É vasqueiro encontrar fotografias antigas de pessoas LGBTQIA+, seja em velhas caixas de sapatos ou museus históricos. Os retratos em sépia costumam exibir homens de gravata, mulheres de vestido e às vezes os dois juntos, ela sentada, ele em pé, com algumas crianças ao volta.
Se alguma dessas pessoas fosse LGBTQIA+, a câmera não poderia saber. Foi pensando nisso que Catherine Opie passou a perpetuar, na dezena de 1980, suas amigas e amigos da fervilhante comunidade queer de San Francisco, em retratos que viajaram pelo mundo e compuseram acervos uma vez que o do museu Guggenheim, em Novidade York. Agora, a artista abre sua primeira exposição no Brasil, no Museu de Arte de São Paulo, o Masp.
Os retratos de Opie costumam seguir o formato clássico, com pessoas posando sentadas ou de pé diante de uma câmera. Em suas fotos, porém, mulheres usam cabelos curtos, bigodes e calças largas, e homens, maquiagem e saias.
As crianças, quando aparecem, não vestem rosa ou azul. Seus personagens, na verdade, parecem pouco se importar com as normas de gênero. No ano pretérito, foi um retrato seu de Elliot Page que estampou a revestimento da autobiografia do ator, onde contou sobre sua transição enquanto planeta do cinema.
A teoria de realocar pessoas queer na história pela retrato surgiu durante visitas a lado de retratos da família real Tudor, na National Portrait Gallery de Londres, feitos ainda por pincéis e não por lentes. O debate foi reacendido também na última Bienal de São Paulo, que exibiu um raríssimo retrato em pintura de uma pessoa transgênero, datado do século 17.
Opie queria compreender o significado de “viver por meio de um retrato formal”, diz ela por videochamada de sua morada, em Los Angeles.
Mas a artista não queria vestir seus modelos com trajes elisabetanos para homenagear os velhos mestres da pintura —finalmente, “a história nunca pode ser repetida”— e tampouco fazer cliques de caráter documental, “carregando uma câmera por aí”, uma vez que faziam na era grandes fotógrafos uma vez que Nan Goldin, Wolfgang Tillmans e Jack Pierson.
O foco deveria estar nos corpos e trejeitos de seus modelos, intensificados pelas cores supersaturadas dos tecidos usados no fundo das fotos. Mas não são cliques de voga. “As mulheres estão olhando de volta para você, não são exclusivamente objetos.”
No final de 1977, San Francisco elegeu o primeiro varão gay da Califórnia para um missão público, Harvey Milk, para testemunhar seu homicídio exclusivamente 11 meses depois. O ativismo da comunidade LGBT se intensificou na cidade. “Era o auge da liberação gay e, ao mesmo tempo, tínhamos a questão da Aids, ignorada pelo governo. Lutávamos pelos nossos direitos de identidade, e senti que meu trabalho tinha que contribuir para isso”, diz Opie.
Foi naquele momento, lembra a artista, que a comunidade se uniu. “As lésbicas e os gays não se misturavam. Mas, com a Aids, a maioria das lésbicas passou a cuidar de seus amigos doentes”. Agora, segundo ela, é o momento de abraçar a comunidade transgênero, mais vulnerável às mudanças políticas.
Apesar dos avanços das últimas décadas, Opie acredita que as leis estão se voltando novamente contra a comunidade LGBT nos Estados Unidos. “Se [Donald] Trump vencer [as eleições americanas] nossos direitos de tálamo, por exemplo, vão desvanecer. Ele tem a Suprema Incisão a seu obséquio. As mudanças podem prejudicar o resto de nossas vidas.”
O alarmismo é uma resposta a declarações recentes de Trump à sua base eleitoral. O republicano vem afirmando que colocará termo ao que considera proteções concedidas pelos democratas à comunidade LGBT, uma vez que a recente decisão do Departamento de Ensino que impede a discriminação sexual em escolas que recebem financiamento do governo.
Diante do prolongamento do conservadorismo, as novas gerações estão retomando a força do ativismo, segundo Opie. “A novidade geração está mergulhando na história do que fizemos e uma vez que nos assumimos quando as pessoas tinham temor, ainda nas décadas de 1980 e 1990. Eu simplesmente decidi não viver com esse tipo de temor”, diz.
Opie não esconde o temor de expor sua obra no Brasil pela primeira vez. “Estou preocupada com o ativismo contra gays e lésbicas. Eu sei o que aconteceu com Judith Butler”, diz, lembrando de quando a filósofa e teórica feminista foi atacada por um grupo conservadores em sua passagem pelo Brasil, em 2017, quando participou de um seminário no Sesc Pompéia.
O ocorrido lembra a artista de quando ela própria foi perseguida por um ativista de direita, em 2008. “Ele disse que iria à minha exposição no Guggenheim e roubaria meu rebento de mim, porque uma lésbica não deveria ter o recta de produzir uma rapaz.”
“Mas estou aliviada que [Jair] Bolsonaro não é mais o líder de vocês”, completa Opie.
A primeira passagem da artista pelo país foi na dezena de 1990, quando ela foi contratada pela The New York Times Magazine para seguir a jogadora de basquete Hortência Marcari. “O marido dela na era era possessor de casas noturnas em São Paulo com arenas de cavalos no meio delas. O rebento dela [Marcari], ainda bebê, foi apresentado em cima de um garanhão branco em uma dessas noites”, lembra a artista, entre risadas.
Muito recebida pelos países por onde passa para expor, localizados mormente na Europa e América, Opie hesitou há 30 anos. “Quando comecei esse trabalho, realmente pensei que estava aniquilando qualquer possibilidade de ter uma curso, mormente uma vez que professora”, diz ela.
A preocupação é parecida com a de outras pessoas que fizeram trabalhos claramente LGBT na era. As atrizes Helen Shaver e Patricia Charbonneau, que protagonizaram também na dezena de 1980 “Corações Desertos”, um dos primeiros longas a mostrar um romance entre mulheres, ouviram de seus agentes que suas carreiras em Hollywood estariam arruinadas depois que as gravações do filme terminassem.
Para Opie, o maior temor era não poder lecionar na Universidade da Califórnia em Los Angeles, profissão que exerce hoje. “Eu queria formar a próxima geração de artistas”, diz.
“É o que eu sempre digo aos meus alunos queer —sejam corajosos. Você não sabe uma vez que será recebido e o mundo onde vivemos é difícil, mas se você não viver sua verdade e fizer um trabalho importante para si próprio, não estará vivendo sua vida ao supremo.”