Em julho do ano pretérito, Rico Dalasam estava com seu álbum mais recente, “Escuro Sumptuoso, Último Dia no Orfanato da Tia Guga”, praticamente pronto, mas uma experiência o fez mudar de rumo. “Caiu minha ficha”, diz o rapper. “Sempre passei natalício sozinho, daí fiz um show no dia do natalício, e tinha 3.000 pessoas cantando parabéns para mim. Mexeu comigo. Vi que o disco tinha que encontrar outro lugar.”
Lançado em dezembro do ano pretérito, a obra trataria de paixão e romances, mas acabou ganhando uma novidade profundidade a partir das lembranças da puerícia do artista. De Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo, Dalasam foi criado pela vizinha, depois de sua mãe biológica, usuária de drogas, o entregar a ela. Foi quando frequentou a creche da tia Guga, onde aprendeu “a ver as horas, a confabular a vida”.
O resultado dessa investigação sobre o pretérito, “Escuro Sumptuoso”, traz Dalasam “organizando a história”, versando sobre maturidade e autocuidado enquanto narra experiências próprias no paixão. Nem por isso, o disco é pesado nem melancólico —na verdade, é uma obra que consegue ser solar sem se perder numa felicidade piegas.
“Escuro Sumptuoso” marca também o termo de uma trilogia que significou um “cavalo de pau”, porquê ele diz, na curso. A partir de “Dolores Dala Guardião do Refrigério”, de 2021, ele abraçou uma vertente mais lírica e reflexiva de se fazer rap, dedicando maior esmero às letras e à geração poética e tratando de dilemas pessoais nos versos.
Hoje com 34 anos, Dalasam surgiu com destaque no rap com rimas mais diretas e uma sonoridade eletrônica no disco “Orgunga”. Depois, já numa encarnação mais festiva, alcançou popularidade em 2017, com os hits “Incêndio em Mim”, leste do EP “Balanga Raga”, e “Todo Dia”. Ele também ficou publicado porquê o primeiro rapper francamente gay do Brasil.
“Todo Dia”, parceria com Pabllo Vittar e um dos sucessos do Carnaval de 2017, marcou o vértice desse primeiro momento de sua curso, mas um desentendimento em torno dos direitos autorais da música acabou gerando um momento de crise para Dalasam. A disputa entre ele e a drag queen, que nesse período só cresceu na curso, chegou a parar na Justiça.
“Me recolhi”, ele diz. “Algumas músicas já prontas eu deixei de lado. Me retirei dos grupos de formação de que participava. Passei a fazer tudo com mais zelo. Entendi que o que eu tinha era muito permitido para eu permanecer alimentando uma enxovia de produção.”
Um negócio em relação aos direitos da música foi feito em 2020, e, no ano seguinte, o rapper ressurgiu repaginado. A marca dessa era é a melodia “Braille”, de pegada romântica e sensível, até hoje o maior sucesso de sua curso.
“Quando fiz o ‘Braille’, me agarrei naquilo e fui por ali”, ele diz. “Saí daquela possibilidade de ser um hitmaker para outra, de me tornar um poeta relevante. E isso me contempla muito. Mas a gavetinha de coisas dançantes, populares e brasileiras está lá. Uma hora vou entreter a vida outra vez.”
Essa veia de poeta, ele diz, começou desde muchacho, quando ele desenhava e escrevia para elaborar a vida. Depois, ele se desenvolveu nas batalhas de rima. “Eu tinha as palavras, mas o rap me mordeu”, ele diz. “Aí comecei a desenvolver o flow, a encontrar um jeito meu de trovar —sempre atilado às proparoxítonas, criando jogos de palavras.”
A partir do álbum de 2021, Dalasam expandiu e aprofundou essa novidade maneira de imaginar e gravar. Sua escrita ficou mais complexa, o que pode ter minguado seu alcance em termos de números, mas o fez invadir um espaço pessoal dentro da música contemporânea brasileira —em vez de ouvintes casuais, angariou fãs dispostos a trovar parabéns em seu show no dia do natalício.
“Fui sofisticando as coisas. É porquê se eu tivesse com uma camisa de linho e um violão numa sala grande com livros de séculos passados e obras de arte que dizem o quanto vale a minha parede”, diz. “Sei o quanto ficou delicado o que estou fazendo.”
Essa proposta confessional está espalhada no disco “Término das Tentativas”, de 2022, e agora em “Escuro Sumptuoso”. Mas, nesse último álbum, as coisas estão um pouco mais leves. “Só dava para dar essa subida —coisas felizes, mas que também não são pop”, diz.
Dalasam abriu mão de tentar o sucesso de volume para buscar a espaço —a música que não toca tanto, mas toca sempre, em vez do hit que em dias será esquecido. “Já estive em editoriais, revistas, ligado a marcas de luxo e publicidade. De alguma maneira, saí disso. Não faço sarau corporativa, não caio de paraquedas em festivais. Mas sei o que faço quando abro a bilheteria de um show meu numa cidade.”
Por ora, Dalasam entendeu que seu maior trunfo é sua caneta. “Não tenho muita coisa a perder. Meu jeito de invadir as coisas não está ligado às pessoas. Está nas palavras. E eu confio nas palavras.”