O governo federalista e o Congresso Vernáculo receberam missiva nesta segunda-feira (8) com 23 propostas de melhorias para o Programa Vernáculo de Alimento Escolar (Pnae). Assinam o documento 52 organizações e pessoas, que incluem: entidades da sociedade social, associações comunitárias, indígenas, quilombolas, nutricionistas, centros de pesquisa, secretarias de Instrução e prefeituras.
O objetivo universal do documento é ampliar o aproximação de comunidades tradicionais do país ao Pnae. No lugar de ultraprocessados e produtos com agrotóxicos, seriam valorizados no cardápio escolar víveres agroecológicos e sem pesticidas. Além de mais saudáveis, também seriam mais adequados aos hábitos culturais de cada região.
“A produção desses víveres já ocorre nessas comunidades. O que precisamos é de uma organização para que seja ampliada a compra desses produtos. Se isso não suceder, escolas indígenas e quilombolas vão continuar recebendo Coca-Cola, resultado de caixinha, linguiça, salsicha, presunto, ultraprocessados com tá texto de sódio e açúcar. Ou seja, coisas que não têm zero a ver com a cultura nutrir dessas populações”, diz a secretária executiva do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), Laura Souza.
É o caso do que é produzido pela Associação de Mulheres Produtoras de Polpa de Frutas (AMPPF) de São Félix do Xingu, no Pará, que existe desde 2014. São mais de 60 sócios, 80% mulheres, que produzem e distribuem as polpas de frutas pela região. As entregas para as escolas são coletivas. Cada pessoa fica responsável por direcionar, em média, 50 quilos.
Uma delas é Joelma Meneses, de 27 anos, que mora na Colônia Manguari, a 25 quilômetros (km) do núcleo da cidade e está na associação há dois anos e meio. Apesar de já fornecer víveres para o Pnae, a associação espera mudanças
“A gente trabalha, tem os gastos, as dificuldades, mas nem por isso desiste. Mesmo com preços lá embaixo, com normas que não concordamos. Mas vivemos da cultivação e mantemos nossa esperança de que tudo isso venha a mudar”, diz Joelma. “Temos fé que eles [governo federal e Congresso] vão olhar com carinho próprio e ver o que é melhor para os produtores, valorizar a cultivação familiar”.
Missiva de propostas
O encontro que deu origem à missiva foi realizado nos dias 27 e 28 de maio em Brasília, sob o nome “Compras públicas para a alimento escolar entre povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais: por onde prosseguir?”. As propostas cobram a realização das diretrizes estabelecidas há 15 anos na Lei da Alimento Escolar (11.947/2009). Segundo os organizadores, ainda há muitos desafios para que todos os objetivos dela e do Pnae sejam cumpridos.
Das 23 propostas presentes no documento, 18 são direcionadas ao governo federalista e cinco ao Congresso Vernáculo. A missiva também foi entregue para representantes do Judiciário e do Ministério Público. Os pontos apresentados ao Executivo Federalista são direcionados ao Fundo Vernáculo de Desenvolvimento da Instrução (FNDE) e outros órgãos que fazem secção do Comitê Gestor do Pnae.
“Temos uma boa perspectiva sobre a entrega dessas propostas. Estamos abertos para o diálogo. A missiva foi construída com participação de uma base muito potente. São pessoas que já trabalham com os víveres, que estão tentando acessar melhor o Pnae. A missiva não foi criada simplesmente por ONGs [organizações não governamentais], mas tem envolvimento de produtores dos povos tradicionais, que conhecem muito sobre o tema. E queremos melhorar esse processo para todo mundo”, diz Laura Souza.
O documento pede a geração de um marco normativo específico para as compras públicas, orientado para o reconhecimento do autoconsumo e da autodeterminação dos povos. O que demandaria adequação das chamadas públicas, do cadastro dos agricultores, das exigências sanitárias, das necessidades logísticas e de mecanismos de mitigação dos eventos climáticos.
Entre as outras propostas direcionadas ao Executivo, destacam-se: incluir todas as categorias com assento no Parecer Vernáculo dos Povos e Comunidades Tradicionais no Cadastro Vernáculo da Lavradio Familiar (CAF) e no Cadastro Único das Políticas Sociais (CadÚnico); incluir no Recenseamento Escolar a identificação de escolas e estudantes de povos e comunidades tradicionais em universal; aprimorar o figura de financiamento e de repasses do Pnae, com reajuste anual automático; elaborar um novo protótipo de chamada pública específica; fabricar um programa de agentes de pedestal ao Pnae e ao Programa de Compra de Provisões (PAA); fabricar um aplicativo para a automatização dos processos de assinaturas de contratos, emissão de guias de entrega e notas e pagamentos; instituir um projecto de curso para as nutricionistas e cozinheiras; estruturar e equipar as cozinhas escolares; capacitar servidores dos órgãos gestores dos territórios tradicionais; integrar as diferentes políticas voltadas à cultivação familiar e aos povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais.
