Crítica: O Mal Que Nos Habita Agride Bom Gosto Argentino

Crítica: O Mal que nos Habita agride bom gosto argentino – 31/01/2024 – Ilustrada

Celebridades Cultura

O primeiro corpo desfigurado de “O Mal que nos Habita” aparece em menos de cinco minutos de filme, uma cena chocante por dois motivos. Para inaugurar, é um torso subordinado com duas pernas no meio de uma clareira, retalhado porquê por uma serra na profundidade do quadril —ou seja, conclui um personagem, impossível a mutilação ser obra de um bicho.

O segundo motivo é que a situação acontece no interno da Argentina, numa história protagonizada e produzida por gente de lá. Uma mutilação assim, com as tripas expostas sem muita cerimônia, é tudo aquilo que o brasiliano não espera do vizinho em uma sala de cinema.

Os filmes argentinos há anos têm lugar de honra nas salas brasileiras, servindo a tese de alguns de que seriam superiores à produção pátrio. Uma tese para lá de vira-lata, que desconsidera a pluralidade dos dois países e se alimenta de um libido por dramas nobres, com face de muito produzidos. Coitado de Ricardo Darín, ator-fetiche de uma geração de cinemas que mais lembram um bistrô.

Oriente bom-mocismo passa longe de “O Mal que nos Habita”, ainda que ele —porquê o título sugere— esteja ali nas entrelinhas das cenas mais putrefeitas do filme de Demián Rugna. A trama, se vamos ser justos, tem algumas intenções com o estado atual da Argentina, mesmo que saindo meses antes da vitória nas urnas do presidente Javier Milei.

A questão é que o longa vive da desvairo coletiva dos personagens, que da noite para o dia precisam mourejar com uma possessão. O tal corpo desvelado no início pertencia a um mercenário contratado para se livrar de um dos habitantes, que está há um ano com o demônio.

Os vizinhos descobrem a situação com o morto e, depois de atestar que o Estado fará zero por eles, resolvem se livrar do possuído sozinhos.

Se tratando de um filme de terror, pode-se imaginar que o projecto dá inverídico, e o mal, antes contido em uma pessoa, se alastra por toda a comunidade. Os protagonistas, dois irmãos que acompanhamos desde o prelúdios, resolvem portanto fugir para salvar a si mesmos e suas famílias, outro projecto que logo se revela uma enrascada.

Assim, registrando uma teoria ruim detrás da outra, o diretor lida com a recusa de todos em assumir responsabilidade sobre os eventos. A situação só piora perante as ações dos personagens, que se revelam egoístas de primeira traço —com recta a peleja de divorciados, quando um deles vai buscar a família.

Se você tirar a assombração da equação, a situação não é muito dissemelhante da vivida pelos argentinos. O país emenda uma crise detrás da outra desde o término dos governos de Néstor e Cristina Kirchner, em planos de governo que vão e voltam da direita ultraliberal. Aos olhos de Rugna, a recusa é o principal motor do sinistro maior que movimenta o país.

O mais intrigante de “O Mal que nos Habita” é o horror, porém, e porquê ele se apresenta ao público. A violência, em si, pouco se difere da que se vê em outras obras recentes do gênero —em peculiar as americanas, o que lembra que o longa é uma coprodução americana. Mas ela acontece às claras, sem indeterminação por segmento da câmera, evitando o suspense em obséquio do impacto.

Ajuda também a disposição de Rugna a fabricar situações nauseantes. O possuído do prelúdios, por exemplo, é um varão com obesidade mórbida que sofre com o diabo na pele, enxurrada de feridas e um inchaço de pus. Com uma visão dessas, dá para entender quando ele implora aos vizinhos que o matem —mesmo que seja um tropelia do tinhoso para se libertar dali.

A adesão ao gore nessas horas lembra muito os trabalhos mais inspirados de Lucio Fulci, rabi italiano que inspirou a produção mais trash do gênero com seus filmes cheios de sangue e eviscerações. “O Mal que nos Habita” se mostra um herdeiro digno desse estilo até mesmo quando cai na embuste clássica de explicar demais a própria mitologia, o que trava a narrativa lá pela metade.

Até lá, porém, o filme oferece uma sequência matadora de momentos brutais, que prendem pelo choque e fascinam pelo sucessão rápido. Vale um spoiler, uma das cenas mais inacreditáveis acontece na vivenda da ex-esposa de um dos irmãos.

Enquanto o par divorciado peleja por quaisquer resquícios da separação turbulenta, o enorme cachorro da família de repente abocanha a filha pequena pela cabeça e a arrasta pela sala de jantar e para fora de vivenda. O ato maligno é tão rápido que dá até náusea, mal dando para a câmera seguir o bicho e o irmão da vítima gritar por ajuda.

Nesse momento, pode-se imaginar o padroeiro da nobreza do cinema prateado vomitando no banheiro do cinema, o que pode ser a intenção do filme. Se isso suceder nos próximos dias, palmas ao diretor.

Folha

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *