Em um lugar com mais de cinco séculos e meio de história, no menor Estado do mundo, acontece uma das eleições que mais despertam a curiosidade das pessoas, seja pelas razões religiosas, políticas, sociais ou intelectuais. Mas interessam, particularmente, os tapume de 1,4 bilhão de fiéis católicos, por se tratar da escolha do sucessor de São Pedro, o primeiro papa indicado por Jesus.
Segundo essa tradição, a risco de sucessores garantiu que as mensagens e os ensinamentos que Cristo transmitiu aos apóstolos fossem mantidos inalterados.
Os cardeais com voz e voto na decisão sobre o novo pontífice da Igreja Católica se reuniram pela primeira vez na Capela Sistina em 1492. Mas essa não foi a única sede dos conclaves, até que, em 1878, se tornou a sede permanente.
Desde logo, durante o período em que se escolhe um papa, o mundo inteiro volta os olhos para a fina chaminé da Capela Sistina, à espera da fumaça— a única pista do que está acontecendo lá dentro.
É que, a partir do momento em que se proclama o extra omnes (em latim, “todos fora”) e os que não fazem secção do conclave se retiram, os cardeais eleitores ficam trancados entre aquelas quatro paredes e sob um teto que cobre o firmamento.
Soa um pouco claustrofóbico, mas…que paredes, e que teto! A Capela Sistina é uma obra de arte que, ao longo dos séculos, tem deixado milhões de pessoas maravilhadas.
Algumas ficam sem palavras; outras, uma vez que o erudito teutónico Goethe, dizem: “Até que você veja a Capela Sistina, não terá a menor teoria do que o ser humano é capaz de fazer”.
A BBC separou cinco curiosidades sobre o sítio do conclave. Confira:
1. Michelangelo escreveu um poema lamentando dificuldades em pintar a Capela Sistina
É incongruente pensar que Michelangelo tenha criado uma obra tão sublime no teto da Capela Sistina contra a própria vontade.
Mas foi exatamente isso que aconteceu. Ele sempre se considerou mais um estatuário do que pintor.
Quando o papa Julio 2º lhe pediu que assumisse a decoração da capela, Michelangelo estava trabalhando no túmulo de mármore do próprio pontífice, e nunca havia concluído uma pintura completa.
Apesar de a encomenda vir de uma poder tão subida, ele tentou recusá-la duas vezes, mas acabou cedendo.
Uma das provas dessa resistência é um poema que Michelangelo enviou ao colega Giovanni di Pistoia, em 1509, unicamente um ano depois de debutar o trabalho no teto da Sistina —uma tarefa que se estenderia por mais três anos.
As queixas de Michelangelo eram numerosas. Dizia que estava com a glândula tireoide inflamada, a pilastra torta e curvada, o peito comprimido, as pernas em constantes câimbras e o traseiro dolorido pelo esforço.
Uma vez que se não bastasse, “meu pincel, que fica supra de mim o tempo todo, pinga tinta sem parar e minha faceta virou um solo para os dejetos!”, escreveu em um trecho do poema.
Os lamentos não eram em vão. Para pintar o teto de 3.300 metros quadrados, Michelangelo precisava permanecer de pé sobre um andaime precário a 18 metros de profundeza, com o pescoço predisposto para trás e o braço estendido supra da cabeça.
Grande secção do tempo ele trabalhou sozinho, já que, uma vez que pode ser visto durante a restauração da Capela Sistina, as pinturas foram realizadas, majoritariamente por sua própria mão, com exceção de partes relativamente menores, que foram feitas por assistentes.
Michelangelo também se preocupava com sua saúde mental.
“Por estar recluso cá,
meus pensamentos são loucuras tolas, perversas:
qualquer um atira mal com uma zarabatana torta.”
E preocupava-se, ainda, com o impacto negativo que pintar nessas condições poderia ter em sua obra, uma vez que escreveu no termo do poema:
“Minha pintura está morta.
Defende-a por mim, Giovanni, protege minha honra.
Não estou no lugar manifesto, não sou pintor.”
2. A presença de uma mulher em a A geração de Adão
A imagem médio do teto da capela, que mostra Deus criando Adão, com seus dedos quase se tocando, é uma das mais impactantes de todo o prédio.
Segundo a historiadora do Renascimento Catherine Fletcher, é “uma das poucas pinturas que se vê em todos os lugares”.
“Junto com a Mona Lisa, é possivelmente a única pintura da arte ocidental que alcança esse nível icônico”, disse à BBC.
A obra não impressiona unicamente pela sua maestria, mas também pela sua originalidade.
Deus aparece uma vez que um super-herói, arrastado pelo vento, musculoso, com roupas justas que revelam suas pernas, e um véu.
O ato de geração, realizado com a ponta do dedo, também foi invenção de Michelangelo.
Mas há alguma coisa que pode passar despercebido diante de uma pintura tão majestosa.
Na verdade, foi só na dez de 1870, posteriormente a primeira publicação de fotografias do teto da Capela Sistina, que se notou uma presença significativa embaixo do braço de Deus.
Ela está entre as figuras envoltas no véu vermelho oval do Pai: é uma mulher que lança a Adão um olhar cauteloso.
Mas, quem poderia ser? A versão mais aceita é a apresentada pela primeira vez pelo crítico de arte inglês Walter Pater (1839-1894), que afirmou que a pessoa sob os braços de Deus é Eva, antes mesmo de sua geração.
