Sebos costumam ser um negócio familiar, um ofício pretérito de geração em geração. Não foi leste o caso de Bernardo Ajzenberg, Maria Guimarães e Ricardo Lombardi. Os três entraram no mercado dos livros usados porque tinham, cada um à sua maneira, uma conexão íntima com a literatura.
Coincidência ou não, todos são jornalistas de curso. Mas a única que ainda concilia o sebo com a profissão é Guimarães, editora da revista Fapesp (Instalação de Arrimo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
Seu Sebinho Mirandópolis foi montado a partir do pilha da mãe dela, a editora e tradutora Heloisa Jahn.
Guimarães afirma que sua genitora tinha o projeto desde 2019. Ela queria se mudar para o bairro onde a filha morava, na zona sul paulista, mas não encontrava nenhuma moradia em que coubessem todos os seus muro de 6.000 livros.
Ao mesmo tempo, sonhava com um lugar em que pudesse manter um escritório e continuar a trabalhar, mas parando de vez em quando para atender clientes e conversar sobre literatura.
Veio portanto a teoria de um sebo. Ou melhor: de um sebinho, que também é nome de um pássaro, o cambacica, dizia a tradutora. “Sou bióloga e não sabia disso”, comenta Guimarães sobre a ave das quais escorço hoje estampa a logo do sebo.
O projeto foi ganhando força entre os demais membros da família. Mas o tempo passou, e ele não saiu papel. Até que, em 2022, Heloisa Jahn morreu. “E aí teve esse momento: bom, e agora, o que a gente faz com os livros?”, lembra Guimarães.
Àquela profundidade, depois de uma pandemia e muitas horas de trabalho remoto, o sonho já tinha criado raízes na própria jornalista. Ela conta que queria montar um sítio onde pudesse reunir os vizinhos, que as famílias do bairro quisessem frequentar nos fins de semana. “Para mim, o crucial era ser um lugar de encontro”, resume.
A buraco solene do lugar, um imóvel de esquina banhado pela luz oriundo, aconteceu em fevereiro de 2023. O libido da livreira parece ter se tornado veras: seus vizinhos estão o tempo todo no sebo, seja envolvendo-se nas mais diversas atividades promovidas ali ou só batendo papo.
Essa presença também se refletiu no pilha. Guimarães conta que, a princípio, ele era constituído por uma miscelânea de obras que expressavam os interesses pessoais e profissionais da mãe e dos amigos dela no meio editorial que também tinham doado exemplares.
Aos poucos, porém, ela foi entendendo mais o que o seu público procura. “Temos uma prateleira de autoajuda, um tanto que não existia na livraria dela.”
Muito de Jahn segue no Sebinho, porém, seja nos móveis que antes ocupavam a sua moradia, na coleção de livros escandinavos retirados das prateleiras devido à baixa procura —ela verteu para o português fábulas do dinamarquês Hans Christian Andersen—, ou no Jabuti que ela ganhou pela tradução de “Todos os Contos”, de Julio Cortázar, ao lado de Josely Vianna Baptista.
A vontade de fabricar um lar fora de moradia também foi o que motivou Bernardo Ajzenberg a fabricar o Tucambira, na rua de mesmo nome, em Pinheiros.
Ele, que é repórter e teve uma curso prestigiosa uma vez que jornalista, tendo sido inclusive ombudsman da Folha, já havia governado um outro sebo antes, o Avalovara, que comprou de um colega para impedir que o estabelecimento fechasse.
Quando começou a trabalhar em Cosac Naify, no entanto, ele achou que havia um conflito de interesse. Em 2011, decidiu, assim, vender o empreendimento paralelo —o sebo segue funcionando com o mesmo nome.
Se o Avalovara tinha surgido na sua vida quase que por eventualidade, com o Tucambira foi dissemelhante. “Abri para ter um sítio de trabalho que tivesse a ver com a minha cabeça, a minha visão.”
Era 2020, pandemia. Ajzenberg vendia seus livros pela janela da frontaria da loja. Lá dentro, porém, o mundo era dele. As prateleiras, a iluminação, a música de fundo nunca desligada. Outrossim, os milhares de livros que se espalham até pelo pavimento do sítio podem não ser dele propriamente, mas é uma vez que se fosse.
“Quando eu vendo um livro muito permitido, ao mesmo tempo em que fico feliz, também fico meio chateado. Falo, puxa, uma vez que é que eu vou manter a qualidade do seu sebo? Porque você fica dependendo do que vai nascer, de lotes cá e ali.”
Porquê costuma sobrevir com os demais negócios de livros usados, no entanto, a identidade do jornalista e repórter acabou se mesclando a das coleções que ele foi adquirindo. A decoração do espaço é um exemplo disso: diversos itens que hoje enfeitam suas prateleiras pertenciam a Boris Fausto, a cuja coleção ele teve chegada depois a morte do historiador, dois anos detrás.
Ricardo Lombardi, possuinte do Desculpe a Poeira, também em Pinheiros, diz que em seus mais de dez anos uma vez que livreiro, ele acabou desvendando uma espécie de geografia da bibliofilia paulistana.
“Tem certos tipos de livros que você encontra em determinados bairros, entende? Digamos que alguém morava numa moradia enorme e nos anos 1970 teve que vendê-la. Aí comprou um apartamento onde não cabiam mais seus livros e se desfez deles. Que livros eram esses? Eram dos anos 1930, 1940, que o pai dele tinha comprado. Já na zona oeste são livros dos anos 1980 etc”, exemplifica.
Diferentemente de Guimarães, que manteve o serviço e usa o lucro do Sebinho Mirandópolis somente para mantê-lo funcionando, e de Ajzenberg, que complementa a sua renda com o verba da aposentadoria e eventuais trabalhos uma vez que tradutor, Lombardi tem no sebo sua única nascente de renda.
Talvez por isso, reflete em voz subida, ele tenha se especializado em raridades —seu aconchegante espaço abriga obras de milhares de reais. “Hoje, só vendo livro custoso, basicamente. Até porque criei um pouco essa nomeada de ter coisas que as pessoas não encontram em outros lugares.”
Ele abriu o Desculpe a Poeira em 2014. Tinha sentenciado transpor do jornalismo e escolheu investir num sebo, entre outros fatores, porque assim poderia aproveitar as competências que tinha adquirido na curso pregressa.
Também chegou à desenlace de que o negócio poderia depender de uma estrutura enxuta —mesmo hoje, ele só tem uma funcionária. Por término, seu próprio pilha seria um pontapé inicial e tanto no negócio.
Começou, assim, com 4.000 livros, segundo ele o supremo que seu espaço de 18 metros quadrados comporta. Hoje, diz ter pelo menos 30 milénio exemplares, espalhados por vários locais, inclusive no apartamento da mãe.
Lombardi diz que a vida uma vez que livreiro não é, no final, assim tão dissemelhante assim daquela de jornalista. Ele faz uso diariamente de sua experiência no mercado de notícias, antecipando por exemplo a valorização de certos autores porque eles estão prestes a lançar novos títulos.
Ele afirma não se ver, porém, uma vez que um empresário —exposição que compartilha com os demais entrevistados para esta reportagem. “Não consigo vender zero, só livro”, diz.