Cracolândia: Fator Favela Reduz Valor Das Desapropriações Dos Imóveis

Cracolândia: fator favela reduz valor das desapropriações dos imóveis

Brasil

Para a construção de um novo núcleo administrativo, o governo de São Paulo pretende desapropriar quatro quadras inteiras no entorno da Terreiro Princesa Isabel, na região meão da capital paulista. Decreto assinado pelo governador Tarcísio de Freitas declarou de utilidade pública os imóveis onde atualmente funcionam lojas de autopeças, restaurantes, padarias, casas e prédios de apartamentos residenciais.

Nos últimos processos de desapropriação feitos no lugar, em processos judiciais abertos pela prefeitura paulistana, a proximidade com a Favela do Moinho e com a aglomeração de pessoas em situação de rua e com consumo censurável de drogas, conhecida uma vez que Cracolândia, reduziu o valor das indenizações. Em diversas decisões, os técnicos do Tribunal de Justiça recomendaram a subtracção dos valores pelo concepção do “fator favela”, que estima descrédito em 30% do preço das propriedades na superfície.

São Paulo (SP), 05/05/2023 - Mulher negra em situação de vulnerabilidade social dorme em fente aos casarões lacrados na rua Helvétia, de onde o fluxo da Cracolândia foi dispesado após a Operação Caronte. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
São Paulo (SP), 05/05/2023 - Mulher negra em situação de vulnerabilidade social dorme em fente aos casarões lacrados na rua Helvétia, de onde o fluxo da Cracolândia foi dispesado após a Operação Caronte. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

São Paulo – Casarões lacrados na rua Helvétia, região da Cracolândia. Foto: Rovena Rosa/Sucursal Brasil

Desalojamentos

Dentro do perímetro previsto para as demolições estão 280 habitações. Segundo o secretário estadual de Projetos Estratégicos, Guilherme Afif Domingos, a estimativa inclui apartamentos e casas, inclusive as usadas uma vez que cortiços.

Há ainda dois empreendimentos habitacionais. Um, já em período avançada de construção, é uma parceria da prefeitura de São Paulo com a União das Lutas de Moradia e Cortiço. O outro tem um stand, maquete e diversos corretores que fazem simulações do projeto previsto para ser lançado nos próximos dias. Os vendedores negam, entretanto, que o empreendimento esteja dentro da superfície que será liberada para construção de torres de 30 andares que deverão homiziar a burocracia estadual.

O decreto assinado no dia 27 de março pelo governador Tarcísio de Freitas é evidente ao declarar de utilidade pública a totalidade das quadras 25, 34, 46 e 48, além de nove lotes da Quadra 52.  A estimativa do governo é que 22 milénio funcionários públicos passem a dar expediente diariamente no entorno da terreiro, que se tornaria uma grande esplanada, integrando o Palácio dos Campos Elíseos. O casarão construído no termo do século 19 abriga atualmente o Museu das Favelas.

Projeto arquitetônico

Foi desimpedido um concurso para escolha do projeto arquitetônico e urbanístico para construção do novo núcleo, com previsão para os resultados em julho. A empresa vencedora deverá elaborar um projeto executivo para ser submetido à consulta pública. Segundo o secretário, a previsão é que a licitação ocorra no início de 2025.

A teoria, de conciliação com Afif, é aumentar a ocupação do núcleo paulistano. “Hoje, temos um núcleo despovoado à mercê das populações de rua e do tráfico de drogas”, disse.

Incertezas

Apesar do pregão, os moradores da região afetada ainda não têm certeza se efetivamente serão despejados ou uma vez que o projeto será implementado. O negociante Richard Martinez, que mora em um pequeno prédio, tem dificuldades em entender as propostas do poder público para o bairro dos Campos Elíseos.

Ele labareda a atenção para a reforma feita na Terreiro Princesa Isabel, em frente onde mora. O lugar chegou a homiziar o chamado fluxo da Cracolândia em alguns momentos, em seguida as dispersões promovidas pelas operações policiais.

No ano pretérito, o espaço foi completamente reformado e tem recebido manutenção manente, com limpeza e jardinagem. Porém, a terreiro, que ganhou status de parque, foi gradeada e fica na maior secção do tempo fechada ao público. “Essa terreiro, aí”, aponta o negociante. “Faz tempo que não abre. Um monte de crianças todos os dias fica só olhando”, diz Martinez, que tem uma filha.

A possibilidade de ter que deixar a região, onde vive há dez anos, também preocupa Martinez. “A gente já sabia que ia ter uma mudança. Mas tão rápido assim, eu não sabia”, diz o negociante que optou por morar no núcleo pela facilidade de locomoção, importante para seu trabalho.