As outras 11 figuras, assim, representariam simbolicamente as almas da futura prole de Adão e Eva: toda a humanidade.
Segundo Pater, o Pai “vem com as formas das coisas que ainda serão —a mulher e sua prole — no geminar do seu véu”.
“Ela parece muito consciente do que está acontecendo” explicou à BBC Matthias Wivel, da Galeria Pátrio de Londres. “Deus está dando a Adão uma psique, está lhe dando livre-arbítrio, e isso é o que personifica Eva”, acrescenta.
Mais recentemente, surgiu outra hipótese: a de que a mulher que ocupa esse lugar de honra junto a Deus seria, na verdade, a Virgem Maria.
Essa teoria ganhou força por pretexto da moçoilo pintada ao lado da figura feminina, sobre quem os dedos de Deus passam suavemente. Debate-se se essa moçoilo poderia ser o menino Jesus, que aguarda pacientemente ao lado do Pai.
3. Obras de outros grandes artistas também cobrem as paredes da capela
Quando o papa Sisto 4º encomendou a construção da capela que leva seu nome, em 1480, Michelangelo tinha unicamente cinco anos.
Levaria quase três décadas até que o rabino do Renascimento transformasse o teto com o seu pincel.
Mas isso não quer expressar que o teto estivesse em branco: a arcada era pintada de azul, com estrelas douradas. Era um firmamento criado por Piermatteo d’Amelia, um dos artistas convocados para decorar o recinto sagrado em um período extremamente limitado —de unicamente 11 meses, de julho de 1481 a maio de 1482.
A equipe era formada pelos maiores pintores da geração anterior, entre eles Sandro Botticelli, Pinturicchio, Cosimo Rosselli, Pietro Perugino (rabino do pintor e arquiteto Rafael) e Domenico Ghirlandaio (rabino de Michelangelo).
O projeto incluía um ciclo de cenas do Idoso Testamento e outro do Novo Testamento, com narrativas que começavam na parede do altar, continuavam ao longo das laterais da capela e terminavam nas paredes da ingressão.
Na secção superior, foi pintada uma galeria de retratos papais, completada na secção subalterno com representações de cortinas pintadas.
Doze pinturas desses artistas do século 15 ainda retratam de forma magnífica as cenas da vida de Cristo e de Moisés nas paredes da capela.
Originalmente, eram quatorze, mas, em 1533, Clemente 7º de Médici pediu que Michelangelo pintasse O raciocínio final na parede do altar, e os primeiros episódios da história, pintados por Perugino, se perderam, assim uma vez que o retrato da Virgem entre os apóstolos.
4. Um artista cobriu as genitais de figuras de ‘O raciocínio final’
O raciocínio final foi pintado 25 anos depois do teto da Capela Sistina, quando Michelangelo tinha 60 anos.
A tarefa era desafiadora: simbolizar o termo dos tempos e o primórdio da evo. E ninguém melhor do que Michelangelo para fazer isso. A pintura traduz com maestria, sobre um fundo azul, o significado literal do apocalipse. O termo, que vem do helênico apokálypsis, significa “remover o que cobre”, “retirar o véu”, deslindar, revelar.
Assim, muitas das mais de 300 figuras que rodeiam Cristo —quase todas masculinas— estão nuas.
Quando Biagio da Cesena, rabino de cerimônias papal, reclamou de “tamanha obscenidade”, a resposta de Michelangelo foi imortalizá-lo na pintura uma vez que o juiz dos condenados e do inferno.
Pintou—o nu, exceto por uma serpente enrolada nos quadris, que morde seu órgão genital.
Mas Biagio não foi o único a se escandalizar com a obra, e as críticas continuaram mesmo posteriormente a morte de Michelangelo. Quando o Concílio de Trento proibiu a “arte lasciva”, a obra foi condenada uma vez que indecorosa.
Em 1564, o papa Pio 5º ordenou que Daniel da Volterra, que havia sido inexperiente de Michelangelo, cobrisse a nudez dos personagens. Isso lhe rendeu o sobrenome de Il Braghettone, ou “o fundador de calcinhas”.
Quatro séculos depois, durante a restauração de O raciocínio final nas décadas de 1980 e 1990, surgiu o dilema: preservar ou remover as pinturas adicionais que ocultavam a obra original de Michelangelo.
A solução foi deixar alguns vestígios da exprobação uma vez que evidência da mentalidade dominante do século 16, e restabelecer o supremo verosímil do paisagem original da pintura.
Assim, São Pedro, São Bartolomeu e Santa Catarina de Alexandria ainda vestem as peças criadas pelo “fundador de calcinhas”.
5. Machu Picchu e as pinturas da Capela Sistina são da mesma estação
O Renascimento italiano e o Poderio inca raramente são associados, mas ambos foram fenômenos que ocorreram na mesma estação.
A cidade de Machu Picchu, localizada nos Andes, no Peru, terminou de ser construída por volta de 1450, no auge do poder do predomínio, e provavelmente permaneceu ocupada até 1530.
A mais de 10.500 quilômetros de intervalo, enquanto os imperadores incas continuavam reinando do tá da serra, os grandes artistas italianos criavam suas pinturas na Capela Sistina do Vaticano.
E Machu Picchu ainda estava habitada quando, em 1512, Michelangelo estava dando os retoques finais em sua obra no teto da capela.
Esse texto foi originalmente publicado cá.