A erosão da costa do Rio de Janeiro é um problema velho, que se agrava em momentos de grandes ressacas, uma vez que ocorreu no último termo de semana em Macaé, no setentrião fluminense. As ondas que atingiram quase 3 metros (m) provocaram estragos na Praia Barra de Macaé, no bairro Fronteira, zona setentrião da cidade, e resultaram na interdição de 74 imóveis, sendo que em sete houve desabamentos parciais ou totais. Também foram registradas queda de cinco postes e perda da pista da orla. Além disso, quatro pessoas ficaram desabrigadas e 180, desalojadas.
O geógrafo pelágico da Universidade Federalista Fluminense (UFF) Eduardo Bulhões explicou que a praia é muito próxima da foz do Rio Macaé e tem essa instabilidade causada, entre outros fatores, pela ocupação dos terrenos próximos à risco de chuva.
“Uma questão relevante de o poder público entender é que não existem medidas definitivas para rematar com o problema da erosão, uma vez que a gente trabalha basicamente nos sintomas, nas consequências e não necessariamente nas causas dela. Por exemplo, uma ressaca muito poderoso a gente não tem uma vez que evitar. A gente tem uma vez que preparar o litoral para conseguir mourejar melhor com esses impactos. O primeiro passo é entender que a gente precisa de medidas para o controle do problema e não para soluções definitivas dele uma vez que muitos gestores querem vender a teoria”, defendeu em entrevista à Dependência Brasil.
Bulhões é um dos integrantes do grupo de trabalho que vai realizar o estudo técnico e ambiental estabelecido pela prefeitura de Macaé, no setentrião fluminense, com a Universidade Federalista do Rio de Janeiro (UFRJ). “Eles [da prefeitura] estão querendo se capacitar para entender melhor uma vez que ocorrem esses eventos, esses processos. Sabem que tem risco, mas não sabem por que”, completou.
O estudo será realizado pelo Instituto Politécnico e o pelo Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem) da UFRJ, sob a coordenação do decano do Meio Multidisciplinar da entidade de ensino no município, professor Irnak Barbosa. A intenção é examinar o processo de erosão costeira que há tempos atinge o município. O trabalho terá ainda o seguimento do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ).
Atafona
Em Atafona, região da cidade de São João da Barra, também no setentrião fluminense, a perda de construções e progresso da tira de areia têm evoluído ao longo dos anos. O problema não para por aí. “Em Atafona já foram mais de 500 construções destruídas. Tem impacto também em Rio das Ostras, em Campos dos Goytacazes. Perto da capital tem impactos significativos em Maricá. A Praia da Macumba, na cidade do Rio de Janeiro, é um dos lugares muito vulneráveis e volta e meia tem que reconstruir a orla. A erosão costeira no Brasil ocorre em vários municípios. Tenho trabalhado neste tema há muitos anos”, destacou Bulhões citando locais atingidos.
Estudo
O geógrafo estimou que, até esta semana, o grupo que vai realizar o estudo terá os nomes publicados no Quotidiano Solene do Município, o que é um trâmite para iniciar o trabalho. “Uma vez instituído, a gente vai trabalhar para soluções de controle da erosão”, pontuou.
A partir disso, disse o perito, devem ser analisadas medidas estruturais uma vez que recomposição da praia e da vegetação de restinga. “Acho que essa é mais moderna para mourejar com o problema. A gente pressupõe que as praias, a vegetação de restinga e as pequenas dunas frontais agem uma vez que resguardo, de veste, do litoral. Isso é o entendimento da literatura internacional sobre isso, reconstituir o ecossistema e utilizá-lo uma vez que uma barreira ao ataque das ondas e tempestades. Medidas estruturais podem ser obras e também constituição dos ecossistemas litorâneos.”
Bulhões destacou ainda algumas medidas não estruturais. Uma delas é a chamada retração planejada, quando se faz a remoção de um conjunto de construções instalado em lugar inadequado e que, por isso, não pode permanecer naquele lugar.
“Por exemplo, nessas casas que caíram, a gente não pode permitir que haja uma reconstrução de residências no mesmo lugar. Logo, a retração traz a teoria de que em alguns casos a gente precisa recuar as nossas estruturas para que consigamos reconstituir o ecossistema e que ele funcione uma vez que uma barreira oriundo”, explicou o geógrafo.
Bulhões acrescentou que estão ainda dentro desse tipo de medidas o sistema de previsão e alerta e o que ele chamou de alfabetização climática, que seria o convencimento da sociedade de que algumas áreas do litoral precisam ser desocupadas.
Em 2018, o geógrafo fez secção de um grupo que produziu o livro Quadro da Evasão Costeira no Brasil, formado por 17 capítulos, um para cada estado que passa por esse tipo de problema. Ele participou do que trata do Rio de Janeiro, que compreende a tira desde São Francisco de Itabapoana, no setentrião do estado, na lema com o Espírito Santo, até Paraty, na lema com São Paulo. “A gente tem muitas áreas em erosão, sendo a mais grave a de Atafona, mas temos em Rio das Ostras, Cabo Indiferente, Campos, Macaé, cidade do Rio de Janeiro, Calheta dos Reis”, disse.
