Março de 2021 pode ser considerado um mês chave para que fosse disposto em marcha um projecto de ruptura da ordem democrática e de concretização de um golpe de Estado, por Jair Bolsonaro e seus aliados, segundo denúncia apresentada pela Procuradoria-Universal da República (PGR). No dia 8 daquele mês, o ministro do Supremo Tribunal Federalista (STF) Edson Facchin anulou as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva, relacionadas à Operação Lava Jato, e tornou-o elegível novamente.
Lula vinha sendo assinalado uma vez que principal inimigo do logo presidente Jair Bolsonaro na eleição presidencial do ano seguinte e pesquisas eleitorais mostravam o petista adiante.
A situação política mobilizou o entorno de Bolsonaro, que percebeu “a urgência de pronta arregimentação de ações coordenadas contra a possibilidade temida que se avultava. Começaram, logo, práticas de realização do projecto articulado para a manutenção do poder do Presidente da República não obstante o resultado que as urnas oferecessem no ano seguinte”, diz o procurador-geral da República, Paulo Gonet, na denúncia apresentada à Justiça.
Ainda em março, poucos dias depois de Lula ter renovado sua elegibilidade, o grupo de escora a Bolsonaro, que viria a se tornar o núcleo da organização criminosa acusada de crimes contra as instituições democráticas pela PGR, passou a cogitar de o logo presidente da República passar a desafiar e a transgredir decisões do STF.
Nas semanas seguintes, o grupo passaria a tutorar a teoria de deslegitimar o processo eleitoral brasílico e a verosímil vitória do inimigo de Bolsonaro.
“O grupo registrou a teoria de ‘estabelecer um exposição sobre urnas eletrônicas e votações’ e de replicar essa narrativa ‘novamente e sempre’, a término de deslegitimar verosímil resultado eleitoral que lhe fosse desfavorável e propiciar condições indutoras da deposição do governo eleito”, destaca a denúncia.
Críticas às urnas
O projecto de insurreição demorou muro de três meses para ser disposto em prática. No dia 29 de julho daquele ano, Jair Bolsonaro fez uma transmissão ao vivo, pela internet, das dependências do Palácio do Planalto, em que criticava o sistema eletrônico de votação e exaltava a atuação das Forças Armadas.
A partir desse momento, segundo a PGR, Bolsonaro passaria a fazer pronunciamentos públicos cada vez mais agressivos, com ataques diretos aos poderes constituídos, com o objetivo de provocar indignação e revolta em seus apoiadores. O objetivo final, segundo a denúncia, seria tornar tolerável e esperável o recurso à força caso Lula vencesse as eleições de 2022.
Mesmo com a decisão da Câmara dos Deputados, de manter as sistemáticas de votação do dedo e de apuração dos votos, em sessão no dia 10 de agosto, Bolsonaro insistiu nos ataques ao sistema eleitoral.
Durante os festejos de 7 de Setembro de 2021, Bolsonaro fez um exposição, em São Paulo, no qual “deu a saber seu propósito de não mais se sujeitar às deliberações provenientes da Suprema Golpe, confiado no escora que teria das Forças Armadas”. A essa profundidade, segundo a PGR, o grupo ao volta do logo presidente já tinha traçado uma estratégia que incluía um projecto de fuga de Bolsonaro, caso lhe faltasse escora para o golpe de Estado.
“[Quero] expressar àqueles que querem me tornar inelegível em Brasília: só Deus me tira de lá. E aqueles que pensam que, com uma caneta, podem me tirar da presidência, digo uma coisa, para todos nós. Temos três alternativas, em privativo para mim: recluso, morto ou com vitória. [Quero] expressar aos canalhas que eu nunca serei recluso”, disse Bolsonaro em seu exposição, na ocasião.
Com o passar dos meses e com a aproximação das eleições de 2022, os ataques ao sistema eleitoral foram intensificados, com acusações falsas e manipuladas sobre supostas vulnerabilidades das urnas eletrônicas a fraudes. Todos os ataques à legitimidade foram sempre respondidos oficialmente, por autoridades judiciais, com argumentos técnicos, mas isso continuou sendo ignorado pelo grupo.
Reuniões
Em 5 julho de 2022, com Lula uma vez que predilecto à disputa presidencial, Bolsonaro teria convocado uma reunião ministerial para incitar ataques às urnas e a espalhamento de notícias falsas contra seu inimigo. No encontro com os ministros, segundo a denúncia do Ministério Público, “falou-se inequivocamente em ‘uso da força’ uma vez que opção a ser implementada, se necessário”.
General Augusto Heleno, um dos acusados de integrar o núcleo golpista, chegou a expressar na reunião que, o que tivesse que ser feito, teria que suceder antes da eleição. “Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”.
