Como O Brega Virou O Gênero Mais Popular De Pernambuco

Como o brega virou o gênero mais popular de Pernambuco – 09/02/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

Ao amanhecer nas ruelas do Recife neste sábado, o Galo da Madrugada anuncia as folias de momo com um rebento ilustre da capital no seu estandarte maior. Reginaldo Rossi, cantor brega que mais cantou as belezas da cidade nassoviana, é a figura homenageada neste ano pelo maior conjunto de Carnaval do mundo.

A coroação do artista é um capítulo importante de um estado que abraçou uma vez que nenhum outro o brega brasiliano, a ponto de reinventar tal música à sua própria maneira.

Hoje, o brega é gênero músico pernambucano por primazia. Não que as nações de maracatu e as rasgadas do frevo tenham deixado de simbolizar o estado, nem tampouco que a breguice inexista no setentrião e no nordeste do país. Acontece que, nas últimas décadas, o brega se enraizou e embrenhou em Pernambuco, de cima a grave, de lado a lado, mantendo a tradição romântica do cancioneiro pátrio ao passo que a renova numa indústria de vária produtoras, casas de show, fãs apaixonados e artistas de peso.

“O brega é sempre uma sofrência, boa ou ruim, e todo mundo sofre no Brasil, mas nosso brega é alguma coisa que foi criado nas comunidades daqui”, diz Raphaela Santos.

Junto de Priscila Senna, a cantora forma o carro-chefe do brega pernambucano hoje. As duas lotam shows na região, colaboram com artistas uma vez que Anitta e Ludmilla, protagonizam campanhas publicitárias do governo e colecionam números expressivos —o clipe de “Quem É o Louco Entre Nós”, de Raphaela, tem quase 60 milhões de visualizações no YouTube, e seu cachê no São João de Caruaru de 2023 foi de R$ 120 milénio.

“Ano pretérito foi minha primeira vez cantando no Carnaval de Olinda”, diz Raphaela, que subiu ao palco quando a cidade estreou sua noite dedicada ao brega. “Esse ano, cantei na franqueza do Carnaval do Recife, pela primeira vez também.”

A oficialização do brega contemporâneo na maior sarau das cidades é outra prova da valimento do gênero no estado, principalmente junto à região metropolitana da capital, em municípios uma vez que Paulista e Abreu e Lima, e comunidades menos favorecidas, uma vez que o Morro da Conceição.

No topo do monte, ao lado da igreja que lhe dá nome, Raphaela se apresentou em março pretérito para um público reduzido. Era término de tarde quando a van da artista estacionou ao lado de um bar onde ela, por quase uma hora, cantou tête-à-tête com uma centena de fãs.

O sistema de som zero parecia com o que se vê em palcos gigantes. A equipe diminuta —seu time tem quase 30 pessoas, com recta a fonoaudiólogo— poderia confundir: quem seria aquela artista num lugar tão modesto e com fãs tão apaixonados?

Essa proximidade com o público é a força-motriz do brega pernambucano. Ela se traduz em toda a enxovia da indústria e vai das produtoras ávidas em procura de talentos locais até a presteza na distribuição de novas músicas em plataformas uma vez que SuaMúsica e pen drives que tocam em paredões, passando pela gravação de clipes em locais públicos e acessíveis.

“No lançamento do meu EP, fizemos uma gravação gratuita no núcleo do Recife”, lembra Raphaela. “Todas as músicas são autorais e todas tem mais de um milhão de visualizações no YouTube. Isso mostra que o público consome muito o brega.”

“O brega não é sertanejo, não é forró, e pode até ser parecido com o arrocha. Mas o brega tem grave, bateria, sintetizador e teclado muito em evidência, e a guitarra tem que ser muito estalada”, diz John Play, produtor de brega e um dos nomes principais da D&D, produtora de brega situada em Paulista, na grande Recife.

Essa fusão sonora, que na tela do computador se transmuta em uma série de camadas representando diversos instrumentos —muitos dos quais puramente virtuais—, dá a textura do brega atual.

Outro fator importante é o vozerio. Hoje, as canções de brega fazem uso de longas vogais, marca da música romântica, mas também do gospel. Raphaela Santos, por exemplo, iniciou-se uma vez que cantora na igreja. Outra artista de renome do gênero, Eduarda Alves também aprendeu a trovar nos cultos. A “pequena do cabelo rosa” é dona de sucessos brega uma vez que “Nosso Paixão”, versão de “Flowers”, de Miley Cyrus. Essa procura incessante por versões nacionais, elemento típico do forró, também dá a tônica do brega.

“Se tem uma versão brega da música, é porque a música é hit”, conta Eduarda. “E dá uma viralizada mais rápido, uma vez que foi a música ‘Necessito’.” Com quase dez milhões de visualizações no YouTube, a constituição de Eduarda é uma versão brega de “Despacito”, de Luis Fonsi.

A música latina em espanhol é mais um elemento na instauração do atual brega pernambucano. Esse contato também aponta para a tempo anterior do movimento, em 2010, quando bandas uma vez que Vício Louco e sua versão da bachata “Obsession” dominavam as ondas sonoras de Recife e região junto do nascente brega funk e seus ares de reggaeton.