Bulhões lembrou que, na Praia da Macumba, na zona oeste da capital, em 2005 foi feito um projeto na orla com calçadão e instalação de quiosques e de ciclovia. “De lá para cá, aquele lugar já sofreu com ressacas mais de seis vezes. A gente, enquanto sociedade, construiu em lugar inexacto. O principal problema em praias urbanas nas grandes cidades é o progresso da urbanização em direção ao mar. Isso é um problema grave, porque na verdade essas estruturas não foram feitas para moderar o progresso do mar, mas para dar um ar mais urbanizado para a orla e acabam sendo sujeitas a esses impactos”, afirmou.
Outro equívoco, na avaliação do geógrafo, era o projeto da prefeitura do Rio que pretendia instalar mantas de concreto sob a tira de areia que se estende dos postos 3 ao 8, da Praia da Barra da Tijuca, na zona oeste. Depois de críticas de especialistas, o MPRJ determinou a paralisação da obra, e o município interrompeu os trabalhos. “A gente achou que aquilo estava muito inexacto, porque a principal forma de combater a erosão é dar espaço para a praia, se restabelecer a tira de areia e a vegetação de restinga. Esses ecossistemas têm naturalmente essa função de resguardo do litoral.”
Força da ressaca
O oceanógrafo Marcelo Sperle Dias, professor da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), alertou que não somente a profundidade das ondas determina a força da ressaca. Segundo ele, o período da vaga, que é o tempo que ela leva para estourar na praia, pode provocar grandes estragos. Esse foi o caso de Macaé.
“Especificamente essa ressaca teve um período de ondas muito largo. A média do período de ondas no estado do Rio de Janeiro é na tira de oito a dez segundos. Nessa ressaca, uma vez que outras que já aconteceram, o período foi de 16 a 18 segundos. Em termos de fluido da chuva, isso funciona quase uma vez que um tsunami. Quanto maior o comprimento do período de ondas, mais ela invade o litoral”, esclareceu Dias em entrevista à Dependência Brasil.
Alertas
O professor contou que os avisos da Marinha sobre a ocorrência de ressacas costumam trazer a previsão de profundidade das ondas e ainda os períodos que vão levar para estourar. E isso é importante para se fazer um planejamento de cuidados. Segundo o oceanógrafo, normalmente os alertas têm quatro informações principais: trecho do litoral que vai ser mais atingido, qual é a direção das ondas (se estão vindo do sul, sudeste), a profundidade da vaga e o período. Diante disso, ele sugeriu que as prefeituras tenham equipes capazes de fazer essas observações para propor medidas que evitem danos maiores. “Nós precisamos que a Resguardo Social das prefeituras tenha profissionais capacitados acostumados a trabalhar com levante tipo de problema.”
Dias participa desde 1997 do grupo de especialistas do projeto Erocosta, que trata da erosão costeira e monitora vários pontos chamados de hotspots do litoral fluminense, entre eles, esse trecho de Macaé e de Atafona que, segundo ele, está cada vez mais crítico. “O hotspot é uma dimensão do litoral onde várias condições, não só da ressaca e da vigor das ondas, várias outras forçantes, que a gente labareda, condicionam que aquele ponto tenha eventualmente impactos associados à questão de erosão costeira”, explicou.
O professor salientou que o impacto das ressacas nesses locais vai depender também da orientação do litoral, definida pela direção de partida das ondas. “Dependendo de onde estão vindo as ondas, um ou outro desses vai ter maior impacto. Não acontece em todos ao mesmo tempo, porque cada um deles está suscetível a estar mais de frente para onde as ondas grandes associadas à ressaca estão vindo”, revelou.
O perito reforçou o entendimento de que a ocupação urbana contribui para a ocorrência de danos na orla, causados por ressacas. “Todo mundo já foi muchacho e construiu fortaleza na areia da praia. Vem uma vaga e derruba o fortaleza. Hoje tem pessoas que constroem as casas quase na areia da praia, quer transpor de mansão e pisar já na areia. Outrossim, se coloca uma ciclovia ou um quiosque, que avançam por sobre a praia. Ou seja, qualquer tipo de instituição, obra sólida, vai receber o impacto das ondas. Nossos avós já diziam ‘chuva tenro em pedra dura, tanto bate até que fura’. Não tem jeito. Ao longo do tempo, essas estruturas vão sofrendo esses impactos e uma hora acabam desmoronando”, observou.
O oceanógrafo destacou ainda que, conforme o Projeto de Gestão Integrada da Orla Marítima do governo federalista, do qual o Erocosta é integrante, a recomendação é que a dimensão de amortecimento em regiões urbanas deveria ser de 50 m além da praia. E, em áreas não urbanas de, pelo menos, 200 m detrás da risco da praia.
“A gente sabe que isso é o ideal, é ter a zona de amortecimento para a dissipação da vigor das ondas suceder naturalmente. As nossas praias e restingas, toda a região litorânea, são uma vez que se fossem um filtro oriundo para a vigor das ondas. Se não tivesse ali nenhuma instituição, naturalmente, fosse a ressaca que fosse, ela seria dissipada pela própria passagem da vaga. Inundaria toda a praia, atingiria a dimensão de vegetação e a vigor se perderia. Se as construções estivessem detrás da dimensão de amortecimento, se evitariam muitas coisas”, indicou, sugerindo que na dimensão atingida de Macaé haja a remoção dos escombros e no lugar seja recuperada a vegetação de restinga.
“Vamos ter cada vez mais tempestades, ressacas e chuvas mais fortes, inundações e secas maiores. É um período de mudança climática, não há dúvidas, mas nós seres humanos temos que usar esse nosso conhecimento para nos adaptarmos a isso”, disse.