Conheça o estilo 'mandrakitty', que ganha a cena funk

Conheça o estilo ‘mandrakitty’, que ganha a cena funk – 09/06/2025 – Ilustrada

Celebridades Cultura

“Uma vez que assim, ele é gay? Assim todo ‘posturado’?”, pergunta um rapaz enquanto aponta para o influencer Gustavo Custódio. Com óculos Juliet, risquinho na sobrecenho, gloss na boca, camisa e bermuda da Cyclone, o paranaense é um dos representantes do estilo que tem ganhado espaço nos bailes funk das periferias do Brasil, o “mandrakitty”.

Combinando elementos visuais do mandrake, estilo visto porquê heteronormativo, com simbolismo feminino da personagem do traçado nipónico “Hello Kitty”, a tendência reflete a presença crescente de pessoas LGBTQIA+ nos bailes e festas de funk do país.

A teoria, ainda sem ser nomeada, começou a ser compartilhada nas redes sociais depois que Ruger MC viralizou fazendo uma galhofa com o estilo. Na publicação, ele usa boné da Lacoste, manante no pescoço e mantém a postura que pode ser considerada de um heterossexual enquanto encara a câmera.

“Pensou que fosse um marginal? Uma Hello Kitty dessa? Coragem”, diz, quebrando a postura, o influencer de Fortaleza em vídeo de julho de 2023. Desde portanto, apareceram uma enxurrada de posts ligados a pessoas da comunidade que já se identificavam com o estilo.

Entre as publicações, a de maior destaque foi a de Custódio, em dezembro de 2023, no natalício do dança da DZ7, em Paraisópolis, zona sul de São Paulo. No vídeo, ele está “posturado”, de óculos Juliet, risquinho na sobrecenho e durag —lenço atado no topo da cabeça. Na descrição, ele escreve “achei que era um marginal até o olhar guloseima entregar a Hello Kitty”.

Com a legenda “Uma ‘mandrakitty’ dessa”, o influencer marcava naquele post o uso do termo que se tornaria viral. “O vídeo bombou, chegou a ultrapassar 30 milhões de visualizações só no Instagram”.

Chamando a si mesmo de Mandrakitty, Gustavo Custódio, 23, se mantém porquê um dos principais expoentes da estética associada aos bailes desde antes do primeiro vídeo de Ruger. Na estação, compartilhava trechos de sua vida fazendo brincadeiras com a anfibologia de sua sexualidade por meio de trejeitos e roupas associadas ao estilo, ainda que o nome tenha vindo depois.

Mais do que posts aleatórios ou experiências individuais, os relatos marcavam um pouco que já ocorria pelo país todo, a incorporação do estilo mandrake pela comunidade não heterossexual, criando ambiguidades sobre identidade de gênero e sexualidade.

“Ser mandrake não é só pela veste, não é só estar rotulado por meio de uma marca, porquê Cyclone, Lacoste, Oakley, Nike. É também porquê você se porta nos ambientes que frequenta, tipo bailes, e coisas que te influenciam, porquê o funk, as gírias, as tatuagens, a skin [o traje]. Tudo isso identifica uma pessoa mandrake, uma pessoa chavosa. Já o ‘mandrakitty’ mistura isso tudo com ser da comunidade LGBT e o universo associado ao feminino, porquê uso de gloss”, diz o influencer.

Indo na mesma direção, o funkeiro Daniel Sacerdote de Oliveira, o Zumbicore, 28, lançou a música “Mandrakitty” no termo de novembro de 2024. A melodia incorpora batidas do funk bruxaria, mais sombrio, com graves mais presentes e sons eletrônicos não encontrados em instrumentos musicais tradicionais, enquanto a letra explicita a tensão sexual entre homens nos bailes.

“Eu sei que ele é passivo, esse moleque não me engana. É mandrake cá no dança, Hello Kitty na minha leito”, afirma a letra do funk constituído em parceria com Gorfo de Panda. Gustavo Custódio reforça, porém, que o “mandrakitty” está para além de preferências sexuais, porquê ser ativo, passivo ou versátil. “É um estilo, um jeito de estar no mundo que vai além do sexo”.

Zumbicore conta que a música surgiu da urgência de retratar experiências não heteronormativas no funk, um pouco menos generalidade, mas presente em sua verdade. “Eu reparei que, dentro da comunidade, existia o sobrenome ‘mandrakitty’ para se referir à galera mais marginalizada e que tem um estilo mais condizente com a periferia. No caso, os mandrakes, porém dentro da comunidade LGBT. E aí falei, rosto, eu preciso fazer uma música sobre isso”.

Já Kalef Castro, 27, funkeiro baiano que se identifica porquê “mandrakitty” e se destaca por suas letras com temática sexual, traz no corpo, por meio de roupas e trejeitos, a origem desse movimento.

“Artistas que trabalham com funk e que usam dessa estética impulsionam a comunidade LGBT. O que faz com que pessoas de fora da bolha cheguem até a nos enxergar porquê ‘cosplay de hétero’, mas, obviamente, eles não têm o molho que os ‘mandrakittys’ têm”, afirma o artista, que mora em São Paulo desde 2016, quando se mudou para cursar educomunicação na USP, a Universidade de São Paulo.

O próprio termo “mandrakitty” é uma reação a um sentimento de exclusão, segundo Zumbicore. “É um protesto que vem de uma urgência política de não nos sentirmos excluídos, de não nos sentirmos impossibilitados de consumir uma sonoridade específica, um estilo, uma cultura, uma vestimenta, uma forma de viver e se comportar em sociedade”, diz ele.

“A sociedade hétero-cisnormativa não quer que a gente faça secção disso. É uma forma de expor que nós estamos cá, que nós também compartilhamos vivências muito parecidas com a de vocês.’’

O estilo também confunde os policiais. “Eu e o Gustavo já fizemos um vídeo, ‘Vida de Mandrakitty’, da gente sendo enquadrado por um policial e, quando virávamos, ele desistia de fazer a abordagem porque era só um ‘mandrakitty’, nos liberando em seguida. E isso é um pouco que acontece muito com a gente”, conta Kalef.

Em relação à sinceridade dos espaços do funk aos adeptos desse estilo, não há consenso entre eles. Enquanto Zumbicore não vê sinceridade em espaços mais heteronormativos, Gustavo afirma que há mais saudação nos bailes do que em festas da comunidade LGBTQIA+.

“No dança funk, ninguém fica passando a mão, ninguém invade meu espaço. Eu consigo curtir tranquilo, sem susto. Lá ninguém tá nem aí pra isso. Cada um na sua vibe. E eu me identifico demais com isso. O que me conecta de verdade com o meu nicho, com o meu estilo, é o dança e o funk. É o ‘mandrakitty’.”



Folha

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