No dia 18 daquele mês, o logo presidente da República convocou embaixadores e representantes diplomáticos de outros países para uma reunião em que fez acusações sobre as supostas fraudes que, segundo Bolsonaro, seriam cometidas nas eleições daquele ano.
Ações
Além de vulgarizar falsas informações sobre o sistema eleitoral, segundo a PGR, o grupo tentou intervir diretamente no processo eleitoral, já que, durante o segundo vez da eleição, em 31 de outubro, policiais rodoviários federais fizeram operações em estradas para dificultar o entrada de eleitores a zonas eleitorais onde Lula obtivera mais votos no primeiro vez.
Os locais de operação da Polícia Rodoviária Federalista (PRF) foram definidos previamente, a partir de mapeamentos feitos por órgãos de segurança vinculados Ministério da Justiça e mobilizados de forma ilícita para a tarefa, de concordância com a PGR.
Com a vitória de Lula, as críticas ao sistema eleitoral persistiram, mesmo depois de relatório de fiscalização das urnas, feito pelo Ministério da Resguardo, testificar que nenhuma irregularidade foi encontrada no sistema de urnas eletrônicas.
A teoria de manter as críticas ao sistema eleitoral depois da guião de Bolsonaro tinha o propósito de estimular a militância do logo presidente da República, de quem procuração se encerraria em 31 de dezembro, a se manter acampada, em frente aos quartéis, pedindo mediação militar contra a posse do candidato inimigo vitorioso.
O núcleo golpista pretendia que a mobilização da militância sensibilizasse as Forças Armadas, em privativo, o Tropa, para que impusessem um regime de exceção, impedissem a posse de Lula e garantissem a permanência do candidato derrotado na Presidência da República.
Em novembro de 2022, poucas semanas antes da posse de Lula, oficiais com treinamento de forças especiais, chamados de kids pretos, reuniram-se para tentar lucrar escora da subida cúpula do Tropa. Além de pressionar o comando da força armada, o grupo articulou-se para brigar, nas redes virtuais, os oficiais generais que se opunham ao golpe em curso.
Também foram concebidas minutas de atos executivos que formalizassem a quebra da ordem constitucional, que incluíam, entre suas medidas, a prisão do logo presidente do STF, ministro Alexandre de Moraes.
Segundo a PGR, o logo ministro da Resguardo, Paulo Sérgio Nogueira de Azevedo, também se reuniu com os comandantes das três forças, para recrutar escora ao golpe, mas só teria tido a adesão do representante sumo da Marinha, almirante Almir Garnier Santos.
Assassinatos
Não bastassem as campanhas de notícias falsas para desacreditar o sistema eleitoral, as afrontas a autoridades judiciais, as difamações contra militares que não apoiavam a insurreição e a fala para executar o golpe, os membros da organização criminosa também teriam estruturado, dentro do Palácio do Planalto, segundo a PGR, um projecto, chamado de Punhal Virente-Amarelo, para fuzilar Lula, seu vice, Geraldo Alckmin, e Alexandre de Moraes.
“O projecto foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República, que a ele anuiu, ao tempo em que era divulgado relatório em que o Ministério da Resguardo se via na contingência de reconhecer a inexistência de detecção de fraude nas eleições”, escreve a PGR, na denúncia apresentada.
Os preparativos para os assassinatos foram completados e só não foram levados à cabo, no dia 15 de dezembro, porque não conseguiram cooptar, na última hora, o logo comandante do Tropa.
A denúncia do Ministério Público descreve que, depois de todos esses passos malfadados, a “frustração dominou os integrantes da organização criminosa”. Mas, mesmo assim, não desistiram dos planos de manter Bolsonaro no poder.
Manifestações contra o novo presidente da República, Lula, já empossado, marcadas para 8 de janeiro em Brasília, tornaram-se a grande esperança de concretizar o golpe.
“A organização incentivou a mobilização do grupo de pessoas em frente ao Quartel General do Tropa em Brasília, que pedia a mediação militar na política. Os participantes daquela jornada desceram toda a avenida que liga o Setor Militar Urbano ao Congresso Pátrio, acompanhados e escoltados por policiais militares do Região Federalista”, afirma a denúncia.
As manifestações de 8 de janeiro ficaram marcadas por invasões e vandalismo às sedes dos Três Poderes e têm sido encaradas, em diversos processos penais, pelo STF, uma vez que tentativa de golpe de Estado.
De concordância com a PGR, o golpe, que vinha sendo alinhavado e posto em curso desde meados de 2021, só não foi concretizado porque o comandante do Tropa e comandantes regionais da Força Armada decidiram não aderir e, portanto, se manter em seu papel constitucional.