“Se o Estado foi capaz de manter tantos lugares para torturar, que seja também capaz de manter tantos espaços para educar em direitos humanos”. Assim o procurador Eduardo Valério defendeu hoje (15) a geração do Memorial DOI-Codi, meta de disputa entre o governo paulista, responsável pelo lugar, o Ministério Público e as entidades da sociedade social, que clamam por sua construção.
A revelação foi feita durante worshop realizado no Meio de Pesquisa e Formação do Sesc São Paulo, na capital paulista, para discutir a valia de se edificar um memorial nas antigas dependências do que foi o maior meio de tortura do país.
Subordinado ao Tropa, o Destacamento de Operações de Informação – Meio de Operações de Resguardo Interna (DOI-Codi funcionou entre 1969 e 1982 na Rua Tutóia, na região do Paraíso, em São Paulo. O DOI-Codi foi o maior meio de repressão política do país durante a ditadura, lugar de tortura, assassinatos e violações de direitos humanos. Comandado pelo coronel Carlos Alberto Resplandecente Ustra, estima-se que no lugar morreram ao menos 50 presos políticos. Foi ali que, em 1975, foi assassinado o jornalista Vladimir Herzog.
Neste lugar, atualmente funciona uma delegacia de polícia. “Isto é um trote”, disse Adriano Diogo, que presidiu a Percentagem Estadual da Verdade da Câmara Legislativa de São Paulo e esteve recluso no DOI-Codi por 90 dias durante a ditadura militar. “É a mesma coisa que você manter uma unidade policial dentro de um campo de concentração”, acrescentou, em entrevista hoje (15) à Sucursal Brasil.
Há anos movimentos clamam para que o lugar se torne um memorial devotado a promover reflexões sobre a ditadura no país. Em 2014, a percentagem conseguiu que os prédios que compõem o multíplice do DOI-Codi fossem tombados pelo Recomendação de Resguardo do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat). Apesar disso, a geração dele não se concretizou até hoje. “O memorial serviria para que, ao menos, se atenuasse ou se desse um processo civilizatório a um período tão cruel da história do Brasil”, ressaltou Adriano Diogo.
“A teoria básica é transformar o espaço que foi de violação de direitos humanos em um espaço de memória, de enaltecimento da democracia e de enfrentamento à tortura. Seria um espaço de prevenção para que isso não se repita e também de ensino em direitos humanos”, disse Valério.
Em 2021, a Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo ajuizou uma ação social pedindo para que o governo de São Paulo transfira o prédio, que pertence atualmente à Secretaria de Segurança Pública, para a Secretaria de Cultura. Foi uma ma tentativa de conseguir concretizar o memorial. Mas isso ainda não aconteceu.
A ação social pública, informou Valério durante o evento, encontra-se atualmente suspensa, em procura de congraçamento das entidades com o governo de São Paulo. “Estamos na procura de um congraçamento naquela perspectiva de que uma decisão judicial, fora o seu caráter incerto, transferiria para o Poder Judiciário uma decisão sobre matéria muito sensível e que, seguramente, não integra a tarifa do Judiciário brasílio”, disse. “A teoria é investir o sumo que for verosímil num congraçamento extrajudicial e que poria término à ação e impediria que ela fosse remetida para outras instâncias do Judiciário”, ressaltou.
No entanto, segundo o procurador, o governo de São Paulo não tem se mostrado favorável ao congraçamento sobre o matéria. Em 2023, em entrevista ao jornal Valor Econômico, a atual secretária estadual de Cultura, Economia e Indústria Criativas, Marília Marton, declarou ser contra a construção do memorial.
Segundo a secretária, isso geraria gastos ao governo, e alegou que já existe um memorial contra a ditadura em funcionamento na capital paulista, o Memorial da Resistência. “Estamos falando de recurso público. Precisa perguntar para os paulistas que pagam os impostos do Estado se, além do Memorial da Resistência, há interesse histórico de pegar o seu recurso – que não é da secretaria de Estado, não é do governo do Estado, mas de todos os paulistas”, afirmou, na ocasião.
Para Eduardo Valério, no entanto, se o governo foi capaz de produzir os centros de tortura no pretérito, deve também ser capaz de produzir os centros de memória no presente. “Se o estado brasílio foi capaz de fazer tantos centros de tortura e de desaparecimento forçado, que seja capaz também de fazer tantos centros de recuperação da memória, de preservação da memória e de ensino e direitos humanos”, ressaltou.
“Ali [no DOI-Codi], foram feitos os testes. Ali, foram feitas as experimentações não só da tortura em si, mas também do funcionamento da promiscuidade entre empresa e Estado e grupos paramilitares. Portanto, é muito importante entendermos que leste memorial não pertence ao governo do estado de São Paulo ou ao governo federalista, ele pertence ao povo brasílio. É um patrimônio da humanidade e porquê tal deve ser visto”, destacou Flávio de Leão Bastos Pereira, representante do Núcleo da Memória da Percentagem de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Enquanto o memorial não é criado, o Núcleo de Preservação da Memória Política tem desenvolvido visitas guiadas e mediadas ao lugar. Aliás, todos os anos, desde 2013, eles fazem uma revelação cultural na frente do DOI-Codi para homenagear as pessoas que morreram neste lugar. “Se o Estado resolve não fizer zero, nós vamos dar visibilidade ao lugar”, disse Maurice Politi, fundador e diretor do Núcleo de Preservação da Memória Política.
“Hoje temos três visitas por mês no lugar. A gente calcula que estamos recebendo a visitante de murado de 600 ou 700 pessoas a cada ano”, disse, durante o evento. “O objetivo do Núcleo Memória, ao fazer isso, é racontar sobre o período, com auxílio de testemunhas sobreviventes do lugar e também formar pessoas mais conscientes e críticas, que reflitam sobre os abusos do poder, as perseguições e os assassinatos ocorridos nesse período”, enfatizou.
Procurada pela Sucursal Brasil, a Secretaria de Cultura informou que o vetusto prédio do DOI-Codi pertence à Polícia Social, que é responsável por sua manutenção e preservação. “Quanto ao espaço se tornar um museu, a Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas já conta com um equipamento devotado a preservação da memória desse período, com espaçoso montão, que é o Memorial da Resistência”, informou a pasta.
