O duvidoso cineasta canadense Bruce LaBruce está de volta com “O Usurpador”, em papeleta nos cinemas paulistanos. O diretor faz um cinema politicamente escandaloso e escandalosamente político. O sexo explícito, ou quase, costuma ser sua arma para incubar.
Neste filme, ele faz sua leitura pessoal, em modo de ficção científica, de “Teorema”, uma das obras mais impactantes de Pier Paolo Pasolini. LaBruce praticamente faz hoje o que Pasolini não podia fazer em sua idade. A pergunta é: Pasolini faria hoje?
E aí estamos diante da encruzilhada. O sexo explícito ainda choca alguém? Certamente, mas quem pode ser mira do choque provavelmente nem vai saber que o filme existe. Os espectadores de cinema autoral, por outro lado, tendem a passar ilesos por esse tipo de provocação. Para eles, é sinal de modernidade.
Era dissemelhante em 1975, quando Pasolini dirigiu “Saló, ou os 120 Dias de Sodoma”, e Paul Vecchiali dirigiu “Change Pas de Main”. Ambos têm cenas de choque visando incomodar plateias burguesas, chacoalhar as estruturas da sociedade patriarcal monogâmica.
O primeiro, citado explicitamente em “O Usurpador”, continuava no único caminho provável, a devastação da sociedade fascista, depois um dos textos mais belos já escritos por um cineasta, “Retractação da Trilogia da Vida”, no qual renegava seus três longas anteriores por terem sido absorvidos pela sociedade de consumo.
O filme de Vecchiali procurava no sexo explícito novas representações das relações de poder. Era um poderoso grito de liberdade dentro de um contexto que inspirava tentativas mais arriscadas de notícia com a sociedade.
O mundo era dissemelhante, o cinema era muito mais popular que hoje e muitos que frequentavam as salas poderiam se incubar com esses filmes cheios de talento e provocação.
Nos dias atuais, o sexo explícito soa porquê pregação para convertidos, que se regozijam no cinema ao pensar que os velhos defensores dos bons costumes estariam sendo atacados com essas imagens.
“O Usurpador”, todavia, tem uma força política que não deve ser subestimada. Começa com um oração conservador, ouvido porquê numa transmissão antiga de rádio, de que os imigrantes chegam com o propósito de “destruir nossas famílias”. O que iremos ver desde portanto é justamente um imigrante destruindo a unidade familiar pelo domínio sexual.
O imigrante chega nu, enclausurado numa enorme mala, nas margens do rio Tâmisa. E vem escoltado de efeitos de luzes e ruídos de interferência, porquê um estranho, a nos lembrar de que a vocábulo “alien” serve para escolher tanto um estrangeiro quanto um estranho.
Esse tipo de reinação Labruce faz a rodo nos seus filmes. Mas cá podemos entender que vai além e mostra o imigrante porquê um estranho de indumentária, que semeia um mundo mais libertário, portanto mais perigoso para os conservadores.
O diretor, todavia, ainda tem umas cartas na manga. Ao fazer com que outros imigrantes, interpretados pelo mesmo ator, saiam de outras malas espalhadas pela cidade, mesmo que depois os abandone para acompanharmos somente o primeiro, ele involuntariamente coloca o protagonista porquê um representante de todos os imigrantes.
Daí para entendermos que a disseminação da liberdade extrema de costumes começou é só um pulo, que Labruce autoriza com diálogos não naturalistas, música eletrônica e imagens estilizadas.
O texto libertário é mesmo radical, mais pelo que é dito ou escrito na tela do que pelas cenas de sexo. Segundo uma fala do filme, consumir fezes é tão libertador quanto transar com o próprio pai, entre outras provocações.
O humor é outro substância no jogo político. Artifícios porquê câmera acelerada, tela dividida em quatro cores, intertítulos piscando e reações exageradas de personagens surgem porquê peças de vaia da subida sociedade.
Há brincadeiras com nomes de filmes: “O Simples Charme da Mediocracia” vira “O Simples Charme Libertino da Mediocracia”. “Eat the Rich”, pouco conhecida comédia inglesa com canibalismo, lançada em VHS no Brasil no final dos anos 1980, vira “Eat Out the Rich”, acentuando a teoria do “consumir” para o ato sexual.
“O Usurpador” mostra que as forças que podem transformar a sociedade conservadora vêm de fora. Talvez por isso refugiados e imigrantes sejam tão combatidos por quem tem pânico de perder seus privilégios.