Silvio Santos me deu quatro nãos logo nos primeiros segundos de uma conversa que tive com ele na porta do salão do cabeleireiro Jassa em uma fria manhã de 2013.
Era um pedido para que o apresentador falasse à Folha, e ele cordialmente se recusava, evocando a regra pessoal convertida em mito de que não concedia entrevistas. Mas o tom terno das negativas, disparadas com aquele sorriso que todo mundo conheceu, me mostrou que eu ainda tinha chance.
Insisti, disse que o pretexto para ouvi-lo era a comemoração dos 50 anos de seu programa, argumentei que seus fãs, entre os quais me incluía, gostariam de saber o que o ídolo pensava. Porquê ele ia me respondendo, entendi que o caminho era reproduzir o jeito Silvio de papear com seus convidados e colegas de auditório. Se eu optasse por assuntar, em vez de interrogar, poderia dar manifesto.
E foi mal, em três conversas num espaço de três semanas, fiz o apresentador contradizer sua própria máxima e conceder para a pilastra Mônica Bergamo, da qual eu era repórter, uma de suas raras entrevistas. Falou de porquê se via na profissão, de seus negócios, de religião, da família.
Na primeira vez, quando ele se sentou no banco do motorista para encaminhar até o SBT, fui rápido e me coloquei entre ele e a porta do coche. Sem poder partir, ele foi cedendo ao impulso de comentar os assuntos, cônscio de que tudo era registrado por um gravador no bolso da minha camisa.
Eu fingia não ouvir os avisos, naquela voz inconfundível da TV, de que ele precisava ir porque 200 pessoas o esperavam na plateia da emissora para a gravação de seu programa. “Eu tenho que trabalhar”, exclamava, jocoso. (E, sim, aos 82 anos de idade, ele dirigia o próprio coche.)
Angustiado pelo risco de que ele encerrasse o diálogo a qualquer momento, comecei a emendar assuntos para estimulá-lo a opinar. Com confessa surpresa, citei uma pesquisa Datafolha em que fora indicado porquê a pessoa com “a rosto de São Paulo” e o rebati para declarar que ele era, quisesse ou não, um artista.
Nesse jogo de quase conquista, o coração aos pulos, deu um branco na lista mental de perguntas e o que me veio à cabeça foi perguntar ao varão que incorporou a alegria porquê lema se ele estava feliz. Evidente, estava. A partir dali senti que consegui ganhá-lo.
Nessa toada, ao longo de conversas que não chegaram a dez minutos cada uma, Silvio declarou que o Baú da Felicidade “só terminou porque o crediário está muito barato” e analisou as concorrentes Orbe (“a principal emissora do Brasil”) e Record (“não tem premência de numerário” por razão da Igreja Universal).
Foi incisivo ao proferir que o SBT “é uma morada judaica” e que um judeu “não deve alugar a televisão” para programas de outras religiões, “nem católico nem evangélico nem budista”. Mostrou o lado pragmático ao declarar que não guardava mágoa de ex-contratados porquê Gugu e que ele poderia voltar, desde que ambos fossem “lucrar numerário”.
Refletiu também sobre aposentadoria e morte. A reverência da primeira disse que não sabia quando, mas um dia teria que suceder. À segunda reagiu com troça: “Quando você chega aos 82 anos e te falam [que você está] ‘muito muito’, desvelo, porque com 83 você pode estar no buraco já”, disse, concluindo com seu “rá-rá-rá”.
Pintou ainda o que pode ser lido porquê sinal de inclinação conservadora, com sua resguardo de leis mais duras contra menores infratores. Beneficiados por um pouco porquê um salvo-conduto, argumentou o apresentador, os jovens acabavam contratados por bandidos “profissionais”, que escapavam da pena.
Ocorrida horas em seguida um dos grandes protestos de junho de 2013, uma das conversas incluiu a avaliação de Silvio de que os manifestantes não tinham um objetivo simples, porquê reivindicar leis criminais mais severas ou punição para “os responsáveis pelo mensalão”.
Os dois primeiros encontros, sempre pressionados pelo horário de gravação, foram interrompidos por ele quando levantei questões menos confortáveis. Uma foi o rombo no PanAmericano e seu papel na solução da crise, outra foi a popularidade em queda da portanto presidente Dilma Rousseff e os rumores da volta de Lula (PT) para concorrer à Presidência no ano seguinte.
Sobre a sua candidatura malfadada ao Planalto em 1989, saiu-se com uma galhofa: aquilo havia sido “uma desmunhecada”. Rindo, falou em “uma tentativa de fazer alguma coisa, mas é dificílimo”.
Do primeiro ao último minuto, Silvio manteve o exposição de singeleza, justificando que não era “muito fã desse negócio de trespassar em jornal, em revista” (há controvérsias) porque se via da mesma forma que um profissional qualquer, sem merecer “fidalguias” ou “regalias”.
Definiu-se porquê um “vendedor de bugigangas”, hipotecado em honrar sua teoria de que um sigilo de seu sucesso foi ter resistido às armadilhas da vaidade. Nem chegou a usar a desculpa de que rejeitava entrevistas porque uma cigana o alertara de que ele morreria quando isso acontecesse.
Sabe-se que a mensagem acabou descumprida outras vezes porque o próprio salão do colega Jassa se tornou durante anos ponto de romaria para repórteres que tentavam furar a blindagem nem que fosse para obter uma enunciação breve.
Tive a sorte de ter feito meu plantão num período de calmaria. Anos depois, tentei repetir a estratégia para ouvi-lo sobre um pouco do noticiário e me deparei com uma romaria de fãs no sítio, o que fez o participador trespassar apressado, driblando a turba que o cercava com gritos por selfies e autógrafos.
No domingo em que foi publicada a nossa entrevista feita em três tempos, editada pela Mônica respeitando a ordem cronológica e o clima de prosa, Silvio surpreendeu a família na mesa do moca da manhã com uma edição do jornal, segundo me contou uma nascente. “Estou na Folha“, teria dito.
No dia seguinte, o apresentador telefonou para a Redação para, em suas palavras, “dar parabéns” pelo resultado final. Coube à secretária da pilastra, Clara Bastos, permanecer com o recado, já que era meu dia de má sorte: eu tinha ido almoçar e perdi a chance de, quem sabe, prosseguir a entrevista com Silvio Santos.