Tudo em Víkingur Ólafsson deve estar impecável. Seu paletó azul-marinho é do tom dos óculos arredondados, um contraste com a pele branca, de um rosto imberbe e de mãos tão delicadas. É mal o pianista islandês, de 40 anos, se apresenta ao mundo, um esteta, que se dedica a vislumbrar a transparência das coisas, as formas, os temas, as cores. Porque sua música, um fenômeno nas plataformas de streaming, tem a rigidez e a serenidade, típica dos fiordes.
“É simples que podemos ouvir música de concerto no fone de ouvido”, diz ele, em um dos camarins da Sala São Paulo. “E o protótipo do streaming está funcionando muito muito para o repertório.” Ólafsson pega, portanto, o seu telefone celular, abre um aplicativo e constata que, naquele momento, mais de milénio pessoas estavam ouvindo uma gravação sua no Spotify. Com uma visão renovadora para a música de concerto, o pianista vive o auge de sua popularidade.
Ele não tem do que reclamar. Se você digitar no streaming o nome de um compositor, são altas as chances do algoritmo te redirecionar para um dos álbuns de Ólafsson. Viajando em turnê 200 dias por ano e com mais de 2 milhões de ouvintes por mês no Spotify, ele está até domingo na capital paulista para fazer sua estreia com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, e interpretar as “Variações de Goldberg”, de Bach, em um recital.
Sua presença por cá causou frisson entre os melômanos. A organização aumentou o número de assentos para a vinda do pianista, mas de zero adiantou. Os ingressos evaporaram em poucas horas. Ólafsson, por seu vez, aprovou a acústica da Sala São Paulo. “Fiquei feliz logo quando cheguei. Nem sempre é assim, a vida de um pianista pode ser muito estressante às vezes”, afirma o artista, um simpatizante da música brasileira. No início da curso, Ólafsson praticava peças de Heitor Villa-Lobos, um compositor, segundo ele, de primeira grandeza.
“É preciso que mais maestros brasileiros estejam na Europa para internacionalizar a música dele”, diz Ólafsson. “Villa-Lobos merece mais.” O pianista chegou mesmo ao Brasil para seduzir. Com a Osesp, ele vai recontar uma história de paixão, interpretando o “Concerto para piano”, do teutónico Schumann, um símbolo do período romântico. Composta em 1841, a obra é uma enunciação de paixão a Clara, mulher do responsável, também pianista e compositora, e foi criada num contexto em que ele precisava se solidificar no cenário músico de sua estação.
Até portanto, Schumann se dedicara a grafar canções e peças para piano.”Encontramos sua fragilidade e heroísmo no concerto”, diz, entre suspiros. “Estamos diante de todas as faces do paixão.” Não por eventualidade, a música que se desenvolve em três movimentos se constitui em diálogos, entre arroubos sentimentais e temas pacificadores. Sob a regência do maestro austríaco Christoph Koncz, o programa se combina com “Pelléas e Mélisande”, de Schoenberg.
Já o recital de “Variações de Goldberg” é o carro-chefe de Ólafsson. Ao menos, tem sido assim desde que ele lançou, no ano pretérito, um álbum devotado a essa obra de Bach, uma das mais importantes da história da arte. É um bom exemplo de uma vez que o gênio teutónico estabeleceu as regras desse jogo chamado música ocidental, que ainda são válidas no século 21. A galhofa de Bach se inicia com uma ária, cuja melodia parece ter sempre existido.
Em seguida, o tradutor deve executar 30 variações até, passada uma hora de música, voltar aonde tudo começou, a mesma ária. Ali está toda a complicação do sistema tonal, sua modulação, que permite a arte do tempo homiziar possibilidades infinitas graças à simetria. O pianista islandês gosta de imaginar a abstração geométrica contida nas “Variações” uma vez que um roble, a imensa árvore, vista em elevadas altitudes, de casca espessa e diferentes ramos.
Para Ólafsson, a música é orgânica e humana. Ele gosta de se lembrar que sua mãe, pianista, praticava o instrumento, prenha, esbarrando nas teclas o barrigão. Na mansão onde ele cresceu, em Reykjavik, a capital islandesa, seu pai, arquiteto, o incentivava a ser um pai. Na juvenilidade, ele só queria saber de jogar globo, nas paisagens cobertas por neve. Cá no Brasil, ele lembra com carinho da Despensa de 1994, a seleção de Romário, de quem se diz fã.
A curso músico foi difícil. Solitário do giro, Ólafsson nunca participou de competições. Mas o seu talento se impôs. Ele foi estudar na prestigiosa Julliard School, em Novidade York. Ólafsson adorava ir ao Metropolitan e, sem numerário, pegava o lugar dos bacanas que saíam no pausa.
“A ópera é a maior forma de arte, é a linguagem do impossível”, diz. É uma explicação para que seja publicado pelo seu trabalho com a visualidade, desde os dois primeiros discos, antes de assinar o contrato com a gravadora Deutsche Grammophon.
Com sete discos, ele se tornou prima-donna —”Philip Glass: Piano Works”, “Johann Sebastian Bach”, “Debussy-Rameau”, “Reflections”, “Mozart & Contemporaries”, “From Afar” e “J.S. Bach: Goldberg Variations”. É um repertório diverso, que vai da música barroca até autores contemporâneos. Ólafsson afirma ter, sim, uma identidade.
“Isso é um tanto que muda com o tempo, mas eu só toco o que eu senhor”, afirma. Por isso, ele tem de evadir das pressões da indústria. “É preciso evitar o sucesso. Não se pode fazer música pela notabilidade. Se você fizer isso, você é um músico barato.” Ólafsson não se preocupa com opiniões mais conservadoras.
Por isso, não hesita em fazer arranjos para peças de Mozart ou Rameau. O pianista diz que os próprios compositores mudavam suas obras. Mesmo assim, Ólafsson é um símbolo de uma vez que o mercado da música de concerto se organiza atualmente.
Ele aparece em clipes muito produzidos no Youtube, está em reels do Instagram, transmitindo sua imagem elegante. Não basta ser, é preciso parecer ser. Desde 2017, Ólafsson voltou a morar em Reykjavik.
O artista é casado com uma pianista e mostra, com orgulho, seus dois filhos, de 3 e 5 anos. Na capital islandesa, Ólafsson está a quatro horas de Boston ou de Frankfurt. É o lugar ideal para ele, que gosta de se confundir no insensível das paisagens inóspitas, antes das turnês.
Ainda que não jogue mais futebol, temendo machucar as mãos, Ólafsson diz se sentir ainda aquele mesmo menino islandês. “Eu sempre soube que me tornaria um pianista internacional”, diz.