Há quem acredite que as desapropriações possam ser uma boa oportunidade para mudar da região. A aposentada Marilene Freire disse que não acharia ruim deixar o apartamento onde reside há 40 anos. “Não saindo cá do núcleo, mas para outro lugar. Está bom, mas a gente tem vontade de ir para uma coisa melhor. Maior, com mais espaço, pessoas novas”, disse.

O prédio onde Marilene vive fica de frente para o Liceu Coração de Jesus, um imóvel tombado. Fundado pela Ordem Católica dos Salesianos, em 1885, o escola quase fechou as portas no ano pretérito devido à falta de alunos, consequência da proximidade da Cracolândia. As atividades só foram mantidas por um convênio firmado com a prefeitura de São Paulo para atendimento de crianças do ensino infantil e do fundamental.

São Paulo (SP), 12/04/2023 - Prédios interditados na rua Helvétia, em Campos Elísios.
Entidades que realizam trabalhos sociais na região da Cracolândia, no centro da capital paulista, estão pedindo para que o governo federal assuma a implementação de programas para o atendimento dos dependentes químicos que vivem no território. Segundo as entidades, os projetos da prefeitura e do governo do estado de São Paulo não estão dando resultado e acumulam denúncias de violações de direitos humanos. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
São Paulo (SP), 12/04/2023 - Prédios interditados na rua Helvétia, em Campos Elísios.
Entidades que realizam trabalhos sociais na região da Cracolândia, no centro da capital paulista, estão pedindo para que o governo federal assuma a implementação de programas para o atendimento dos dependentes químicos que vivem no território. Segundo as entidades, os projetos da prefeitura e do governo do estado de São Paulo não estão dando resultado e acumulam denúncias de violações de direitos humanos. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

São Paulo (SP) – Prédios interditados na rua Helvétia, em Campos Elísios. Foto:  Rovena Rosa/Sucursal Brasil

Fator favela e remoções

No entorno do liceu, no Largo Coração de Jesus, quase todos os imóveis foram desapropriados para construção de moradias em uma parceria público-privada (PPP). As famílias que viviam em pensões nos antigos casarões foram removidas, em uma ação iniciada em seguida a megaoperação policial de maio de 2017, que retirou do lugar pessoas em situação de rua e com consumo censurável de drogas. Apesar da desocupação, os imóveis ainda não foram completamente demolidos e os empreendimentos não começaram a ser construídos.

Secção das pessoas identificadas uma vez que em situação de vulnerabilidade recebeu auxílio-aluguel por alguns meses. Porém, segundo o pesquisador Ariel Machado, que estuda os projetos de parceria público-privada na região em seu mestrado na Universidade de São Paulo (USP), o cadastro deixou secção dessa população de fora. “Poucas pessoas ali tinham cadastro da Secretaria de Habitação, porque ele foi feito, mas em 2016, e depois tentaram uma atualização. Mas essa remoção ocorreu só em 2021. Portanto, muitas famílias já não estavam mais ali e muitas outras pessoas tinham chegado”, lembra.

Para os proprietários, as indenizações foram rebaixadas com o argumento da proximidade com a Cracolândia e a Favela do Moinho, que fica sobre 1,5 quilômetro do Largo Coração de Jesus. “O ‘fator favela’ é um elemento usado pelo Cajufa [Centro de Apoio dos Juízes da Fazenda Pública da Capital] que é um setor de pedestal das varas da Rancho. Eles mobilizam os peritos para conseguir precificar imóveis ou terrenos a partir da localização”, explica o pesquisador, que analisou 40 processos de desapropriação na região.

Em uma decisão de dezembro de 2019 sobre a desapropriação de um imóvel de 14,1 milénio metros quadrados em posse de uma empresa, o juiz Josué Vilela Pimentel, da 8ª Vara de Rancho Pública, deixou evidente que havia dois cenários. No primeiro, a propriedade estaria avaliada em mais de R$ 3,2 milhões e, no segundo, em R$ 2,3 milhões. Ao optar pela última, o Pimentel justificou: “a redução de 30% do valor obtido inicialmente, decorre das condições limitativas de interesse do mercado imobiliário privado no muito, vez que a região está ocupada de forma hostil e desordenada”.