No transcurso daquela dez, enquanto muitos homens se voltavam à profissão MC, mulheres passaram a lucrar destaque nos conjuntos. O movimento ganhou força com a subida de cantoras do sertanejo, caso de Marília Mendonça.

Priscila, Raphaela e Eduarda e muitas outras vem de projetos de grupos musicais. O golpe último na subida das mulheres é quando a perspectiva feminina tomou conta das letras. “Os temas são traição, amores divididos, a volta por cima, o amor-próprio e até vingança”, diz Eduarda. “Mas é sempre o ponto de vista da mulher.”

Homens ainda têm seu espaço no brega pernambucano. O público é sempre diverso, e não vasqueiro infantil —há diversos vídeos de pequenos cantando as letras de paixão uma vez que se sofressem de tamanha dor. Nos palcos, nomes uma vez que Tocha atualizam a figura masculina no gênero.

“Hoje em dia ninguém faz mais uma tocata, portanto minhas músicas falam ‘me perdoa, paixão’ ou ‘sai da minha vida’, a turma sente e canta uma vez que se estivesse vivendo a paragem”, diz o cantor que também é MC. Outros, uma vez que Conde Só Brega, mantém a verve desmedida de Reginaldo Rossi, enquanto isso.

“Existe uma primeira geração do brega que é ancorada na figura do varão”, explica Thiago Soares, professor da UFPE e responsável do livro “Ninguém É Perfeito e a Vida É Assim: A Música Brega em Pernambuco”.

Para o profissional, nesse ponto reside a origem do brega em Recife, num encontro que remonta aos anos 1970 entre as práticas musicais dos interiores —caso da seresta maranhense—, boleros romanceados locais e a música novidade de portanto.

“É a tradição do varão sofredor, o faceta que bebe, e versões locais de ídolos nacionais, uma vez que Roberto Carlos. Acho que o Reginaldo Rossi encarna muito muito isso”, afirma Soares.

Para ele, o gênero sobrevive às décadas atravessado por preconceitos. Há, primeiro, um recorte regional. Sem nunca deixar de lado a bandeira pernambucana, Reginaldo Rossi, por exemplo, nunca foi tido uma vez que cantor romântico no Brasil, muito embora cantasse de paixão assim uma vez que Roberto Carlos fazia.

“E existe também uma clivagem de classe”, diz Soares. “O brega é uma música vista uma vez que música de pobre. Essa é a leitura das elites.”

Ensanduichado pelo forró e pelo pagode sítio, o brega resiste aos anos 1990 e chega aos 2000 com fôlego de um novo jogador. “A produtora Luan Produções passa a empresariar a orquestra Calypso e vê no nordeste um mercado potencial, alguma coisa que acredito ser uma homologia ao sucesso do forró eletrônico em Pernambuco”, explica Soares.

“Chimbinha e Joelma se mudam para Recife, e acredito que isso agendou uma série de conjuntos de bandas que passam a mimetizar a orquestra Calypso, uma vez que a orquestra Kitara e Musa do Calypso, entre outras.”

O gênero cresce nas franjas da capital pernambucana e começa a tomar a paisagem sonora da metrópole na esteira de programas de TV e casas de show que acolhem um público majoritariamente jovem, vindo das periferias.

“O brega se configura com essa valimento também por desculpa da mediatização”, explica Soares. “Na televisão, ele vai se enraizando ao mesmo tempo que reagendando esses artistas mais antigos.”

É nos anos 2010 quando o brega toma conta da capital pernambucana, da Olinda geminada a ela e também dos interiores do estado —e para além, uma vez que Sergipe e Paraíba. O brega dá origem a novos artistas, uma vez que Raphaela Santos, e se moderniza na velocidade dos memes.

É caso da página Brega Bregoso que conta com 2,6 milhões de seguidores no Instagram e conquista a estética do jovem fã de brega.

Para Soares, o atual momento do brega também cruza a subida do gênero ao maior entendimento da música negra no Brasil. “Essa geração atual traz o debate pós-internet que é a racialização do brega, alguma coisa que antes era o debate de classe”, diz o profissional.

“O próprio Reginaldo Rossi não se fala uma vez que um varão preto, é alguma coisa que não aparece na poética das músicas dele.”

Assim uma vez que a presença de cantoras uma vez que Raphaela Santos no Carnaval sacramenta o domínio do brega em Pernambuco, a homenagem do Galo prova que Reginaldo Rossi segue ídolo inconteste no estado.

Visto de forma caricata no sudeste, Rossi incorporou o espírito brega, o paixão rasgado em suas loas tão apaixonadas quanto as homenagens a sua cidade de encantos milénio. É um espírito que hoje se reinventa nas vozes de novos artistas, nas propagandas e programas de auditório de TV, nos memes e nos shows mais cobiçados de Olinda e Recife ou nas radiodifusoras que ecoam nas biroscas e fiteiros de Pernambuco.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *