Sobre um mar escuro, mas cómodo, uma única vaga desenha na superfície da chuva rendas brancas com sua espuma. Difícil manifestar onde está o limite entre firmamento e oceano. O horizonte está tomado por uma neblina cinza, perfurada por raros feixes de luz que vazam das nuvens para pousar sobre as águas uma vez que tímidos holofotes.
A grandiosidade da paisagem, sem um sinal de vida sequer, atiça sentimentos mistos de pavor, solidão e tranquilidade, para a satisfação dos artistas românticos do século 19. O espanto é minorado, porém, pela macieza da seda que acomoda as pinceladas minuciosas de Fran Chang na tela “It’s Not Goodbye’, ou isso não é um adeus.
Chang vem ganhando reconhecimento no rodeio da arte desde 2020, quando passou pela primeira vez pela ArtRio e pela SP-Arte, para depois penetrar duas individuais internacionais.
Agora, a jovem artista brasileira de geração taiwanesa expõe onze obras na galeria Millan, em São Paulo, que a representa desde o ano pretérito.
Apesar de suas pinturas representarem vistas naturais exuberantes, as telas são sempre de dimensões pequenas. Compactam rochas, cânions, nuvens, mar, neblina, gelo e montanhas, totens visuais de sensações, sentimentos e pensamentos, que juntos formam paisagens maravilhosamente inóspitas.
Mas é difícil de explicar, ela confessa sentada em um banco do lado de fora da exposição, enquanto ajeita os longos cachos cor-de-rosa.
“Estou aprendendo agora a falar sobre o meu trabalho e tenho pavor de virar uma sessão de terapia. Sou autista e vivo uma vida muito sozinha”, diz, sem drama no tom de voz, uma vez que se estivesse constatando que as folhas são verdes e o mar tem ondas.
“Quando recebi o diagnóstico, entendi muita coisa da minha vida. Sempre gostei de permanecer sozinha. Eu queria estar só, mas pensava que não podia. Na minha cabeça, vejo uma risca do tempo de tudo o que vou pintar na minha vida, e nesse primeiro momento evitei ao supremo colocar qualquer elemento de vida humana”, diz.
Em “It’s Not Goodbye”, Chang estava de volta ao Brasil depois de uma viagem a Londres, onde “resolveu várias questões da vida”. No lugar onde ficou hospedada, entravam feixes de luz. O mar escuro uma vez que um rio é uma homenagem ao Tamisa. Era um momento de incerteza.
Outra obra exposta em “Zenith”, uma vez que foi batizada a mostra na Millan, traz pela primeira vez elementos timidamente vivos às suas telas —no caso, uma vegetal rasteira sobre a neve em “Another Second of My Life”, outro segundo de minha vida. As flores prestes a desabrochar dão o sinal para, quem sabe, mais elementos vivos em obras futuras.
A última grande transição em sua obra, Chang lembra, foi quando deixou de pintar em algodão para fazer da seda a sua tela. Descobriu a macieza do tecido por possibilidade, na falta do outro, quando pegou uma sobra de sua mãe para pintar. As duas moravam juntas, e sua mãe sempre gostou de costurar.
“A seda sempre foi presente na cultura asiática e na minha família, na história da minha mãe. Camisas de seda de 50 anos detrás, assim, minha mãe passou para mim”, diz. Ela desconfia que a mãe, vinda de Taiwan na juventude, também seja autista.
As duas se falam por telefone todos os dias, religiosamente, às 20h, mas dificilmente se veem pessoalmente —a solidão é um hobby que compartilham. “Ela tem quatro calendários em uma parede. Não gosta de eventos com muita gente. Ela não foi na minha formatura, mas eu também não fui”, diz, entre risadas.
Quando se formou uma vez que artista, paradoxalmente, Chang queria se distanciar da paisagem. “Ai, é tudo noção e noção. Para mim é intuitivo. Às vezes, estou pensando numa questão que não tem zero a ver com a paisagem. Mas associo de alguma maneira, alguma sensação”, diz, antes de se interromper, um pouco sem jeito. “Acho estou me embananando inteira.”
“Eu palato dessa sensação que a paisagem dá, de você ser um zero. Te faz questionar a dimensão das coisas”, diz.
Chang parece harmonizar o romantismo à contemporaneidade enquanto suas solitárias naturezas parecem quase irreais, uma vez que se tivessem sido pintadas em outro planeta. A intervalo e o isolamento, finalmente, são as coordenadas para uma sociedade pautada pelo mundo do dedo e pouco conectada à natureza.
Mas ela prefere não pensar, exclusivamente sentir. Para alguém que questiona incansavelmente tudo ao seu volta, a pintura é um respiro. “No mundo da arte contemporânea, tudo é muito visado no noção, por isso que as pessoas olham e não se relacionam com as obras”, afirma. “Odeio ter um compromisso com um noção já pensado. Quero as pessoas livres para acharem o que quiserem.”