As decisões divergem, no entanto, sobre a forma de calcular a descrédito dos imóveis. Em fevereiro de 2021, o juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara de Rancho Pública, ao determinar sobre três imóveis pertencentes a uma família, diz que a orientação dos peritos era para não usar o “fator favela”. Segundo os técnicos, a perda de valor das propriedades era maior do que os 30% previstos pelo indicador. “Caso seja aplicado o ‘fator favela’ para a homogeneização dos elementos comparativos, o valor unitário sofreria elevação”, escreveu o magistrado.

Ainda sobre os três imóveis, o juiz destacou que as famílias que ocupavam as propriedades não deveriam ser removidas por justificação da pandemia de covid-19 e a falta de atendimento social. “Não está sequer demonstrado que o cadastro dos moradores colecionado pela expropriante abarca os moradores dos imóveis cá expropriados e nem está demonstrado estar a eles reservado ao menos atendimento habitacional provisório, por meio de auxílio-aluguel”, disse em referência às “várias dezenas de pessoas”, que estavam vivendo nos casarões que haviam sido deixados sem uso pelos donos.

De conciliação com Ariel Machado, nas disputas judiciais envolvendo as desapropriações, alguns proprietários acabaram obtendo negócios vantajosos e outros podem ter sido prejudicados. “Muitos ali foram desapropriados só pelo valor do terreno. Os peritos diziam que os imóveis estavam inutilizáveis, não tinham valor nenhum”, afirma.

Histórico de demolições

Diferentemente das desapropriações do Largo Coração de Jesus, além de casarões usados uma vez que pensões e cortiços, que também existem dentro do novo perímetro, agora, podem ser desapropriados edifícios residenciais de até nove andares.

Segundo o Laboratório Espaço Público e Recta à Cidade (LabCidade) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), moram na superfície afetada 800 pessoas. Em nota conjunta com movimentos sociais, o LabCidade pede a suspensão do projeto. “A presença da assim chamada Cracolândia nesse pedaço da cidade funcionou uma vez que verdadeira cortinado de fumaça para uma série de ilegalidades urbanísticas promovidas pelo estado”, diz no documento assinado também pelo União de Movimentos de Moradia de São Paulo e pelo Observatório de Remoções.

“Trata-se de inúmeras iniciativas e projetos públicos que partem do pressuposto de que aquele território está vazio ou inabitado, que projetos podem chegar para ‘revitalizar’ uma superfície, uma vez que se não houvesse pessoas que há décadas vivem e constroem esse território, que não são ouvidos e respeitados. Ainda, o projeto desconsidera a regulação urbanística municipal: nos termos do projecto diretor municipal, projetos urbanos uma vez que esse devem seguir procedimentos de participação social”, acrescenta o transmitido dos pesquisadores e movimentos sociais.

A nota técnica lembra ainda de dois momentos em que foram feitas remoções e demolições na região, para a construção de uma unidade do Hospital Pérola Byington, especializado em saúde da mulher, e para a construção de um conjunto habitacional também por PPP.

Indenizações justas

Afif Domingos informa que serão feitas “realocações” de moradores e o pagamento de indenizações “justas” aos proprietários. O secretário também aponta a possibilidade de os empreendimentos habitacionais em construção serem incorporados ao projeto. “Aqueles prédios que estão em um estágio bastante avançado serão incorporados. Aqueles que são de interesse social serão remanejados em áreas no entorno. Todo o processo de desapropriação vai ser com justa indenização e realocação em habitação de interesse social”, disse Afif, ao participar de evento sobre a PPP para construção do novo núcleo administrativo na Associação Mercantil de São Paulo nesta quarta-feira (3).

O assessor especial do ministro da Economia, Guilherme Afif Domingos, fala na cerimônia de sanção da Lei Complementar 420, que cria a Empresa Simples de Crédito (ESC), no Palácio do Planalto.
O assessor especial do ministro da Economia, Guilherme Afif Domingos, fala na cerimônia de sanção da Lei Complementar 420, que cria a Empresa Simples de Crédito (ESC), no Palácio do Planalto.

 Secretário estadual de Projetos Estratégicos, Afif Domingos, aponta a possibilidade de os empreendimentos em construção serem incorporados – Valter Campanato/Sucursal Brasil

Afif ressaltou, no entanto, que os critérios para pagamento das indenizações pelas propriedades vão considerar a perda de valor de mercado. “Você vai remunerar o valor que vale”, enfatiza. De conciliação com o secretário, esses procedimentos serão feitos pela concessionária ganhadora da licitação. “A desapropriação quem vai fazer é o concessionário que lucrar, porque eles têm mais facilidade para poder negociar.” O secretário afirma ainda que todo o processo vai respeitar os bens tombados e o projecto diretor. 

Fonte EBC

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