Foi uma semana difícil para a imagem do governo. E governos que surgem da promessa de mudança radical em valores e comportamentos, uma vez que Lula sucedendo Bolsonaro ou Biden sucedendo Trump, não podem negligenciar os atributos de sua imagem pública que os diferenciam do pretérito. Por isso, o governo Lula fez questão de prometer, entre outras coisas, ser um vencedor da democracia e dos valores progressistas. Duas frentes em que não se saiu exatamente muito na semana passada.
O primeiro revés ocorreu nas relações com Nicolás Maduro. A perseguição a opositores na Venezuela se tornou prática geral e a divergência política representa uma vez que nunca um risco real à vida e à liberdade. Embora seja compreensível que na diplomacia é necessário manter canais abertos e que o Brasil considere um porvir em que possa mediar uma transição negociada, há uma diferença entre engolir sapos por premência e minimizar a brutalidade política quando ela se estabelece.
A Venezuela avançou do autoritarismo encapotado para o autoritarismo deslavado sob o olhar complacente de Lula e do PT. A nascente ponto, os panos quentes são um inadmissível desaforo: quem faz desvanecer adversários políticos na calada da noite não “deixa a desejar” em termos democráticos, é um ditador.
Só falta Gleisi Hoffmann ou a Executiva do PT redigirem a sua versão do famigerado editorial “Uma escolha muito difícil”, uma vez que naquele segundo vez de 2018 entre Bolsonaro e Haddad, em que o Estadão colocou muita coisa na balança dos dois lados, salvo alguns detalhes de menor prestígio sobre os candidatos, uma vez que potencial de prenúncio à democracia, aos direitos civis, aos direitos humanos etc.
Outrossim, tivemos na semana o inédito e grotesco caso em que o titular dos Direitos Humanos no governo foi denunciado publicamente de importunar sexualmente a titular da Paridade Racial. Era só o que faltava ao governo: ver desmoralizado um dos garotos-propaganda da luta identitária. E ver essas acusações virarem um escândalo público porque não foram tratadas e resolvidas internamente nas instâncias apropriadas. Há compliances, comissões de moral, protocolos e tudo mais em qualquer firma da esquina para mourejar com casos uma vez que esses, só o governo é que não os tem?
Certamente não fez muito à imagem do governo que todos assistissem à ruinoso pública da reputação de um dos seus campeões morais antes mesmo que evidências fossem apresentadas, em mais um incidente de justiçamento identitário. Assim uma vez que não beneficiou a opinião sobre o governo o vestimenta de que o presidente só tomou uma atitude, apesar de ter conhecimento dos fatos, depois que o escândalo estava exposto.
Nem a atitude da primeira-dama, cada vez mais a dirigente do governo identitário, que publicou uma foto beijando maternalmente a testa da sua favorita na contenda antes mesmo de o dirigente do governo do Brasil, depois de ouvir as partes, ter tomado a decisão solene de isentar o ministro.
Lula acredita ter pretérito a mensagem de que não há lugar para assédio no governo. Mas a mensagem recebida foi que, em um governo de campeões da virtude, mulheres, inclusive ministras, têm que recorrer a ONGs de DNA gringo, sob exigência de anonimato, a vazamentos ou a blogs de jornalistas para verem punidos assediadores sexuais.
O incidente expõe claramente um dos flancos do governo. A decisão de colocar adeptos da ideologia identitária em pastas que se ocupam de minorias e de direitos civis traz para dentro do governo um potencial de conflito que não é trivial. Colocar vitrines de superioridade moral em uma terreiro de guerra é passar risco permanente.
O modus operandi do identitarismo é a beligerância permanente. Não existe política identitária de identidade não oprimida; a identidade está sempre em conflito com opressores, reais ou imaginados. O método de ação da política identitária se apoia no tripé vigilantismo, denuncismo e punitivismo. Tretas e escândalos são-lhe inerentes, e o vestimenta de estarem no governo zero significa para quem crê em vexame estrutural.
O justiçamento público de Silvio Almeida, e não importa se simples ou culpado, não diferiu dos linchamentos, assassinatos de reputação e cancelamentos de qualquer um, porque é mal a política identitária funciona. A única diferença é que quem vive de exibição de virtudes não pode falhar justamente em questão moral. Nenhum perversão será perdoado, ainda mais se o pecante da vez for um sacerdote da nossa crença.
No identitarismo, a guilhotina moral está sempre afiada e o carrasco ou o omisso de ontem podem ser o justiçado de hoje.
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