As propostas apresentadas ao Legislativo são: incluir uma vez que prioridade na lei do Pnae todos os grupos sociais que têm assento no Parecer Vernáculo dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT); rejeitar projetos de lei que proponham a retirada da prioridade de povos indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária e mulheres nas compras públicas do Pnae; ampliar o orçamento do programa e do PAA; fabricar mecanismo de reajuste anual dos valores per capita na lei do Pnae; e prosseguir na proposta de uma Política Vernáculo de Promoção da Alimento e dos Produtos da Sociobiodiversidade de Povos e Comunidades Tradicionais, prevista no Projeto de Lei (PL) 880/2021.
Quebradeiras de coco babaçu
Maria de Jesus, de 33 anos, mora na comunidade Jatobá, no município de Joca Marques, setentrião do Piauí. Ela integra o Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), grupo coordenador por 24 mulheres no Piauí, Maranhão, Pará e Tocantins. A maior secção da produção vai para os programas de alimento estaduais e federalista. Além do transacção de produtos feitos à base do babaçu, elas se organizam para tutelar os direitos das mulheres, lutar por terras e combater diferentes tipos de violência, uma vez que a patrimonial, física e psicológica.
Por secção de pai, Maria é filha e neta de agricultores. Por secção de mãe, filha e neta de quebradeiras de coco. Ela entrou para o MIQCB em 2014, o que representou um reencontro com as próprias origens e a asseveração de uma novidade luta.
“Tenho orgulho muito grande de ser quebradeira de coco. É um trabalho físico, mas tem a questão da identidade. É o que eu sou e de onde eu vim. Na minha puerícia, era a nossa única manancial de renda junto com a cultivação familiar”, lembra Maria. “Quando se é jovem, há a teoria de ir para a cidade grande para ter um trabalho e qualidade de vida melhor. A gente pensa que na comunidade não tem nenhuma perspectiva de geração de renda. Passei por esse processo de êxodo rústico e, quando voltei, encontrei um grupo de mulheres bastante organizado, com uma unidade produtiva funcional de óleo, farinha, bolos, biscoitos, goma”.
Ela defende a premência de maior regulação e incentivo do governo federalista diante das dificuldades em ampliar o aproximação aos cardápios escolares dos municípios. Lembra que muitos gestores ainda dão preferência a produtos de grandes redes.
“Queremos reivindicar mais políticas públicas e dialogar diretamente com o governo. Para que os víveres que nossas crianças consomem diariamente em mansão também estejam presentes no cardápio escolar. Hoje, a merenda comprada no transacção vem enxurrada de agrotóxicos. E o que a gente consome no dia a dia, a gente sabe de onde vem, uma vez que plantou, sabe que é um resultado saudável. E é isso que queremos que nossos filhos consumam nas escolas. E uma vez que é resultado das nossas comunidades, precisa ser valorizado, ter mais incentivo, para ajudar a preservar os nossos modos de vida”.
Lavradio quilombola
Jorge Henrique Gonçalves Flores, 56 anos, segue os passos dos ascendentes e trabalha uma vez que cultivador no Quilombo São Miguel, no município de Maracaju, Mato Grosso do Sul. Em 2009, o quilombo começou a fornecer víveres para as escolas das redondezas por meio do Pnae. Os principais víveres são as frutas e verduras, mas também são produzidos pão, macarrão, polpas, doces e mel. Pelo menos 56 escolas recebem esses produtos, que envolvem o trabalho de 18 pessoas.
A comunidade espera que a missiva de propostas seja acolhida pelo governo e o Congresso, e lista as principais questões hoje que impedem maior desenvolvimento do trabalho.
“Hoje, a dificuldade dos pequenos agricultores familiar é o aproximação ao Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar] e ao CAF [Cadastro Nacional da Agricultura Familiar]. Gostaríamos que fossem eliminados alguns entraves que encontramos para acessar esses créditos e poder desenvolver uma cultivação melhor. E gostaríamos também que os líderes do país tivessem um olhar próprio para os pequenos agricultores. Precisamos ter mais aproximação a tecnologias e conhecimentos técnicos para ter a valorização dos nossos produtos”, diz Jorge Henrique.