Quinta-feira de firmamento azul na rua 25 de março, meio mercantil mais popular de São Paulo. A cor cobria também vitrines e barracas. Em frente a uma delas, um rapaz analisava quais peças de roupa levaria para a filha de dois anos. Disse que ela e as colegas estavam fissuradas naquele forasteiro azulado. Além de “mamãe” e “papai”, a moçoila havia concluído de aprender a pronunciar um nome: “Stitch”.
Embora tenha sido criado há mais de 20 anos, o personagem da Disney nunca foi tão popular. “Lilo e Stitch”, a animação de 2002, ganha no mês que vem um novo filme, agora em live-action, com atores. É a principal aposta da Disney para os cinemas leste ano, depois a empresa injetar verba numa estratégia feroz para espalhar o monstrengo azul pelas mais diferentes prateleiras.
Não estamos falando só de brinquedos e bichos de pelúcia. No último ano, Stitch abocanhou todas as fatias do mercado, e hoje estampa pipoqueiras, pastas de dente, hidratantes corporais, pratos de porcelana e até embalagens de panqueca. As vendas de produtos licenciados do personagem cresceram 247% no ano pretérito.
Mas essa histerismo pelo personagem gera uma preocupação sobre consumismo infantil. Há dez anos se tornou proibido, no Brasil, fazer anúncios de produtos que apelem ao libido das crianças. E, ainda que obedeça à legislação, a Disney vem lotando de Stitches as lojas e as redes sociais, criando assim uma ânsia desenfreada por ele.
“A Disney não pode comprar um espaço na TV e fazer anúncios para crianças, mas zero impede que o público fale dos seus produtos na internet. A lei de publicidade infantil, nesse sentido, é muito driblável, e os canais digitais acabam servindo de estratégia de marketing”, afirma Koca Machado, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing, a ESPM, e sócia da filial Grupo Sal.
E o libido não segmento só das crianças. Stitch se tornou uma marca poderosa logo que surgiu, no primícias dos anos 2000, quando virou uma das principais franquias da Disney —foram lançados mais três filmes e uma série animada focados nele, exibidos à exaustão no via de TV do estúdio.
Mas a preocupação estourou mesmo na Ásia, há cinco anos. Foi lá que a Disney identificou uma febre por criaturas animalescas de características antropomórficas, geralmente fofas e peludas, fenômeno hoje sabido porquê “cultura furry”. “Começamos a nutrir essa vaga”, diz Mara Ronchi, líder de produtos de consumo no braço pátrio da Disney. “Investimos no varejo, fomos detrás de parceiros, trouxemos o Stitch para feiras de cultura pop, e montamos atrações em shoppings.”
A vendedora Priscila Moraes, de 48 anos, foi até a rua 25 de Março à caça de capinhas de celular do Stitch. Queria comprar um lote para revender. “Sabor dele porque me ajuda a evadir da nossa verdade caótica. Lembra infantilidade, inocência.”
O que encanta Moraes, e uma porção de adultos fiéis ao Stitch, é a subversão que ele faz no noção de família. Na trama do filme, o forasteiro sapeca escapa de uma prisão intergaláctica e desembarca no Havaí, onde conhece a pequena Lilo, que perdeu os pais e não tem amigos. Quando se conhecem, extraterrestre e humana encontram porto seguro um no outro, e viram companheiros.
“Stitch é torto, nascido para destruir, mas encontra paixão e se transforma. Hoje em dia, na cultura pop, ninguém é mais só bondoso, e por isso ele se conecta tanto com o século 21”, diz Machado, a professora.
Saturar o mercado com Stitch é uma forma de preparar o terreno para o novo filme, que segundo projeções de sites especializados, deve render US$ 100 milhões no final de semana de estreia, e se tornar uma das maiores bilheterias do ano. Até o lançamento em 22 de maio, novos produtos inspirados no live-action devem chegar às lojas.
“A chegada desse filme mostra para os fãs mais antigos que o personagem está se tornando real ao mesmo tempo em que eles enfrentam a verdade da vida adulta”, diz Pedro Curi, técnico em cultura de fã da ESPM. “Stitch se tornou companheiro de vida de quem era garoto no primícias dos anos 2000. São pessoas que olham para os bonecos dele e têm a memória afetiva estimulada. Assim, compram também o copo e todos os outros produtos.”
Com o Mickey, símbolo sumo da empresa, em domínio público desde o ano pretérito, se torna prioridade da Disney emplacar novos mascotes, afirma o professor. O rato e o Stitch, aliás, até compartilham um veste curioso —grande segmento dos seus fãs nunca sequer viram os filmes.
É por isso, diz Koca Machado, a técnico em marketing, que o forasteiro azul representa uma novidade na cronologia geral entre filmes e produtos: sucesso no cinema, depois nas prateleiras. Apesar de o Stitch ter surgido das telas, sua preocupação no varejo fez ele fabricar vida própria para invadir o imaginário popular sem estar necessariamente ligado ao filme. “Lilo e Stitch” é, finalmente, uma animação feita em 2D, técnica considerada datada pelas crianças e até abolida pela Disney.
Leste é o caso também de outras fissuras recentes, porquê o Sonic, que se descolou dos seus jogos, lançados décadas detrás, para virar ícone infantil —ele ganhou três filmes nos últimos cinco anos. Um pouco parecido aconteceu com “Minecraft”, que virou filme no primícias de abril, e levou crianças à euforia —muitas nunca nem jogaram o game, febre nos anos 2010.
Quem aproveitou o furor para fazer negócio foi o alagoense Nathan Silva. Aos 26 anos, ele comprou uma fantasia de Stitch para trabalhar porquê animador de festas infantis e artista de rua em São Paulo.
No primeiro domingo de abril, tentou a sorte na avenida Paulista. Suando debaixo da fantasia peluda, Silva passeava pela rua oferecendo fotos por qualquer valor. Antes ele fazia o mesmo, mas vestido de Mickey. “Comprei a do Stitch porque estava na tendência. Tiro uns R$ 50 por dia”, ele conta.
Feita de espuma e tecido, a fantasia custou R$ 949 e não é licenciada —ou seja, não foi fabricada pela Disney, mas por um produtor terceirizado, que não paga pelos direitos autorais.
Essa prática incomoda a Disney. “Fazer produtos de todas as faixas de preço é o que ajuda contra a pirataria”, diz Ronchi, a executiva do estúdio. Na entrevista, ela vestia uma camiseta do Torra, loja popular onde peças de roupa do Stitch são vendidas a partir de R$ 20.
Mas em outros espaços os produtos chegam a custar centenas de reais. Um dos mais caros é um brinquedo mecatrônico que reproduz falas do filme, balança a cabeça e pisca os olhos —em lojas de São Paulo, o resultado custa R$ 1.329,90.
Para os pais que não podem remunerar, seja por leste ou pelos produtos mais em conta, o jeito é ensinar às crianças, em moradia e na escola, os malefícios do hiperconsumo, diz Maria Mello, coordenadora do Petiz e Consumo, plataforma que advoga contra propaganda infantil. “Isso é difícil, segmento de quebrar tradições, consumismo está enraizado em muitas famílias.”
Precisa ter também, ela afirma, uma regulação das redes sociais, onde o incentivo à compra é veemente, livre e inconsequente. Assim porquê o próprio Stitch.