Digamos, para iniciar, que quando se dá a um filme o título de “Os Sapos” e o filme não vem de Hollywood, o caminho para o fracasso já está percorrido ao menos pela metade.
O peso simbólico do título até ajuda no início a desencadear a trama, embora ligeiro o filme dirigido por Clara Linhart a esbarrar em certos obstáculos na segunda metade.
Começando pela primeira metade. Ali encontramos o parelha formado por Luciana, papel de Karina Ramil, e Marcelo, interpretado por Pierre Santos, que vivem em uma vivenda cercada por formosura: árvores, vegetais, rio, montanhas. Um lugar idílico. Meio que por ilusão, ao sítio chega Paula, vivida por Thalita Carauta e amiga de Marcelo dos tempos de escola. Na verdade, explica Marcelo, ele havia marcado um churrasco com toda a turma, mas desmarcou e esqueceu de avisar Paula.
Paula é o primeiro sapo da história, se se descontar o sapo de verdade que apareceu na vivenda logo na primeira cena. Existe qualquer desconforto com a presença de alguém que Marcelo não vê há uns 20 anos e que Luciana nunca viu na vida.
O ligeiro mal-estar se desfaz graças à simpatia de todos. Mais amigos chegam. Primeiro, Claudio, interpretado por Paulo Hamilton, o músico; depois Fabiana, papel de Verônica Reis, sua mulher. Algumas coisas começam a se desconcertar. Somos informados de que Marcelo, esse bom rapaz, não divide o aluguel com Luciana. Ela é quem paga a conta. Aliás, o que ele faz, além de frequentar bosques e cachoeiras?
A primeira metade do filme é dedicada ao desenvolvimento dessas personagens. Fora esses ligeiros sinais de desarranjo, o que prevalece são conversas em que conhecemos um pouco mais essas pessoas e elas se dedicam a tornar a convívio o mais aprazível provável. De todo modo, já é provável perceber que chegar a isso não será tão fácil. Luciana é meio que deixada um tanto ao largo, enquanto Marcelo passa da recordação dos anos de escola a uma discreta paquera com Fabiana.
Dito isso, chegamos à segunda segmento. Numa conversa a sós, e razoavelmente íntima com Paula, Fabiana fica sabendo que Claudio não é muito quem nós pensávamos. É possessivo, chega a ser violento e tal. Paula, que dizia ter um marido enamorado, agora já pensa em largar o marido tirânico.
Dessa tirania ele oferece a prova um minuto depois. Manda a mulher para vivenda e começa a conversar com Fabiana. Conversa vai, conversa vem, agarra a moça e tenta beijá-la na marra. Sabemos portanto que se trata de um cafajeste de última categoria.
Podemos nos perguntar o que faz um moleque porquê esse num lugar onde suas oportunidades de exercitar a cafajestice são mínimas —assim porquê de ter sua música ouvida. O trajo é que o clima fecha de vez. Claudio não vale zero, nem as caipirinhas que faz são aceitáveis, mas estamos à “huis clos”, de modo que Fabiana nem pode se terebrar com os outros.
Quanto ao suave Marcelo, ficamos sabendo que também tem lá seus problemas de caráter. Se pela manhã, no prelúdios do filme, se apresenta porquê companheiro sólido e carinhoso de Luciana, mais à noite, à luz da fogueira, a sua história vai mudar um pouco.
Além de folgado, ele não tem compromisso qualquer com Luciana, mas um “relacionamento franco”, porquê explica a Fabiana, logo que vê uma chance dar em cima da moça. Ele faz assim talvez porque ela lhe pareça disponível, talvez porque esteja há muitos anos querendo permanecer com ela —quem vai engolir, finalmente, essa de que esqueceu de avisá-la do cancelamento do churrasco?
Enquanto isso, Luciana está lá, na cozinha, e não gosta zero dessa história. Não importa no que isso vai dar, e sim que, nessa profundeza, temos duas certezas: uma, que as mulheres estão de um lado e os homens de outro —de um modo mais ofensivo ou mais sutil ambos não valem zero. Outra, que a inspiração do roteiro é nitidamente teatral, pois a partir de notório momento as peças começam a se encaixar para melhor estarem ao palato da roteirista —que no caso é autora da peça teatral que inspira o filme.
Isso vai nortear a evolução de “Os Sapos”, na mesma medida em que serve à simbologia teatral —sapos seria o mesmo que proferir os grilos, quer proferir, elementos que aparecem para desconcertar um igrejinha precário, mas satisfatório. Mas vai ao mesmo tempo dar a essa evolução um caráter um tanto mecânico: as peças se encaixam mais para satisfazer a uma teoria prévia do que outra coisa.
Nisso, as maiores virtudes vêm da diretora, que consegue valorizar a paisagem, a natureza, que se manifesta nas montanhas, nos gramados, na catadupa, no próprio vento. As atrizes também se destacam em relação aos atores, mas isso pode ser creditado ao maior zelo que o filme dispensa às personagens femininas.
Aos rapazes cabe ser covardes, paqueradores, violentos ou tolos. Às mulheres, com exceção de Fabiana, cabe ser frágeis ou submissas, é verdade, mas têm matizes que os personagens masculinos desconhecem.
Clara Linhart, que codirigiu o “Domingo”, de Fellipe Barbosa, tem um evidente sentido da imagem: não é dessas que começa a fazer campo e contracampo a cada vez que alguém abre a boca. Deixa que os diálogos fluam, constrói imagens agradáveis.
No prelúdios parece mesmo que estamos diante de um pouco próximo de um “narrativa moral” à maneira de Éric Rohmer. Depois de um tempo, porém, o filme cede à tentação da teatralidade e a evolução torna-se mais convencional. Mesmo assim, o melhor do filme parece vir da direção e do elenco, onde Karina Ramil e Thalita Carauta se destacam.