições e abonações literárias —colhidas mais de autores brasileiros recentes do que de velhos clássicos— contribuiu para que ele caísse no palato do público, que nunca deu ouvidos aos rumores eventuais de falta de rigor lexicográfico que circulavam nos meios especializados.

À segmento os méritos do resultado, a principal razão para o sucesso fenomenal do Aurélio parece se inscrever no círculo largo da história da cultura brasileira.

Em 1975, o país achou que já passava da hora de ter o seu grande léxico. Hoje isso pode toar estranho, mas há meio século a lexicografia vernáculo ainda não atingira a maioridade.

A língua não se chamava português? Que se importassem de além-mar nossos dicionários. O Brasil já era independente havia três décadas quando, em 1853, em tom de pedido de desculpas, o lexicógrafo Brás da Costa Rubim lançou o “Vocabulário Brasílico para Servir de Complemento aos Dicionários da Língua Portuguesa”.

A mentalidade colonizada começou a mudar no início do século 20, mas o processo era lento. Não faltava anelo ao “Grande e Novíssimo Léxico da Língua Portuguesa” (1944), de Laudelino Freire, por exemplo, mas seu estilo era erudito demais. O Aurélio conversava com um novo país —um país que tinha mercado de tamanho e uma população cada vez mais urbana e educada.

Quando morreu, aos 78 anos em 1989, o varão por trás do mais famoso léxico brasiliano não tinha nenhum motivo para duvidar da perenidade de sua obra. Mesmo a longa disputa judicial com seus antigos colaboradores, tendo avante o jornalista Joaquim Campelo, estava exclusivamente no início.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federalista daria a vitória final aos herdeiros de Aurélio, mas vale lembrar a história de sua parceria apaixonada —e posteriormente desfeita de modo não menos passional— com Campelo, contada em detalhes no livro “Por Trás das Palavras”, de Cezar Motta, lançado em 2020 pela editora Máquina de Livros.

Sem Campelo, intelectual maranhense da geração de José Sarney e Ferreira Gullar, muita gente acredita que nunca teria nascido o léxico agora cinquentão. Era ele o disciplinado, o estoico, o caxias que, numa empreitada de tanto fôlego, contrabalançava a charmosa inconstância boêmia de Aurélio, com seus bolsos sempre cheios de papeizinhos onde anotava palavras e definições.

Aurélio teve a felicidade de não ver as vendas de dicionários de papel começarem a despencar, há mais de 20 anos. Além do vestuário de que buscar verbetes numa tela é incomparavelmente mais fácil e rápido, há a vantagem de que um montão do dedo pode ser atualizado permanentemente.

Tinha chegado a hora de reinventar os grandes dicionários porquê produtos. O Oxford e outros passaram a fechar seu teor para assinantes —não sem produzir sites gratuitos e atraentes com “palavras do dia”, joguinhos e outras curiosidades. O Merriam-Webster e o Cambridge optaram pela gratuidade da consulta ampla de definições, exemplos e etimologia, reservando exclusivamente os recursos mais avançados aos pagantes.

O grupo Positivo, de Curitiba, que detém há 22 anos o passe do léxico nascido carioca, sempre pareceu mais interessado em disponibilizar o Aurélio aos clientes de seus computadores e sua rede de ensino do que ao público em universal. A empresa não divulga números de vendas.

“Os aplicativos bancários substituem a ida ao banco, os aplicativos de notícia substituem as ligações telefônicas. A consulta a um verbete, da mesma forma, pode ser realizada em um suporte do dedo simples e eficiente, em vez de em um léxico impresso pesado e difícil de ser repleto”, disse Sue Ellen Halmenschlager, editora responsável por dicionários na Positivo, em 2019.

Também pagos, acessos por app —e por um plug-in do Google Chrome chamado “Aureliar!”, removido do navegador em 2022— não puderam evitar que, num mundo que adora a gratuidade, o Aurélio fosse encolhendo na paisagem.

Porquê o Houaiss, que também tem protótipo pago, o léxico número um do mercado brasiliano acabou superado por buscas avulsas no Google ou, nos casos em que é necessário maior rigor, por modelos gratuitos porquê o do Dicio e o do Aulete. O português Priberam, que também dispensa paywall, foi outro cuja presença cresceu no período.

Seja porquê for, o prestígio aglomerado em sua primeira período parece suficiente para manter, pelo menos por qualquer tempo ainda, o substantivo generalidade “aurélio” porquê sinônimo de léxico na língua brasileira das ruas.

Folha

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